Em Portugal, as doenças são um tema predileto de conversa. Basta estar num café, num autocarro ou em qualquer espaço público, e percebemos que falar sobre o colesterol elevado, a diabetes, o enfarte do miocárdio ou o cancro, é recorrente. A comunicação social, incluindo as chamadas revistas sociais, dedicam espaço ao cancro, sobretudo quando atinge esta ou aquela figura pública. Temos uma imediata empatia com as pessoas que têm estas patologias, conseguimos compreender o seu sofrimento e somos solidários.

Mas recordam-se, pergunto eu, de quando é que uma figura pública portuguesa falou do seu problema relativo à infecção VIH? Lembram-se de ter ouvido, enquanto comiam um pastel de nata, de uma pessoa na mesa lado, falar sobre ter infecção VIH/SIDA e de como vive com a doença?

O VIH existe e é um vírus mortal. Mortal se não for diagnosticado a tempo. Mortal se não se tomar medicamentos para travar a sua progressão. É transmissível, nomeadamente, por contacto sexual ou por partilha de materiais contaminados com sangue, como agulhas ou seringas. Contudo, se for controlado permite uma esperança e qualidade de vida sobreponíveis à da restante população. Se for controlado também não se transmite, nem mesmo através de relações sexuais desprotegidas.

Sim, leu bem, não se transmite mesmo que tenha relações sexuais sem preservativo com uma pessoa infectada pelo vírus. Diversos estudos científicos, ao longo dos últimos anos, já o demonstraram, como sejam o HTPN 052 ou o PARTNER, entre outros. Esta mensagem ainda não passou para a população em geral: U=U, “Undetectable equals Untransmissible”. Uma pessoa com VIH, sob tratamento antiretroviral, com cargas virais sistematicamente indetectáveis, não transmite a infecção ao seu parceiro sexual, mesmo se tiver relações sexuais sem utilização de um preservativo.

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Esta é uma mensagem de enorme relevância, que não é do conhecimento geral da população e pode reduzir de forma drástica o estigma associado à infecção VIH.

Ser portador de VIH/SIDA não é fácil. Para além de se ter de lidar com uma patologia crónica, não se pode contar, habitualmente, com o suporte familiar/social, associado a outras patologias crónicas. Dizer à entidade empregadora ou aos colegas que se tem de faltar ao trabalho para ir a uma consulta médica devido a um cancro é mais fácil do que fazer o mesmo revelando que se tem infecção VIH. Revelar ao seu companheiro que se tem diabetes não se compara a revelar que se tem uma infecção VIH. O estigma de ser VIH positivo e o receio do abandono por parte dos mais próximos (colegas, família, parceiros) é uma preocupação e uma infeliz realidade de muitas pessoas que vivem com o VIH.

Difundir a mensagem de não transmissibilidade da infecção, desde que se esteja sob tratamento eficaz, é necessário e pode contribuir para a redução do estigma associado a esta doença.

Médica Infecciologista; Directora do Serviço de Infecciologia do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca