As vidas correm de feição à ideia de que tudo deve ser partilhado, ao socialismo, à franqueza. Partilham-se reiteradamente pensamentos, palavras, e toda a espécie de objectos. Em rigor não se partilham: anuncia-se que se partilham, e depois passa-se ao que interessa. Os anúncios de partilha prometem mansidão genérica; mas o que se pratica é uma forma declarada de intromissão nas mentes e nas posses de terceiros. Aos pensamentos dos outros sobrepomos as nossas considerações; e exigimos-lhes reciprocidade na partilha confiscando-lhes as sobremesas.

Os cientistas registaram primeiro com perplexidade que é raro o restaurante onde os pudins não vêm acompanhados por pelo menos dois garfos. A adequação do instrumento à substância-pudim é naturalmente incerta; e podem ser colheres. Mas é o próprio número de instrumentos que ajuda a explicar a perplexidade: indica que se considera que existe qualquer coisa de reprovável na ideia de comer pudim sem dar contas, ou sem dar pudim, a mais alguém; e, mais que reprovável, de inconfessável.

Eis a parte principal do problema. O que nos lança nos braços desta tirania da partilha é o combate político à noção de que possa haver coisas, e pensamentos ou palavras, impartilháveis. Não se trata de uma ideia sobre a natureza desses objectos: poucas pessoas se comovem com o conteúdo daquilo que é partilhado. Trata-se antes do pouco valor em que a própria partilha é tida, no sentido do preço baixo que geralmente obtém. Acredita-se que por razões técnicas já não é possível haver segredos, e por razões civilizacionais e políticas que não é bom que haja.

A partilha tem pouco valor porque, como em outras matérias de preço, o seu valor resulta da relação entre oferta e procura. Quanto mais abundante for a oferta, mesmo dada a constância da procura, mais o preço desce. Os pudins são apenas a ponta do icebergue. Começa-se com dois garfos; mas à medida que se desce irão proliferar relatos de sentimentos, de opiniões, de pressentimentos, e até de sonhos. Todas estas coisas diferentes são muito parecidas: a expressão verbal dos meus pensamentos é como o confisco do pudim do próximo. A partilha é uma forma de telepatia preventiva que visa aliviar as consequências morais mais indesejáveis do chamado problema das outras mentes. Consiste em implicar outras pessoas em actos, palavras e pensamentos cometidos por nós, dando-lhes conhecimento deles.

Poderia pensar-se que se trata apenas de um surto de pentecostalismo pós-prandial inócuo, de confissões involuntárias suscitadas por uma refeição em comum, e aquecidas pelo número de garfos ou colheres que ninguém gostaria que ficassem sem utilização. Não é o caso. As partilhas nunca são exactamente confissões, porque o propósito de emenda, por mínimo que seja, nunca ocorre durante essas acções sumárias de confisco. Falta-lhes reticência, demora, e uma certa maceração; são quase sempre feitas com cálculo, com hostilidade, com despejo.

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