Esta rentrée política trouxe algumas novidades, como a putativa candidatura de Marques Mendes à Presidência da República daqui a três anos ou a reivindicação do PSD de “baixar impostos já” (algo que explorarei noutros artigos). Mas trouxe também a continuidade de velhas questões. É o caso dos professores. A guerrilha sindical em que competem pela liderança STOP e FENPROF levou a um ano lectivo passado com uma instabilidade enorme, muitas greves, alunos mal preparados, famílias em sobressalto sobre onde deixar os filhos no dia seguinte. Neste início de ano, para Setembro e Outubro, já estão convocadas greves por ambos os sindicatos. Como consequência, temos uma escola pública que se degrada, tornando mais atrativa a privada, não necessariamente pela qualidade mas pela estabilidade familiar, e uma geração escolar altamente prejudicada. Enfim, o acentuar da desigualdade de oportunidades na educação. Até onde isto irá?

A guerrilha sindical tem utilizado argumentos falaciosos e inverdades que, repetidas à exaustão, têm convencido muitos. Em época de maioria absoluta PS os sindicatos sabem que o seu único canal de influência possível é a Presidência da República. O PR, por seu lado, alimenta o seu ativismo presidencial, numa área a que é sensível, a educação, e sobretudo muito numerosa, ao intervir numa esfera que é de competência parlamentar e do governo. O seu veto ao Decreto-Lei do governo no final de Julho passado assentou em argumentos, também usados pelos sindicatos, que importa desmontar. O mais simples de desconstruir é o argumento da desigualdade de tratamento dos docentes dos Açores e da Madeira em relação aos professores que exercem as suas funções no continente, no que toca à contagem do tempo de serviço e que favorece os primeiros. É óbvio que esta desigualdade é injusta, e não deveria existir. Mas a ser corrigida poderia ser em ambos os sentidos. Será que o PR considera que devem ser as Assembleias Legislativas Regionais de Açores e Madeira a comandar a Assembleia da República e o governo, ou seja os Decretos legislativos regionais a impor as suas normas às Leis e Decretos-Lei da República? Certamente que o constitucionalista Marcelo Rebelo de Sousa não pensa assim.

Outra questão, mais complexa, que tem sido tratada de forma enganosa, para sermos simpáticos, é a da relação entre a carreira dos docentes do ensino básico e do secundário (DEBS) e as outras carreiras especiais e gerais da função pública. Ainda há pouco tempo o sindicalista Mário Nogueira (MN) escreveu no Público que não há nenhum problema de equidade com outras carreiras “pois na generalidade da administração pública o tempo de serviço, convertido em pontos, já foi recuperado, em alguns casos com justa bonificação.” Isto é simplesmente falso. As medidas de cortes e contenção salarial antes e depois do período da troika (2011 a 2014) afetaram negativamente a generalidade dos trabalhadores em funções públicas e tal não foi revertido integralmente em nenhuma carreira. A solução política então adoptada para a contagem de tempo de serviço dos DEBS (que levou aos famosos 2 anos, 9 meses e 18 dias) foi uma solução equitativa com as carreiras onde a avaliação se processa por pontos como já argumentei no Público e no Observador quer em 2018 quer este ano aqui. Hoje, tal como em 2018, qualquer solução política terá de ser equitativa entre carreiras.

Desde 2018 a esmagadora maioria dos professores progrediu dois escalões na carreira. Aumentaram significativamente os professores que estão quer no topo da carreira, no 10º escalão, e acima do 7º escalão. Aumentaram-se os quadros de zona pedagógica para reduzir o problema da “casa às costas” e a distância das novas colocações. Vinculou-se um número significativo de docentes com correspondente aumento da remuneração salarial. Mais recentemente, em Julho passado, o governo aprovou um Decreto Lei para acelerar as progressões na carreira dos DEBS afetados pela não contagem parcial do tempo de serviço para efeitos de progressão (pois conta obviamente para efeitos de cálculo da pensão). Aprovou também outro decreto-lei para os trabalhadores das restantes carreiras com vínculo de emprego público e progressão dependente de avaliação de desempenho e pontos, deste modo preservando alguma equidade entre trabalhadores de diferentes carreiras. É possível ir mais longe? Claro que é. Talvez o mais importante agora seja avançar na desburocratização e na simplificação das tarefas administrativas ao nível das escolas algo que aliás está previsto no programa do governo. Os professores gostam de ensinar não de burocracias e de preencher formulários online. Quanto ao resto, melhores condições para aos DEBS devem poder ser oferecidas aos restantes trabalhadores em funções públicas e deverão ser discutidas em sede de Orçamento de Estado em função das condições financeiras do país.

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Como referimos Marcelo Rebelo de Sousa vetou inicialmente o diploma da “aceleração de progressão na carreira” dos DEPBS. Fez mal, por duas razões. Primeiro, porque deu um sinal aos sindicatos que têm ali um aliado contra o governo e que vale a pena continuarem com as greves e as inesgotáveis reivindicações negociais. Em segundo lugar, porque do veto de Marcelo não resultou uma alteração substantiva do diploma, entretanto aprovado. Nele foi inscrita uma norma de conteúdo quase vácuo: “A solução constante deste decreto-lei, (…) não prejudica que, em diferentes conjunturas, designadamente em próximas legislaturas, possam ser adotadas outras soluções, sem prejuízo naturalmente dos direitos ora adquiridos pelos educadores de infância e professores.” Que as próximas legislaturas poderão legislar de forma diferente é óbvio. O recado deixado é que alterações não devem prejudicar os direitos ora adquiridos. Enfim, abre-se uma janela, sem substância, mas que alimenta a litigância.

Como terminar de forma justa esta guerrilha sindical e as greves que continuam este processo de degradação da escola pública e ameaçam uma coorte escolar? Só parece haver uma solução: que passe a haver uma sintonia entre Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa nesta matéria e que o primeiro-ministro se envolva e reitere que nesta legislatura nada concederá aos DEBS que não possa conceder aos trabalhadores das restantes carreiras. Em resumo, mais Costa, menos Marcelo e maior alinhamento.

PS. Declaração de não conflito de interesses. Tenho uma relação pessoal, e de estima, quer com o Presidente da República quer pelo Primeiro-Ministro. Mas ambos sabem que, precisamente por isso, digo sempre o que penso mesmo que não seja do seu agrado.