Não podia deixar passar esta eleição presidencial sem escrever sobre aquele que é o meu candidato.

Quantos mais debates entre candidatos presidenciais vi, mais clara ficou a minha convicção de que urge unir e não separar os portugueses.

Temos assistido, não só em Portugal, a um reemergir de ideias sectárias, da esquerda à direita. O ano que passou, com a pandemia e múltiplos confinamentos, contribuiu para a falta de oportunidades de diálogo. Por outro lado, os agregadores digitais de notícias – para muitos, a principal fonte de informação – funcionam como gatekeepers e distribuidores de público pelas diversas salas de espectáculo digitais, cada uma com a sua programação e objectivos. Os algoritmos destas plataformas tendem a centrar os seus utilizadores sobre aquilo que já conhecem, as preferências que já lhes foram identificadas, acentuando e acelerando o fenómeno de retribalização da sociedade proposto por Marshal McLuhan.

Assistimos a sucessivos protestos sectários, muitas vezes partindo de plataformas que procuram implantar-se como forças de pressão mono-causa e muitas vezes instrumentalizadas por organizações extremistas. O vandalismo Antifa infiltrado nas manifestações do movimento Black Lives Matter, ou a invasão do Capitólio por uma franja extremista de apoiantes, acicatada por Donald Trump, são só dois dos casos mais sonantes e chocantes que ilustram o perigo da divisão de uma sociedade.

Em Portugal, depois de um extremar do esquerdismo em resposta ao governo de Pedro Passos Coelho e à Troika, e da subida ao poder pelos partidos que lhe dão alento, era expectável o surgimento de uma pretensa resposta do outro lado do espectro político.

Os partidos da esquerda procuraram, em larga medida com sucesso, a imposição de agendas e medidas divisivas, fracturantes e que são insufladas mediaticamente, embora não correspondam a preocupações reais da sociedade. Tendo o país questões mais prementes com que se debater, esta agenda serviu para tapar o sol com a peneira e disfarçar de concretizadores e solucionadores os seus promotores.

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Não vou aqui discutir a classificação fascista (que não creio que seja) ou de extrema direita do Chega, apenas o seu carácter populista que visou capitalizar o descontentamento com estas políticas e, mediante propostas igualmente insufladas, assumir-se como verdadeiro contraponto na vacuidade, falso guardião da moralidade e herdeiro da posição que o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português perderam quando cooptados pelo Partido Socialista para a geringonça.

Os extremistas de ontem tentam hoje, para salvar a face, passar por moderados e vociferam contra quem lhes veio tirar o lugar de enfant terrible na agenda mediática. Na verdade, são apenas “farinha da mesma qualidade”, com lote de produção e prazos de validade diferentes.

E isto ficou patente nos debates, em que cada um falou para a sua bolha, com um discurso muitas vezes baseado na oposição antidemocrática a André Ventura.

Devo ressalvar que não me revejo nem em André Ventura nem no Chega, mas este tem monopolizado o debate, fruto da ineficácia da maioria dos seus oponentes.

Aqui chegados, e olhando os debates, vemos que a tónica dominante é a do candidato de fação. Um parêntesis para Tiago Mayan Gonçalves, que tendo partido como um desconhecido, tem melhorado o seu desempenho e conseguido falar do programa do partido que o apoia e do que o distingue dos outros, em especial das diversas variantes de socialismo no menu. Pode ter um efeito interessante na implantação da Iniciativa Liberal no panorama político português, mas, ainda assim, representa um partido.

Importa também referir a originalidade de Vitorino Silva. Olhado muitas vezes com desdém, convém lembrar que na eleição de 2016 teve cerca de 152 mil votos – mais do que o Livre, a Iniciativa Liberal ou o Chega nas eleições legislativas. Podemos especular quanto deste voto terá sido de protesto, mas traz a esta eleição uma linguagem simples e uma visão que representa muitos dos que andam esquecidos pelas forças que gravitam em Lisboa.

A generalidade dos candidatos falou para dentro das suas bases eleitorais, desacreditando os oponentes, embora com discursos muito virados para quem já estaria a pensar votar neles inicialmente.

Temos as três maiores candidaturas à esquerda, todas extremadas de alguma forma. O ataque e o insulto foram mais frequentes quando debatendo com André Ventura, mas não em exclusivo.

Ora, entendo que a função de Presidente da República deve ser agregadora, garante de estabilidade e guardiã da democracia em Portugal. A dissolução da Assembleia da República por Jorge Sampaio é um bom exemplo de um momento em que o Presidente não foi nada disto. Cedendo ao ímpeto de aceder aos desejos do Partido Socialista que o apoiava e que nessa decisão privilegiou, contribuiu negativamente para a cultura de estabilidade e respeito pelos ciclos democráticos em Portugal.

Tudo isto me leva a identificar apenas Marcelo Rebelo de Sousa como candidato agregador, capaz de amortecer a polarização que os outros procuram alimentar.

Foi o candidato que, até agora, falou para todos os eleitorados além daquele de onde é originário e não se apresentou numa lógica de nós contra eles. O sectarismo, especialmente nas condições actuais que o exacerbam, corrói a democracia.

