A história da Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa confunde-se inevitavelmente com a história da política portuguesa. Por ela passaram figuras que mais tarde tiveram um papel fundamental na nossa sociedade. Nomes como Mário Soares, Álvaro Cunhal, Jorge Sampaio e mesmo Durão Barroso e Marcelo Rebelo de Sousa, entre tantas outras figuras que no panorama político com significativa importância, tiveram assento nos bancos da Faculdade de Direito.

No seu corpo docente, conhecido pela sua excelência, podemos encontrar nomes como Jorge Miranda, a que muitos chamam o pai da Constituição de 1976. Mas diversos outros de grande relevo histórico por lá passaram. Relembro, Sousa Franco; Adelino da Palma Carlos, sem esquecer Saldanha Sanches, talvez o melhor ensinador de matérias fiscais.

Porém, a importância do ensino do Direito na Faculdade de Lisboa ( FDL) não se esgota nos tempos actuais. Teremos que recuar alguns na história para salientar a importância, unânime na comunidade jurídica actual, de um nome: falo-vos de Marcello Caetano.

O último estadista do Estado Novo, que chegou a exercer a função de Conservador no Registo Civil, concorre a professor extraordinário na Faculdade de Direito de Universidade de Lisboa em 1933 e passa a professor catedrático em Ciências Jurídico-Políticas no ano de 1939.

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Como académico, foi o fundador do moderno Direito Administrativo português, cuja disciplina sistematizou e ordenou, influenciando sucessivas gerações de juristas, no modo de pensar uma Administração Pública limitada pelos direitos dos particulares e sujeita a controlo jurisdicional, embora limitado por considerações políticas. Da sua escola, saíram nomes como Freitas do Amaral, Fausto Quadros e mesmo Marcelo Rebelo de Sousa.

Em 1937 publica a primeira edição do seu Manual de Direito Administrativo que, ainda em vida, veio a conhecer dez edições (a última é de 1973), todas melhoradas; este manual é ainda hoje considerado uma obra de referência no estudo do Direito Administrativo, tendo aliás influenciado outros manuais, como o Curso de Direito Administrativo de Freitas do Amaral.

Foi também professor de Ciência Política e Direito Constitucional, onde deixou a mesma influência nos vindouros — estudaram-se, pela primeira vez de um ponto de vista jurídico e sistemático, os problemas dos fins e funções do Estado, da legitimidade dos governantes e dos sistemas de governo. Finalmente foi ainda um notável historiador do Direito português, designadamente, no período da Idade Média portuguesa.

Em junho de 2022 é inaugurado na Faculdade a sala-museu Marcello Caetano. Um espaço dedicado à obra e à memória do Professor de Direito, por todos considerado o mais conceituado jurista nacional e internacional.

Se a história é aquilo que é, Marcello Caetano, pelo seu percurso académico e político, deixa-nos uma vasta obra.

Porém, parece que alguns estudantes de hoje da FDL querem apagar a história da sua própria faculdade, confundido o professor com o político, querendo encerrar a sala-museu Marcello Caetano.

O Wokismo que se pretende levar a cabo naquela que é uma das melhores instituições no ensino do Direito, para além de incompreensível, é uma tentativa absurda e estupidamente injusta, ao querer apagar um percurso académico que gerou pensamento jurídico e escola ao longo dos tempos.

Não reconhecer isto, é não reconhecer a importância do Direito nos dias de hoje, com marcas vindas e nascidas do trabalho académico de Marcello Caetano naturalmente sujeitas a evolução.

Há uma importante distinção a fazer entre o político Marcello Caetano e o professor Marcello Caetano, sendo extremamente perigoso misturar tudo isto no mesmo saco e arguir de forma astuta a repressão política, a PIDE e a morte de um estudante para confundir a opinião pública não lhe mostrando a outra parte, o trabalho académico.

A história política do homem foi assim. Teve que ser assim. Na época foi o que aconteceu e, se é facto, que se aceite e se aprenda com ele.

Mas, o professor Marcello Caetano, deixou muita obra de relevância histórica para o direito, mormente para o Direito Administrativo e este facto é inegavelmente relevante.

O que se pretende fazer é a condenação de um homem e da sua ideologia política. Estamos perante um erro cronológico, talvez. Esta condenação já foi feita, o tempo já avançou e nada justifica que aos tempos de hoje não se saiba distinguir o antes e o depois, a pessoa política da pessoa académica.

Julgar hoje o passado sobre factos e ideologias de uma outra época é quer reescrever a história ao contrário. Ter pensamento é também entender o passado para nos conhecermos melhor. Apagar a história é apagar a nossa consciência e nosso pensamento crítico.

No fundo, a pretensão de encerrar a sala-museu Marcello Caetano é também eliminar de vez, não permitindo dar a conhecer aos outros, a importância que o académico Marcello Caetano teve na história da própria instituição e no Direito. Negar isto é ser-se anti democrático. Sim, porque a evolução democrática das sociedades também se fazem pelo conhecimento histórico.

Negar isto é não deixar aprender. E não deixar aprender, não permitir o conhecimento, terá por certo um nome que me repudia escrever.

Cabe a estes alunos, e a tantos outros, perceber que a nossa história é marcada pelo bom e pelo menos bom, mas que tudo faz parte dela.

Marcello Caetano ao seu tempo foi o político que foi. Faz parte da nossa história política. Mas antes de Caetano ser o homem-político que foi, já era o homem-académico que ainda hoje é e que sempre será, queiram ou não queiram alguns alunos da FDL.