Foi há já alguns anos que, quando preparava um grupo de crianças para a sua primeira Confissão, uma pequenita de palmo e meio me interpelou porque, segundo ela, não tinha pecados! O assunto era grave porque, sem pecados, não se podia confessar, nem fazer a sua primeira Comunhão. Mas não era irremediável porque nós padres temos por missão, entre outras coisas, arranjar pecados, pelo menos com o mesmo zelo com que os médicos descobrem doenças.

Reconheço que não é muito bonito dizê-lo, mas é verdade: nós, os padres, vivemos dos pecados alheios e, portanto, se os não houvesse, ficaríamos no desemprego. É certo que houve uma senhora – Maria, a Mãe de Jesus –  que, por ser imaculada desde a sua concepção, ia dando cabo do ofício, mas agora, em compensação, há uma enorme abundância deles, tanto antigos como modernos.

O primeiro de todos foi o pecado original. Original, sem dúvida, porque está na origem do mal no mundo – duvidar da sua existência seria tão absurdo como negar a presença do mal na humanidade – mas original também porque todos os outros pecados, a bem dizer, são apenas reles imitações.

Se o pecado é, por definição, a transgressão da lei de Deus, também é, na feliz expressão de São João Paulo II, um acto suicida. Quer isto dizer que a razão da proibição divina não é nenhum capricho do Criador, mas o bem da criatura: o pecado não é mau porque é proibido, mas é proibido porque é mau. Como nem sempre o ser humano é consciente do que lhe é ou não conveniente, Deus supriu essa carência do nosso entendimento e vontade com a sua lei e o magistério da Igreja, que não excluem a liberdade humana, mas, pelo contrário, a fundamentam e potenciam.

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E os pecados modernos? Graças ao avanço tecnológico, agora pode-se pecar de uma forma mais sofisticada, mas os pecados são sempre os mesmos. É verdade que só agora há hackers, por exemplo, mas desde sempre houve piratas: o que hoje alguns fazem, por via informática, já faziam os corsários do século XV, ou, séculos antes, os vikings. O acto é, essencialmente, o mesmo. A técnica apenas amplia a capacidade humana, tanto para o bem como para o mal: há mil anos, por exemplo, nenhuma bomba atómica podia matar, num instante, milhões de vítimas.

Paradoxalmente, o mais moderno e recorrente dos pecados é também o mais antigo: o pecado de não ter pecados! Apesar de ser, de facto, muito comum na actualidade, já São João, há dois mil anos, advertia para a sua existência: “se pretendemos não ter pecado, enganamo-nos e não há verdade em nós” (1Jo 1, 8). Portanto, o pecado de não ter pecados é, na realidade, um engano e uma mentira. Mas é mais, porque é também uma ofensa a Deus: “Se pretendemos não ter pecado, fazemos Deus mentiroso e a sua palavra não está em nós” (1Jo 1, 10). Portanto, quem afirma não ter pecados tem, pelo menos, três: a mentira, a blasfémia e, ainda, a soberba de se julgar, como o fariseu da parábola, superior aos “outros homens” (Lc 18, 11).

Outro pecado recorrente é o pecado piedoso de quem, por exemplo, diz uma mentira, mas com a desculpa de assim beneficiar o próximo: como o marido que diz à ciumenta mulher que ficou a trabalhar até tarde quando, na realidade, esteve com a vizinha; ou o empregado que mentiu ao irascível chefe, dizendo-lhe que já tinha acabado a tarefa que ainda estava por fazer. Se o fim justifica os meios, então todos os pecados são piedosos, porque todos os pecadores procuram algum bem, nem que seja só o do próprio. O conceito de pecado piedoso é uma contradição e uma manifestação de hipocrisia porque, por via desse adjectivo, se pretende justificar a ofensa a Deus, de que era suposto que o pecador se acusasse e arrependesse.

