“Batem no peito” preocupados com a desertificação do interior do país e depois vão deixando que o país se desertifique. Citando de memória, esta foi a mensagem de uma das pessoas que integrava o grupo de autarcas e moradores que esteve em Lisboa, vindo do concelho de Vila Pouca de Aguiar, para protestar contra o encerramento da agência da CGD em Pedras Salgadas. É um de vários protestos contra o encerramento previsto de 70 balcões, a maioria até ao fim do mês, que o banco público vai concretizar. Como relembrou o primeiro-ministro no debate de quarta-feira no Parlamento, foram os compromissos assumidos com a direcção-geral europeia da concorrência. Essa era, recorde-se, uma das condições para a CGD fazer o aumento de capital sem ter de reduzir ainda mais a sua dimensão ou, no limite, partir para um processo de resolução.

O efeito do redimensionamento da CGD na coesão do País é aquele que tem sido mais esquecido, enquanto consequência dos erros cometidos na concessão de crédito e no envolvimento do banco público em projectos ruinosos. Falamos muito do dinheiro que foi preciso injectar na Caixa e tendemos a esquecer-nos do agravamento das desigualdades que resultará deste emagrecimento da CGD. O acesso de algumas pessoas a serviços bancários vai reduzir-se por culpa de quem é responsável pelas perdas que a Caixa teve. Claro que algumas perdas podem ser atribuídas à conjuntura, mas existe hoje informação suficiente para se saber que não foi assim em todos os casos. E é possível explicar o aumento de capital que levou a estas condições de redimensionamento com meia dúzia de projectos ruinosos e de racionalidade duvidosa, mesmo sem a crise.

Pelo dinheiro envolvido e, especialmente, pela deterioração da qualidade de vida que os erros do passado vão ter na vida de quem nada teve a ver com as decisões tomadas na sede em Lisboa na João XXI, temos o direito e o dever de exigir conhecer os processos que geraram tantas perdas à CGD. Não chega ter apenas a fotografia dos créditos não pagos num determinado momento. É preciso conhecer cada um dos processos desde que nasceu até que desapareceu do balanço da Caixa porque o dinheiro foi dado como perdido, “imparizado”.

A lei que protege informação bancária e financeira dos cidadãos está concebida para garantir direitos de privacidade e não para desresponsabilizar quem tomou decisões que puseram em causa a viabilidade da CGD. E que, agora, são responsáveis pelo dinheiro que os contribuintes lá tiveram de meter e, mais importante ainda, os culpados por muitas pessoas por esse país foram ficarem sem o acesso que tinham aos serviços bancários que lhes era fornecido pela CGD.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Quando se pronuncia, como se pronunciou, o Banco de Portugal não está a proteger o sigilo bancário, está a proteger quem decidiu aqueles créditos e quem não tomou as medidas necessárias para os recuperar. O Tribunal da Relação de Lisboa considera isso mesmo, que é “lícita a quebra de sigilo bancário e profissional” no quadro da investigação que se está a fazer à gestão da CGD.

Por tudo aquilo que se passou na CGD e pelos efeitos que agora estamos a pagar, hoje é ainda mais claro que foi, no mínimo, lamentável a decisão do PS, do PCP e do Bloco de Esquerda de encerrarem à pressa a designada primeira comissão parlamentar de inquérito à Caixa. Como inacreditável, para dizer o mínimo, foi o que se passou com o relatório, chumbado. Como pode actualmente a líder do Bloco de Esquerda questionar o primeiro-ministro sobre o encerramento das agências da CGD, tal como o fez no debate quinzenal, quando o BE foi cúmplice da estratégia de desresponsabilização da gestão passada da Caixa? É triste mas, de facto, nós já vivemos na era do populismo também em Portugal.

Quando olhamos para o que se passou temos de dar razão a Rui Rio quando disse esta semana que o PCP e o BE também protegem o “grande capital”, como o designam. O líder do PSD anunciou que o seu grupo parlamentar vai pedir as conclusões da auditoria independente à CGD, um trabalho já terminado.

O mínimo que a classe política deve aos portugueses, especialmente àqueles que vão ter pior acesso a serviços bancários, é identificar os erros cometidos no passado, identificar os responsáveis e garantir que não volta a acontecer. O combate às desigualdades faz-se com pequenos grandes actos, não com declarações políticas, com gestos de “bater no peito”.