A requisição civil ao Zmar é um escândalo? É, se envolver as habitações fora do espectro turístico e que são propriedade individual. E no restante será um escândalo caso não envolva a devida compensação.

Se avançar sem estas garantias é um escândalo, tal como o regime de expropriações previsto no âmbito do PRR. Sim, é de causar preocupação que em 2021 alguém considere uma normalidade ter um governo a recorrer a expropriações e requisições civis de propriedades. E um governo que já demonstrou ser pouco confiável.

Mas o que esta decisão sobre um equipamento turístico em Odemira nos diz é muito mais. Diz que temos um governo a correr atrás do prejuízo e a tentar salvar o seu autarca local. Diz e demonstra que ambos foram incapazes e incompetentes na gestão pandémica.

Mas diz mais. Diz que Odemira fica um concelho de Direitos suspensos. Não apenas o Direito à Propriedade ou o Direito à Habitação, mas também os Direitos Humanos.

Há anos que é conhecido que o Concelho de Odemira (a par de Aljezur) são procurados por muitos migrantes, sobretudo vindos da Ásia, para trabalhar no sector agrícola. E é sabido que muitos vivem em condições pouco dignas, grande maioria vivendo juntos às dezenas em espaços reduzidos.

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Sendo certo que são conhecidas várias situações em que empresários contribuíram para situações degradantes e em que se exigia mais fiscalização e actuação eficaz na proteção de trabalhadores, houve var proprietários e empresários agrícolas que decidiram construir habitações nas suas propriedades para acomodar condignamente os trabalhadores. Alguns, poucos, conseguiram fazê-lo. Outros, muitos, não tiveram autorizações, visto ser proibida construção para habitação em terrenos rurais. E outros, também vários, têm os seus processos perdidos no emaranhado burocrático de precisarem de autorizações de diversas entidades.

Há dois anos o Conselho de Ministros, o mesmo que decretou a requisição civil, criou um Grupo de Trabalho (fosse criado este ano e seria uma task force) para analisar a situação em Odemira e Aljezur e apresentar soluções que permitissem desbloquear as situações. Um Grupo constituído por 12 entidades e com um prazo de 6 meses. O que aconteceu? Pois, boa pergunta.

Entretanto veio a pandemia. Em Fevereiro, em pleno confinamento, foi notícia que a Assembleia Municipal reuniu presencialmente. Localmente falou-se de um surto proveniente de uma matança do porco e outro de uma festa de aniversário. Nenhuma destas situações envolvia trabalhadores agrícolas migrantes. Em Abril o presidente da Câmara Municipal decidiu “decretar” que o surto e descontrolo em Odemira era responsabilidade dos migrantes trabalhadores agrícolas.

Entre o 25 de Abril e o 1º de Maio Odemira tornou-se, em linguagem contemporânea digital, trend topic nacional. Foi preciso o umbigo urbano sentir-se tocado pelo risco de uma requisição civil. Uma requisição que se não cair, será mitigada ou clarificada na sua dimensão.

Que esta atenção e preocupação com Odemira e indignação conexa não caia rapidamente no esquecimento, pois há dignidade humana para ser acautelada.