A coisa chegou envolta naquele palavreado dos amanhãs que cantam: “IGAI quer mudar recrutamento de polícias e rever formação para acabar com discriminação“. No caso concreto a intenção anunciada pela Inspecção-Geral da Administração Interna de “acabar com discriminação” significa nada mais nada menos que o assumir de um claro controlo ideológico esquerdista no acesso à PSP: “Nos testes psicotécnicos [feitos no recrutamento] temos essa proposta de criar um grupo de trabalho que integre psicólogos de forma a poder criar uma grelha de testes que seja apta a captar a existência, por exemplo, de um indivíduo que tenha um ideário nazi ou que seja adepto da supremacia branca. Vamos convocar psicólogos para a área do recrutamento” – anunciou a inspectora-geral da Administração Interna, Anabela Cabral Ferreira. A senhora inspectora-geral nunca ouviu falar dos casos de racismo entre cabo-verdeanos e guineenses em Portugal? Ou entre ciganos e negros? Não acha, por exemplo, a IGAI que “a grelha de testes” deve também captar estes casos? E a propósito de ideários porquê referir o nazi e deixar de fora o comunista ou o fundamentalismo islâmico? É caso para dizer que a IGAI não está à procura de psicólogos mas sim de controleiros!

Mas coloquemos a questão doutro modo: a senhora inspectora-geral teria coragem para dar outros exemplos? Ou que os poderia dar sem que se armasse uma polémica viral? E será que pode esclarecer o que leva a que os concursos de recrutamento para a PSP estejam a confrontar-se com uma até agora inédita falta de candidatos? Recordo que em 2020 das mil vagas ficaram mais de 200 por preencher porque não apareceram candidatos!

Mas o “por exemplo” da senhora inspectora-geral não se esgota na questão do recrutamento dos futuros agentes da PSP, leva-nos também ao ente politicamente mais útil deste momento, o tal “indivíduo que tenha um ideário nazi ou que seja adepto da supremacia branca”. Este indivíduo, como a inspectora-geral bem sabe e prova com os exemplos que escolheu dar, faz parte do equipamento básico de quem agora está na vida pública e política: no tempo em que era de bom tom sair de casa logo pela manhã havia quem não conseguisse pôr o pé na rua sem levar consigo um chapéu de chuva, agora ninguém dá um passo na política sem ter ao lado para anatemizar o tal “indivíduo que tenha um ideário nazi ou que seja adepto da supremacia branca”. Não interessa que o indivíduo não tenha feito nada pois tal como acontecia com os chapéus de chuva a sua função é estar lá para as emergências. Por exemplo, hoje mesmo precisa-se com urgência nas redacções de um “indivíduo que tenha um ideário nazi ou que seja adepto da supremacia branca” para que seja devidamente noticiada a tentativa de degolação numa estação de serviço do Barreiro a um estudante de Medicina que se recusou a dar o seu lugar na fila de abastecimento a dois homens. Enquanto não se conseguir responsabilizar um “indivíduo que tenha um ideário nazi ou que seja adepto da supremacia branca” pelo sucedido naquela estação de serviço dificilmente esta bárbara agressão sairá das páginas do “Correio da Manhã”. Também se precisa com brevidade de encontrar um “indivíduo que tenha um ideário nazi ou que seja adepto da supremacia branca” para finalmente encontrar um responsável para as várias queixas por ameaças  apresentadas pelo BE e afins (não sei o que surpreende mais, se o frenesi queixinhas de BE se a incapacidade da PJ para esclarecer o sucedido). Também dava jeito encontrar um “indivíduo que tenha um ideário nazi ou que seja adepto da supremacia branca” para culpar pelo falhanço da compra das vacinas pela UE, pelo atraso na distribuição dos computadores pelos alunos portugueses, pelos dados que o Governo não envia ao Conselho de Finanças Públicas ou pela provável subida dos juros da dívida. Creio que não será difícil arranjar um qualquer incauto que cumpra esse papel quanto mais não seja porque a dra. Ana Gomes arrebanhará o Chega para o efeito.

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