A 10 de Junho de 2019 celebrou-se o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas. Uma data marcada por discursos que, como decorre da lei da vida, o tempo não tardará a varrer para o esquecimento. Por mais elogiados ou criticados que sejam no curto prazo. A regra convive sempre mal com a exceção.

Como o espaço para a novidade não foi grande, mesmo quando, à primeira vista, não deu essa sensação, não me debruçarei sobre os discursos oficiais. Porém, já não poderei deixar passar em claro um tweet da líder bloquista. Afinal, a moda criada por Trump também já faz escola por terras lusas.

Ora, foi precisamente sobre a gesta lusa – a expansão – que a líder do Bloco de Esquerda decidiu pronunciar-se. Na ausência de palco oficial, a rede serviu para transmitir a ideia sobre qual deveria ter sido o conteúdo dos discursos. Deveriam, na ótica bloquista, ter servido para “reconhecer a enorme violência da expansão portuguesa, a nossa história esclavagista, a responsabilidade no tráfico transatlântico de escravos”.

Um discurso que me recuso a adjetivar. Limitar-me-ei a dizer que não é habitual que um partido pouco virado para a religião venha exigir aos portugueses – pela boca dos seus principais representantes – a confissão pública dos pecados e, logicamente, a autoflagelação como penitência.

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Enquanto português que se recusa a olhar para a História de séculos passados com os olhos do século XXI, fiquei incomodado, apesar de saber que nenhum povo recebe a História a benefício de inventário. Por isso, no que à expansão diz respeito, a melhor imagem para a avaliar talvez passe por lembrar que quando a nau Santa Catarina aportou junto a Cascais trazia a bordo Camões e Diogo do Couto. O primeiro, enquanto cantor do ativo. O segundo, na qualidade de denunciante do passivo. Basta ler Os Lusíadas e o Soldado Prático.

Uma forma de dizer que, na História, há que assumir o passivo, mas sem enjeitar o ativo. Algo que, no que concerne ao segundo elemento, não colhe junto da líder bloquista. Fundamental, na visão de um partido populista antissistema é dar tempo de antena ao passivo.

Reduzir a responsabilidade portuguesa naquela que é reconhecida, por conceituados historiadores estrangeiros, como a primeira globalização, à participação no tráfico esclavagista é claramente redutor. Que seja alguém nascido em Portugal a fazê-lo só aumenta a dimensão do desastre, sem que o nacionalismo exacerbado ou narcisista seja para aqui chamado.

Verdade que ninguém escolhe o local onde nasce. Por isso, Dom Manuel Clemente fala da terra que nos calhou ou onde encalhámos. Só que, como ensina Adriano Moreira, a decisão de ficar é responsabilidade própria. A nacionalidade representa muito mais do que o direito a um bilhete de identidade ou cartão de cidadão. A Nação é a comunidade de afetos de que falava Malraux. O eu coletivo que exulta com o sucesso próprio – veja-se a forma como são celebradas as vitórias da seleção de futebol – e que sofre quando as suas vozes encantatórias se cansam da existência terrena.

Uma Nação que há muitos séculos aprendeu a ser peregrina. Primeiro, em terra a que chamou sua. Depois, em terra alheia. Daí a dimensão da diáspora portuguesa.

Por isso, no que concerne ao 10 de Junho, sou tentado a vê-lo como o Dia de Portugal, das Comunidades Portuguesas e de Camões. Porque o coletivo, tal como o ativo da expansão, tem primazia. Não é por acaso que «povo» é um nome ou substantivo coletivo.

É a esse Povo – e ao seu ativo e passivo – que tenho a honra e o orgulho de pertencer.