A recente votação no parlamento sobre a abolição das touradas, para além do âmbito civilizacional, não é de somenos importância política. Que a direita apoie a visão tradicionalista e defenda a continuação deste bárbaro espetáculo é normal. A direita, histórica, foi invariavelmente contra o fim da escravatura, contra o voto das mulheres, a favor das colónias e do apartheid, só para dar alguns exemplos bem conhecidos. Ainda que, a bem da verdade, se deva acrescentar que hoje no PSD, sobretudo na minoritária corrente social-democrata, se encontrem pessoas mais “civilizadas”.

Que o PC seja pela continuação das touradas também é normal tendo em conta que se trata de um partido de mentalidade ruralista (mais do que operária, pois aí seria contra) e imagine que com esse gesto está a representar o bom povo contra as modernices.

Para além do PAN (fenómeno novo e sintomático a que já regresso) restam o Bloco e o PS. O Bloco é um partido urbano, jovem e portanto, apesar de alguma incompreensão quanto à dinâmica tecnológica revelando pontualmente tiques tecnofóbicos, tem sido coerente no acompanhamento da mudança geracional das mentalidades, em particular nas questões comportamentais, de género, ambientais e, em geral, posicionando-se frontalmente contra as múltiplas discriminações e atropelos dos direitos humanos e dos animais.

O PS é o caso problemático. Tanto do ponto de vista cultural quanto político. O PS é, no essencial e na prática corrente, um partido que representa a velha cultura. Desde logo porque, pela sua história e cumplicidades, tem uma conceção de cultura que remonta, no seu melhor, a meados do século 20. Ou seja, uma cultura anterior à revolução tecnológica. É certo que a necessidade económica o leva a proferir constantes apelos à inovação científica e tecnológica, muito devido ao papel de Mariano Gago diga-se de passagem, mas sem nenhum paralelo na política cultural. Basta pensar no atual ministro da Cultura, um homem da cultura antiga, sem a mínima relação com o tempo presente.

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O PS, enquanto partido, mostra uma evidente incapacidade em entender a extraordinária evolução de uma realidade cultural imersa no digital, no virtual, na acelerada circulação dos eventos, nos quais a partilha, aberta e livre, das redes sociais tem um papel fundamental. Este desfasamento tem uma consequência imediata. A cultura chamada contemporânea não é na realidade contemporânea, mas antiquada. Não consegue interpretar a realidade e sobretudo mostra-se incapaz de agir sobre ela. Ou seja, contribui pouco para a evolução tecnológica e civilizacional e frequentemente assume-se como força conservadora e de resistência à mudança.

A componente política desta questão é ainda mais importante. O PS não entendeu as profundas mudanças operadas na perceção do que é e para que serve a política no século 21. Mantendo o registo da parcimónia, nesse medo em assumir posições claras e corajosas, os partidos convencionais vão perdendo crédito sobretudo junto das gerações mais jovens. A noção de tempo mudou. Hoje tudo é mais rápido. Quem vive no século 21, seja jovem ou menos jovem, já não tem paciência para a espera. Quando tanta coisa se trata na hora, por via de um simples toque digital, a lentidão do tempo político torna-se insuportável.

Neste sentido, o caso das touradas é sintomático. Já todos, mesmo os que as defendem, perceberam que se trata de um resquício bárbaro intolerável que não faz qualquer sentido. A questão é portanto simples. Se a política não serve para resolver este assunto então para que serve? Como acreditar que consegue resolver problemas muito mais complexos?

Muito do descrédito dos partidos convencionais deriva desta incapacidade em enfrentar os problemas quando eles se tornam evidentes. O surgimento de novas forças políticas, mesmo as mais bizarras, é consequência da inércia dos que estão instalados e sem capacidade de resposta. O próprio PAN, ainda que pequeno, já é no nosso país um bom exemplo. Quem diria, há poucas décadas, que seria possível não só surgir um partido dos animais, como conseguir ter um deputado na Assembleia da República? Nas próximas eleições terá certamente mais votos.

O PS pode ter conseguido um enorme feito com a geringonça, acabando com o “tradicional” arco da governação. Falta-lhe agora superar muitas outras tradições, não menos aberrantes, só possível por via de uma radical renovação geracional. Resta saber se tem tempo. É que a política ensina. Pode estar tudo a correr bem e a partir de um momento começa tudo a correr mal.

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