Em Portugal de acordo com os dados respeitantes ao período de janeiro a março de 2022 temos 1841 pessoas que estão em situação de acolhimento total na RNAVVD, no período homólogo do ano passado eram 1066, foram realizados 214 transportes de vítimas, face a 184 no mesmo período de 2021. É explicita a subida dos números. De realçar que 3867 pessoas foram abrangidas por teleassistência no âmbito de crime de violência doméstica. Neste período, registaram-se 9 vítimas de homicídio voluntário em contexto de violência doméstica.

Em três meses 9 vítimas por causa de violência doméstica. É uma temática cara, difícil e muito enraizada no nosso país. Não é exclusivo, mas é demasiado enraizada. Apesar dos avanços, continua a ser um tema complexo e difícil para a sociedade. Que se vejam os assustadores números da violência no namoro.

É um tema que obriga a uma análise holística e multidisciplinar. Quem está de fora não compreende a vítima que se mantém no papel nem o do agressor que por vezes apresenta uma conduta social irrepreensível. Outras tantas vezes, tal como numa guerra, onde as partes vão perdendo a razão, também num caso de violência doméstica, podemos ter duas vítimas. Quando a relação pisa a linha vermelha da falta de respeito é fácil oscilar entre o papel de vítima e agressor.

O julgamento mais mediático do ano trouxe à espuma dos dias a violência física, psicológica e sexual. Foram expostos relatos violentos que todo o mundo ouviu com demasiada leviandade. Criaram-se memes e tik toks sobre o tema. Todo este processo incutiu numa temática sensível, demasiado ruído. Tornou-se um reality show mediático, com uma audiência de milhões que se polarizou, numa espécie de luta de claques.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Esta “luta de claques” enfraquece e retira dignidade na luta contra a violência doméstica. Estas posições polarizadas descredibilizam vítimas e a discussão social da temática.

O facto de estarmos a falar de estrelas mediáticas e longínquas do nosso quotidiano acelerou uma máquina mediática que embruteceu as posições da população. Se apoio um dos lados, odeio o outro. Tornou-se um concurso de popularidade e não um tema discutido com a seriedade necessária.

Exploraram-se os temas acessórios, mais ou menos como se faz nos casos de violação- que roupa é que ela trazia vestida? Este esmiuçar de um quotidiano que foi trazido a público só trouxe tumulto para uma causa que necessita de uma análise cuidada e delicada. Essa é a grande perda. Criar ruído em torno de uma causa demasiado cara à sociedade ajuda à sua descredibilização.

Os media deram palco à descredibilização da temática. Desumanizaram-se os relatos de violência física, psicológica e sexual. Expuseram-se fragilidades com banalização. Se neste caso os intervenientes até poderiam ter estrutura e à vontade para usar este mediatismo em prol de si próprios. Outras vítimas fechadas no seu quotidiano podem ver esta exposição como mais uma violência a que não se querem expor.

Todo este espetáculo descredibilizou um tema importante, delicado e caro. Dar palco, por vezes é criar ruído.