Isto não quer dizer que eu tenha sido subscritor de todas as suas acções no mandato que agora termina. Mas compreendo que procurou em cada momento, com as suas limitações pessoais e conjunturais, garantir um regular funcionamento das instituições. Esteve muitas vezes mais próximo do Governo do que eu gostaria, mas eu também sou simpatizante de algumas facções. O meu desagrado pontual pode ser entendido como a real concretização do equilíbrio e do compromisso necessários à democracia.

Apesar dos inúmeros escândalos dignos de dissolução da Assembleia da República que os governos de António Costa protagonizaram, não me recordo de uma sondagem que deixasse antever uma solução governativa diversa das que estiveram em prática, tornando muito difícil justificar uma decisão tão drástica por parte do Presidente. Assim também se vê a qualidade do exercício da função – não cedendo a idealizações e bem implantada na realidade e na interpretação que dela faz em cada momento.

Perante os ataques baixos dos dois candidatos mais populistas – André Ventura e Ana Gomes – conseguiu, com educação, contrapor uma posição apaziguadora da sociedade. Fez sobressair as tendências autoritárias de André Ventura, permitindo ao eleitorado escrutinar melhor as suas posições frequente e deliberadamente pouco claras. André Ventura mostrou que condena à condição de proscrito todos os que não cabem na sua ideia de pessoa de bem – como se esta fosse uma categoria estática no tempo –, recusando liminarmente o perdão e reconciliação cristãs. Face a isto, Marcelo Rebelo de Sousa não renegou nenhum português, independentemente das suas características, percurso e situação perante a lei. Procura, de facto, ser ponte entre diversos sectores da sociedade em vez de alimentar os antagonismos que os separam.

Conseguiu destacar, também, a incoerência sectária de Ana Gomes, quando esta se considerou vítima de ataque vil de André Ventura. Foi por ele associada a momentos e personagens incómodos do passado recente do Partido Socialista – Paulo Pedroso e José Sócrates – como se fora responsável pelas acções de outros. Já quando Ana Gomes debateu com Marcelo Rebelo de Sousa, não hesitou em recorrer ao mesmo expediente quanto à amizade com Ricardo Salgado. Ficou patente a dualidade de critério e o uso do mesmo artifício de que fora vítima, sem mostrar por isso qualquer pudor.

Quanto à hipótese aventada por Ana Gomes e Marisa Matias, não só de buscar a ilegalização do Chega, mas também de recusar dar posse a governos por ele integrados ou apoiados, também Marcelo Rebelo de Sousa respondeu com acerto. A representação popular e aceitação de um partido pelo Tribunal Constitucional são factos significativos e o populismo não se combate ilegalizando-o, mas sim no debate de ideias. Marcelo deu posse e suporte a governos apoiados em populistas e extremistas de esquerda e, agora nos Açores, de direita. Acredito que a confrontação destes partidos com a realidade do apoio à governação os obriga a sair do papel de donos da pureza ideológica e a entrar no diálogo e compromisso essenciais à democracia.

Marcelo Rebelo de Sousa, ao falar para os vários sectores do eleitorado, rompe as bolhas mediáticas e algorítmicas em que nos vamos enredando tantas vezes sem dar conta.

Tenho expectativa e esperança num mandato mais liberto de constrangimentos quanto à dureza com o governo, quando esta for necessária e justificada. Mas não esqueçamos que o Presidente não governa, estabiliza o sistema democrático.

Por fim, acredito verdadeiramente que Marcelo Rebelo de Sousa age de boa fé.

Fundamento esta minha posição numa experiência pessoal.

O meu Pai foi, há mais de 20 anos, colaborador de Marcelo Rebelo de Sousa. Quando adoeceu e morreu subitamente, Marcelo Rebelo de Sousa foi profundamente atento e generoso para com a minha família. Superando em tudo o que seria habitual e com uma visão certeira, proporcionou-nos de forma gratuita e generosa a possibilidade de ter um espaço onde reagrupámos e reaprendemos a ser família na nossa nova circunstância. Não tínhamos qualquer ligação anterior e nada podia esperar de nós. Guardo desse tempo duro uma memória mais suave, graças à sua presença e cuidado.

Quem faz o bem, de forma até aqui invisível e com tal desprendimento, deve por isso ser louvado e reconhecido, tendo a sua ajuda sido do melhor tipo: em vez de assistencialista, foi autonomizante e ajudou a desbravar caminho novo, sem mais nos ter perdido de vista.

Por tudo isto, pelo diálogo, pelo equilíbrio, pelo sentido de Estado, pela preparação do candidato e por ser o único que consegue agregar diferentes sensibilidades de forma construtiva entre todos os que se apresentam a eleições, vou votar em Marcelo Rebelo de Sousa.

E apelo ao voto em Marcelo Rebelo de Sousa. A incerteza da pandemia pode trazer-nos resultados inesperados. O perigo populista é real, tanto à esquerda como à direita, e Marcelo Rebelo de Sousa é o candidato que melhor o combate.