O grande e esplendoroso império russo que, depois de dominado pelos sovietes, atemorizou o ocidente, aproxima-se do fim. Ficará a história, ficará a memória, ficará a cultura, ficarão Dostoyevski, Tolstoi, e tantos outros. Ficará Gagarin, ficarão as recordações de um passado glorioso e terrível. Ficará a alma russa e a sua língua, ficarão livros, descobertas e invenções do passado. Mas o encontro com a história chegou com a invasão de um povo irmão. O fim da grande Rússia chega no lugar onde a Rússia começa, em Kiev. Com os tanques perto de entrar na capital da mártir Ucrânia e os mísseis de Putin a torturar o seu povo, o fim aproxima-se inexorável.

Escrevo estas palavras quando se ouvem os gritos da guerra, escrevo num momento que parece ser o zénite do reinado de Putin, o auge do seu poder mostra-se ao mundo numa guerra terrível, mas ainda longe de terminar e, sobretudo, longe do fim do sofrimento do povo ucraniano, depois de chechenos, georgianos e sírios, todos vítimas da crueldade fria de Putin.

Os tempos de hoje recordam tristemente o mundo da década de 30 do século passado. Os traumas de Putin assemelham-se muito aos de Hitler, ambos chefes de países derrotados que querem restaurar glórias passadas. Contudo, diferentemente de Hitler, que liderou uma Alemanha poderosa, com uma máquina de guerra ímpar no seu tempo, Putin lidera um exército militarmente envelhecido que nos últimos anos foi “envernizado” por Putin. O insucesso da Blitzkrieg de Putin na Ucrânia contrasta com a queda da Polónia, da França, Dunquerque e o início da invasão da Rússia em 1941. A Rússia vive da exportação de matérias-primas mineradas num território colossal. A Alemanha era uma potência industrial e ainda assim pequena para enfrentar a Inglaterra, Rússia e EUA.

A Rússia de hoje é uma economia de média dimensão num mundo globalizado. O PIB russo é inferior ao PIB de França, Itália, Inglaterra ou Coreia do Sul. A Rússia é um anão face aos EUA e à China. A Rússia tem uma população de 145 milhões de habitantes, uma população envelhecida e em declínio. A União Europeia 447 milhões, Os EUA 332 milhões. O Brasil 215 milhões. De acordo com o Banco Mundial, o PIB russo está perto do espanhol e atrás do brasileiro. A India é uma potência de muito maior calibre que a Rússia, tanto populacional como economicamente. O PIB da Rússia, $1.4T, representa, 1,3% do PIB mundial, o que contrasta com o PIB dos EUA de $20.9T. O PIB da União Europeia é 15,2T, mais de 10 vezes superior ao russo.

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O poderio militar da Rússia é incomparavelmente menor que o poder militar dos EUA, da China e, atrevo-me a dizer, da soma dos países europeus da NATO. O orçamento militar da Rússia é de $65 biliões, menos de 10% do orçamento de defesa dos EUA de $711 biliões. A soma dos orçamentos de defesa alemão e francês ultrapassam em muito o orçamento russo. A aparente força da Rússia de Putin vem da brutalidade com que usa a sua força e da ameaça de armas nucleares. Sem armas nucleares a Rússia seria uma pequena potência regional. É o medo que dá força a Putin. Um homem com uma pistola pode matar muitas pessoas até que alguém o pare. A Rússia de Putin é o bully da escola, o aluno que atemoriza colegas e professores exibindo uma faca, batendo nos mais pequenos e provocando os maiores. O fim deste bully chegará.

Vejo três finais para esta guerra terrível.

Primeiro, vejo a queda da Ucrânia vergada pela força bruta dos canhões e mísseis, mas não vencida, lançada numa guerra de guerrilha, de resistentes sem fim até que Putin morra ou caia, o que vier primeiro. Neste final, a Rússia de Putin continuará alheada do mundo e cada vez mais refém da China de quem dependerá para continuar a exportar os seus recursos e importar a tecnologia que é incapaz de desenvolver. Neste final, a Rússia perde, definha até cair numa segunda Glasnost, descendo um patamar mais na hierarquia das nações. Acabará como estado vassalo da China como é hoje a Bielorússia de Lukashenko.

Vejo um segundo final, em que a Putin se atreve a prosseguir, como Hitler, contra os seus vizinhos do norte e do ocidente, mas sem pisar as fronteiras da NATO, e estes países lhe travem militarmente o avanço. Uma guerra em várias frentes apressaria o colapso de uma tropa mal preparada, cuja principal força, como se vê, lhe vem da artilharia e do uso de mísseis estúpidos contra cidades indefesas. Neste final, a derrota da Rússia será inexorável e levará à perda do seu exército. O mundo terá poucas contemplações para com um país sem palavra, sem lei nem grei, capaz das maiores crueldades, que um dia se voltará contra qualquer um. A Rússia arrisca-se a um fim parecido com o da Alemanha nazi. Nas décadas seguintes, a Rússia cairá paulatinamente, o seu território e riquezas naturais serão presa fácil de chineses, americanos e outros.

O terceiro final não quero sequer mencionar porque espero que, antes que Putin utilize armas nucleares ou químicas, o seu exército o deponha e o povo o julgue.

Não vejo nenhum final em que Putin possa ganhar, mesmo a queda na Ucrânia e mesmo a queda de um ou outro território perto da NATO não evitarão o declínio económico e, consequentemente, militar da sombra de um império.

O império soviético, imposto pelo medo, por um comunismo invejoso, pela ignorância dos intelectuais ocidentais, caiu quando económica e tecnologicamente foi largamente ultrapassado pelos EUA, pela Europa e pelo Japão. Hoje a Rússia está pior que o império soviético herdado por Gorbatchov. É economicamente mais frágil e dependente, tem menos população e é militarmente mais fraca do que a URSS de então.

Quando os russos souberem a verdade e se libertarem do jugo de Putin amaldiçoarão o dia em que o entronizaram e, tal como os alemães do pós-guerra, falarão das glórias dos seus antepassados, da sua cultura, dos seus cientistas e escritores, mas terão uma profunda vergonha de terem sido a pátria de Stalin e Putin.