Também são muito modernos os pecados por amor. Entendem alguns cristãos que, sendo a caridade o mandamento novo de Jesus, não há pecado quando se age por amor. Não foi Santo Agostinho quem disse: ‘ama e faz o que quiseres’?! Então, sempre que se actua por amor, não há pecado! O argumento parece convincente, mas não o é, porque, na realidade, sempre que se peca é por amor: o avarento peca por amor ao dinheiro, o luxurioso peca por amor ao prazer, o vaidoso peca por amor à sua imagem, o adúltero peca por amor ao cônjuge alheio, o guloso e o bêbado pecam por amor à comida e à bebida, o preguiçoso peca por amor ao descanso, etc.

É verdade que não há responsabilidade no que se sente involuntariamente, porque ninguém domina inteiramente as suas emoções e, por isso, uma pessoa pode apaixonar-se sem culpa, ou sentir ódio por quem sabe que deve amar. Mas o pecado não está em sentir, mas em consentir uma paixão advertida como imoral.

Também os pecados minúsculos são muito frequentes. É o caso dos que se acusam de umas mentirinhas mas, como dizem, sem importância… Mas, das mentirinhas passa-se às mentirotas e acaba-se nas mentironas porque, quem rouba um tostão, rouba um milhão. Não faria sentido dizer que se cometeu um homicidiozinho, ou um adulteriozito… Há, sem dúvida, em função da matéria, faltas mais ou menos graves – roubar cinco milhões de euros não é mesma coisa do que roubar 50 cêntimos – mas os pecados não se medem ao quilo, nem ao litro, mas pela sua intrínseca iniquidade.

Um Mayor de Nova Iorque, Giuliani, propôs-se combater a pequena criminalidade urbana, porque a impunidade, em relação aos pequenos delitos, geralmente leva à grande delinquência. São recorrentes os casos de pessoas que se iniciam nos pequenos furtos, ou no consumo de drogas leves, e, depois, praticam grandes assaltos, ou caem na toxicodependência mortal. Um vírus, como a Covid, ou uma bactéria, podem ser mais perigosos, precisamente pela sua diminuta dimensão, do que um grande animal.

São pecados insensíveis aqueles que não doem. As piores doenças não são as que doem muito, mas as que não se sentem, porque a dor obriga a procurar, com urgência, a cura, enquanto que a falta de sintomas pode ser fatal, se só se der pelo mal quando já não houver remédio. Por isso, dos pecados insensíveis, livrai-nos Senhor!

Os pecados a que Jesus mais se referiu são, no entanto, os pecados invisíveis. São o tema recorrente de muitas parábolas: a dos talentos (Mt 25, 14-30); a das dez virgens (Mt 25, 1-13); a da figueira estéril (Lc 13, 6-9); e também a do juízo final (Mt 25, 31-47). Todas se referem aos pecados de omissão: o que enterrou a riqueza recebida é castigado por ser mau, porque foi preguiçoso; as virgens néscias são excluídas, por não terem levado o azeite necessário para a viagem, ou seja, por causa da sua negligência; a figueira é amaldiçoada por não ter frutos, embora não fosse tempo deles; os que são condenados, na parábola do juízo final, não são os que matam, mentem ou roubam, mas os que não socorrem os pobres, não vestem os necessitados, não alimentam os famintos, não visitam os presos, nem os doentes – tudo pecados de omissão! Na realidade, não basta não fazer o mal, há que fazer todo o bem que se pode e deve fazer. Que responsabilidade a dos políticos que, por omissão, são cúmplices dos assassinatos de milhões de não-nascidos ou, por terem legalizado a eutanásia, são responsáveis pelo extermínio de inúmeros doentes terminais!

Todos os pecados são, por definição, uma desgraça, mas, por estranho que pareça, também há pecados felizes! É a liturgia da Igreja que, na Vigília Pascal, se atreve a assim designar o pecado original, por ter merecido tão sobreabundante redenção!

São também pecados felizes todos os confessados com contrição e verdadeiro propósito de emenda porque, pela válida absolvição sacramental, o pecado cometido, por grave que seja, converte-se, como na parábola do filho pródigo (Lc 15, 11-32), em alegria e graça, ou seja, em experiência da infinita ternura e misericórdia do nosso Pai Deus.