A necessidade imperiosa de actuar, de forma célere, na prossecução e satisfação dos interesses e necessidades das populações tornou-se a justificação magnânima para transformar o ajuste directo no instrumento de contratação pública porventura mais utilizado pela administração pública, muito especialmente pela administração autónoma.

Mas estará assegurado, com este procedimento facilitador, o principio da igualdade e o tratamento equitativo dos operadores económicos?

Poderá a celeridade inerente ao procedimento que lhe está associado justificar amplamente o seu recorrente uso, transformando-o na solução mais utilizada para agir em beneficio das populações?

Ou será este instrumento, de cariz não concorrencial, a cortina de fumo ideal para evitar convenientemente a transparência relativa aos procedimentos contratuais levados a cabo em muitas das autarquias que o usam e, em muitos casos, dele abusam?

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Uma leitura atenta ao Código de Contratos Públicos leva à consequente convicção de que o ajuste directo é um procedimento meramente acessório, usado somente em casos especiais ou para contratos de valor reduzido. Leva também à formação da convicção de que tais casos especiais não potenciarão, futuramente, repetidas adjudicações à mesma entidade, salvaguardando assim o estrito cumprimento das regras de respeito pela concorrência e igualdade de direitos entre os agentes económicos. Contudo, paralelamente ao Código de Contratos Públicos, existem outros diplomas legais que possibilitam, não só a utilização do ajuste directo para realização de contratação pública em vários sectores, mas também facilitam a sua permeabilidade a situações que não se imaginariam sequer possíveis.

A celeridade inerente ao ajuste directo tende a ser utilizada para justificar o seu amplo uso. Trata-se de uma evidência indesmentível, o ajuste directo é, de facto, uma lebre na administração pública, rápido e eficaz. Mas só o é porque a dita administração pública, especialmente a administração autónoma, padece de uma crónica condição de inexistente ou muito parco planeamento e estratégia. Grande parte das autarquias portuguesas estão afogadas em organogramas pomposos, mas absolutamente desprovidos de recursos cognitivos de relevo capazes de assegurar o desenvolvimento pleno da sua capacidade organizacional. E, infelizmente, essa enfermidade não se cura recorrendo, de quando em vez, a frenéticas mas incipientes reorganizações internas, para parecer que se está a fazer alguma coisa a bem da dita estrutura organizacional. Urge saber, em efectivo, o que é necessário fazer para realmente alterar o paradigma existente. É preciso saber recrutar e posicionar adequadamente os recursos humanos para destes obter a maior e melhor rentabilidade organizacional, pois só o planeamento afastará o recurso abusivo ao ajuste directo, aumentando assim a transparência e diminuindo o aparecimento de problemas, que parecem só poderem ser resolvidos através deste mecanismo.

O tema da contratação pública pode ser considerado desinteressante e fastidioso para a maioria das pessoas. Falar em ajustes directos pode não despertar motivação suficiente para querer saber mais acerca do assunto. Mas se substituirmos o conceito de “ajustes directos” pela designação análoga “procedimentos não competitivos urgentes” categorizaremos, imediatamente, este instrumento como dúbio e passível de poder dar azo a arbitrariedades e abusos vários, se e quando usado não como excepção à regra mas como regra típica da contratação pública.

O alargamento da utilização de procedimentos de cariz não concorrencial, vulgo ajustes directos, afasta a realidade portuguesa dos princípios constitucionais pelos quais se deve reger, mas também a afasta dos princípios administrativos aplicáveis na ordem jurídica interna, bem como do entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia e ainda das recomendações emanadas internacionalmente em matéria de contratos públicos.