O plano de emergência para a economia nacional dedica um pequeno capítulo ao Serviço Nacional de Saúde, apresentando como grande medida, o aumento do número camas de cuidados intensivos para evitar o caos. Enfermeiros e outros profissionais de saúde são colocados em segundo plano e não foram sequer ouvidas as suas estruturas representativas, nomeadamente, os seus sindicatos, essenciais para o processo de retoma da actividade assistencial do SNS em pleno.

Passemos então à análise do plano do governo, nomeadamente, daquilo que prevê para a área da Saúde:

Novos incentivos financeiros à realização de consultas hospitalares e cirurgias no Serviço Nacional de Saúde”

Como serão distribuídos esses incentivos? Serão para todos os profissionais de saúde envolvidos? Todos sabemos que foram canceladas perto de 1 milhão de consultas de enfermagem nos cuidados de saúde primários, estão incluídas nestes incentivos?

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Reforço da resposta cuidados intensivos, através de investimento que permitam que Portugal atinja no final do ano a média europeia de 11,5 camas de medicina intensiva por 100.000 habitantes (atualmente tem 7,39)”

Toda a gente sabe que não basta aumentar o número de camas de cuidados intensivos disponíveis. Como será feita a formação de mais enfermeiros e médicos nesta área? Será financiada pelo Estado ou terão de ser os próprios, mais uma vez, a pagar do seu bolso?

“Integração nos CSP do acompanhamento dos idosos institucionalizados em lares”

Sinal errado. O investimento em recursos humanos altamente qualificados e materiais é todo feito pelo SNS e os lares (sector privado) usufruem desse capital humano e dos seus dispositivos de uso clínico a custo zero. Mais uma vez a aposta nos cuidados domiciliários e na formação e apoio aos cuidadores informais continua adiada.

“Modernização do sistema de vigilância epidemiológica e homogeneizando o sistema de retribuição aplicável”

Incentivos para todos os profissionais da área da saúde pública ou só para alguns? O regime de prevenção e outros incentivos como os que dizem respeito à fixação em áreas carenciadas serão alargados aos enfermeiros ou ficarão, novamente, à margem?

“Contratação de mais 2.710 profissionais”

Considerando que em 2019 se contrataram 7000, este número é manifestamente insuficiente. Quantos destes serão enfermeiros? médicos? técnicos de diagnóstico e terapêutica? A contratação de mais profissionais de saúde não é um benefício para os próprios, mas sim para o SNS e para os cidadãos portugueses.

No nosso ponto de vista, esta é mais uma oportunidade perdida, pois o plano do governo falha em reforçar os princípios fundamentais que caracterizam o setor da saúde em Portugal, como a universalidade, a igualdade, a solidariedade, a equidade social, diferenciação positiva e coesão territorial. Um verdadeiro planeamento estratégico do futuro da saúde no nosso País a curto/médio prazo deveria conter:

  1. Plano Estratégico Nacional para contratação de recursos humanos qualificados (Enfermeiros/Médicos/TSDT)
    Reforçando, pelo menos, em 30% a contratação de profissionais de saúde do ano de 2019, o que corresponderia a mais 10 000 profissionais de saúde em 2021.
  2. Reserva estratégica nacional de EPI e Testes de Diagnóstico para 2020-2021
    Tendo em conta o risco documentado de uma 2.ª ou mesmo 3.ª onda pandémica, o stock de EPI e de testes de diagnóstico das entidades pertencentes ao SNS deve ser reforçado tendo em conta a proteção adequada dos trabalhadores nos próximos 24 meses.
  3. Plano de Reorganização Assistencial (Doentes COVID e Não-COVID)
    Está na altura de considerar a opção de hospitais e unidades funcionais dos CSP dedicados a doentes COVID-19 e outros que mantenham a actividade assistencial (consultas, tratamentos, cirurgias) para garantir que todos os cidadãos que utilizam o SNS, sejam tratados em tempo útil e com qualidade, minimizando os danos em saúde e nos sectores produtivos da economia.
  4. Modelo de financiamento assente nos resultados em Saúde
    Aposta nos modelos de financiamento que incentivem os verdadeiros resultados em saúde, quer a título individual, quer a nível comunitário, assim como a um reforço de iniciativas que promovam a humanização dos serviços e cuidados prestados pelo SNS, com a consequente comparação entre os vários sectores (público, social, privado) e um reforço significativo nas verbas disponíveis para a formação profissional dos trabalhadores do sector.
  1. Aumento da cooperação entre o SNS, o sector social e o privado
    Materializar os acordos de cooperação entre o Estado e as instituições parceiras do sector social, solidário e privado, até para, rapidamente se responder aos atrasos estão identificados e que prejudicam a saúde de todos os trabalhadores e seus familiares, sobretudo dos mais pobres e que menos acesso têm a cuidados de saúde de qualidade.
  2. Plano Nacional Urgente para os maiores de 65 anos
    É preciso ter em conta que somos o país com a mais alta taxa de cuidados domiciliários informais da Europa e que o célere envelhecimento demográfico irá colocar mais pressão sobre um sistema depauperado, não sendo de ignorar um plano específico urgente para os trabalhadores e seus familiares maiores de 65 anos de idade, sejam eles cidadãos activos e saudáveis (investimento na prevenção da doença e promoção de estilos de vida saudáveis), ou estejam acometidos com doenças crónicas, oncológicas ou outras e a necessitar de cuidados multidisciplinares e diferenciados, como na área da reabilitação ou paliativos, seja nos hospitais, na RNCCI, nos lares, ou até nos domicílios (preferencialmente), sendo demasiado evidente a exigência de uma real readequação da rede nacional de acordo com as necessidades expectáveis em relação às projeções demográficas e de condições prévias de saúde.
  3. Transparência nos contratos de aquisição de equipamentos
    A urgência na aquisição de equipamentos de protecção individual e dispositivos médicos não deve obstar a um escrutínio rigoroso das contas públicas e dos contratos de aquisição e de preferência com o envolvimento de mecanismos de informação e consultas prévias aos representantes dos trabalhadores.

A democracia não foi suspensa, mas a negociação colectiva sim. Lamentavelmente, assistimos a uma perigosa transformação do essencial em acessório, onde a imposição legislativa se sobrepõe ao diálogo social. A ideologia não salva vidas, mas os profissionais de saúde, em equipa multidisciplinar, salvam. Não podemos permitir que os profissionais de saúde passem de essenciais a acessórios em apenas 3 meses.