Na passada quinta-feira, no auditório da Residência Universitária Montes Claros, em Lisboa, o Embaixador José de Bouza Serrano apresentou um livro do Dr. Alexandre de Camões Barbosa, de que também sou autor. A Arte de saber estar (Sopa de Letras, 2023), tem por subtítulo Guia de etiqueta social e profissional e é, na expressão do referido diplomata, “um manual muito completo sobre a vastíssima gama de setores, recheado de exemplos práticos e sugestivas ilustrações, aliadas a um estilo conciso e rigoroso, a que não falta uma nota de humor”.

O Embaixador Bouza Serrano, que é o autor do Livro do Protocolo do Estado (Bertrand Editora, 2011), assina também o prefácio de A Arte de saber estar. Nesse seu texto, teve a amabilidade de recordar o meu “saudoso pai”, que foi o seu “primeiro Chefe do Protocolo do Estado”, quando entrou “no Ministério dos Negócios Estrangeiros, há mais de 40 anos”. Bouza Serrano era então um “jovem adido de embaixada” que, como confessa no prefácio, muito aprendeu com o seu primeiro Chefe, “usufruindo dos seus ‘savoir faire’, excelente convívio, fino humor e poder de observação”.

A minha colaboração neste texto ficou-se a dever ao amável convite do Dr. Alexandre de Camões Barbosa, médico fisiatra com formação humanística e reconhecidos dotes literários, nomeadamente como tradutor de uma obra inédita, em português, de G. K. Chesterton. Quando ele era um dos primeiros residentes do então Colégio Universitário, eu era o capelão e juntos colaborámos no Paradoxos, o jornal da Montes Claros, de que ele foi director. O Paradoxos não sobreviveu à sua saída da residência, depois de concluído o curso, mas sim a nossa amizade, não obstante as nossas vidas e ocupações tão díspares.

Embora a comunicação social, de quando em vez, nos surpreenda com presenças sacerdotais onde menos seria de esperar – recorde-se, por exemplo, o padre DJ na Jornada Mundial da Juventude – talvez haja ainda quem se escandalize por um padre colaborar numa obra que poderia parecer superficial, senão mesmo frívola.

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A verdade é que, muito antes de a sociedade civil estabelecer regras sociais, já a Igreja tinha instituído os seus rituais, de que o moderno protocolo é uma versão secularizada. A Igreja católica, que tem por missão proporcionar os meios instituídos por Jesus Cristo para a salvação da humanidade, não desdenhou os cerimoniais, dando à sua liturgia a designação de opus Dei, ou seja, obra de Deus.

Se esta razão prática era já, por si, suficiente, não será descabida uma breve referência à Teologia da cortesia, que tem fundamento evangélico. Ou seja, Jesus Cristo não descurou estas questões que, embora para os ignorantes possam parecer meros formalismos farisaicos, na realidade são expressão menor da virtude maior, a caridade.

Alguns exemplos, retirados do prólogo intitulado, precisamente, “Teologia da cortesia”, são suficientes para fundamentar esta afirmação: “Ao contrário do que era de esperar de quem, para além de ser perfeito homem, também é perfeito Deus, Jesus Cristo não viveu em isolamento, mas em ambientes sociais. Primeiro, com sua Mãe, Maria, e o marido de Nossa Senhora, José, que era da casa e família de David. Depois, constituiu a sua própria família espiritual, de que faziam parte, habitualmente, os doze apóstolos (cf. Mt 10, 1-4), bem como as santas mulheres que também O seguiam (cf. Lc 8, 1-3).”

A este propósito, é curioso o paralelismo entre Jesus de Nazaré e o precursor: “Enquanto João Baptista, seu primo, era conhecido pela sua vida solitária e pelos estranhos hábitos gastronómicos e de vestuário que tinha adoptado (cf. Mc 1, 6), Jesus de Nazaré tem fama de ser comedor e bebedor (cf. Mt 11, 19), porque se dá com publicanos e pecadores, escandalizando os fariseus (cf. Mt 9, 11). Come e veste como qualquer pessoa da sua condição social e, por isso, é preciso que o traidor o denuncie com um beijo (cf. Mc 14, 44-45). Mas, não obstante a sobriedade no seu modo de se vestir, traja com elegância e, por esse motivo, os soldados, que repartem entre si as suas vestes quando é crucificado, não dividem a túnica, porque era de uma só peça (cf. Jo 19, 23-24)”.

Se Jesus nunca desdenhou, por assim dizer, a vida social, foi porque essas ocasiões não eram alheias à sua missão, mas mais um meio para dar a conhecer a mensagem de que era portador: “É num casamento, a que comparece na companhia de sua Mãe e também de alguns dos seus discípulos, que faz o seu primeiro milagre (cf. Jo 2, 1-11), […]. É também à mesa que, na última ceia, institui o Sacramento do seu Corpo e Sangue: a Eucaristia (cf. Mt 26, 26-29).”

Curiosamente, o Filho de Deus encarnado não só é sensível à temática social como até repreende as faltas de cortesia de que foi objecto. Com efeito, “Quando é convidado por um fariseu para uma refeição em sua casa, aceita e vai, mas repreende ao dono da casa a indelicadeza de não lhe ter dado água para lavar as suas mãos, pés e cabeça. Também chama a sua atenção por não o ter saudado da forma que era então tradicional (cf. Lc 7, 36-50).”

Esta temática também foi contemplada no seu magistério: “Numa das suas parábolas, manifestou a indelicadeza de não aceitar um convite, mais ainda quando se tratava das núpcias do filho do rei (cf. Mt 22, 1-14). Certamente, esta sua alegoria tinha que ver com a falta de correspondência aos chamamentos de Deus, mas era também uma lição de etiqueta: a um convite responde-se sempre afirmativamente, a não ser por uma razão de força maior, que não era o caso. Também chamou a atenção para os que procuram os primeiros lugares, para ensinar a humildade de preferir as posições mais modestas, de que o anfitrião, se for o caso, nos fará subir para um melhor lugar (cf. Lc 14, 7-11).

Os discípulos deram a devida importância a estas questões. Com efeito, quando Pedro e João, na manhã da ressurreição de Jesus, correram para o sepulcro vazio, o discípulo que o Senhor amava chegou primeiro mas, por deferência com Pedro, que era o Papa, não entrou, observando a precedência protocolar, que é também uma comovedora manifestação de fé, de respeito e de comunhão eclesial (Jo 20, 1-10).

A caridade, ‘que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera e tudo suporta’ (1Cor 13, 7), permanecerá sempre, ‘mas as profecias passarão, as línguas cessarão e a ciência desaparecerá’ (id., 8)”.“A arte de saber estar”, não é só para a vida terrena, mas também no Céu, porque, como escreveu São Paulo aos cristãos de Corinto, “a caridade nunca há-de acabar” (1Cor 13, 8).