Todos nós sentimos o poder coletivo civil nas conjunturas de sufrágio universal. O voto é, certamente, a primeira ação de que nos lembramos se refletirmos acerca dos nossos direitos e deveres enquanto cidadãos. Eleger alguém é escolher quem, supostamente, se esforce para melhorar a nossa qualidade de vida, enfrentando os desafios e promovendo o bem-estar da população.

Em Portugal, no âmbito do nosso sistema democrático representativo, temos quatro principais momentos em que somos chamados às urnas: as eleições legislativas (para escolher quem formará Governo e determinar a composição do Parlamento); as eleições europeias (relativas também ao Parlamento, mas neste caso o europeu); eleições presidenciais (unipessoais, que culminam no estabelecimento de uma figura para ser Presidente de Portugal); e as autárquicas (em que cada munícipe opta pelos órgãos que dizem respeito à sua Freguesia e Câmara). Acontecimentos diferentes, mas todos eles deveras relevantes para decidir os poderes nacionais e internacionais.

De todos os tipos de eleições mencionados as autárquicas são aquelas que definem o comando político mais próximo de cada um de nós. Uma grande parte dos autarcas é conhecido próximo ou amigo de pessoas do seu território, transmitindo uma imagem de afabilidade, preocupação e credibilidade, dado que parecem importar-se mais com os sentimentos dos cidadãos e conhecer melhor os seus receios e dificuldades. Então, aquelas são, pois, com grande probabilidade, as alturas de escrutínio em que as pessoas mais votam pelo ser humano específico que encabeça uma dada lista concorrente do que pelo partido envolvido nessa lista. Tal significa que os eleitores depositam nestes indivíduos um elevado grau de confiança e esperança.

Acontece que a amizade sai muitas vezes confundida com favorecimentos e desconsiderações pela lei, instrumento que nos deveria proteger a todos por igual; e os tais sentimentos de confiança e esperança transformam-se em suborno e corrupção. Inúmeros são os exemplos de autarquias em que aconteceram casos de suspeita ou mesmo de confirmação de devassidões, injustiças e comportamento criminal. De repente, a autoridade municipal é vista como a mais permeável à pulverização das regras de convivência democrática e do respeito pela comunidade.

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Estas situações originam muitos mal-estares junto do sujeito-comum. Se o poder que nos é mais próximo é aquele que usa e abusa em maior grau da posição em que se encontra, como podem os jovens e os não tão jovens acreditar no nobre valor da política? Como poderão sequer sentir que existe investimento na melhoria da sua saúde, da sua educação, da sua habitação, do seu trabalho ou dos seus transportes quando dão de caras com as notícias a relatar constantemente prisões preventivas ou condenações de (ex)-autarcas? De que modo a mobilização cívica será possível sem a coerência e maturidade que se exige a líderes, sobretudo em momentos difíceis para as populações?

Na qualidade de jovem que já apresentou, num orgão de comunicação, ambições de ter algum papel minimamente relevante na política, vejo com preocupação o clima de desconfiança, por um lado, e de indiferença, por outro, que se tem progressivamente instalado a cada caso junto das entidades do poder local. O último, relativo a acontecimentos que dizem respeito à câmara da minha própria cidade – Vila Nova de Gaia – vem apenas adensar a angústia que todos sentimos com esta displicência de se fazer política. Ora, se adicionarmos a isto a perceção de que, frequentemente, podemos perceber o ambiente político, ainda que existente somente a partir da vontade da maioria populacional, como fechado e hermético, com proibições ou limitações à entrada em eventos e edifícios específicos e a utilização de um vocabulário complexo e pouco pragmático, quase nada mais nos valerá a pena.

É por tudo isto que o exercício da política municipal deve ser mais aberto aos seus cidadãos. A divulgação tardia de assembleias, com poucos lugares disponíveis e realizadas em horários pouco convenientes (por exemplo, durante os dias úteis em horário laboral), afasta a maior parte das pessoas, limitando-as à presença daquelas que, na sua quase totalidade, são bastante conhecedoras dos dossiês em questão, encerrando as preocupações sociais e políticas numa bolha de elitismo. A ausência de momentos de promoção da visita da população a espaços de discussões de medidas e tomadas de decisão leva ao desligamento e ao desinteresse. Mesmo o escasso recurso às redes sociais digitais para partilha de fotografias do território ou para a realização de diretos com esclarecimentos de dúvidas por parte do presidente de câmara e debates com membros do governo local tem revelado a difícil adaptação da política às práticas culturais e sociais dos jovens, sem os quais a mudança não se realiza.

É indispensável que os municípios não sejam ativos na defraudação, mas sim na criação e na transformação. Eles são-nos demasiado caros para abdicarmos deles e da nossa escolha relativamente a quem desejamos que execute as nossas propostas. Sob pena de perderem cada vez mais indivíduos, que se tornam descrentes nas capacidades dos nossos representantes, as câmaras necessitam de inovar, quer nos meios a que recorrem para fazer política, quer na componente ética que empregam no exercício do poder público. É que a democracia só existe com a estima pelas regras do jogo – e, já agora, pelo próprio jogo também.