Abordar a problemática dos salários dos militares num País onde o problema estrutural são mesmo os baixos salários e os elevados impostos é um exercício de difícil resolução. É raro encontrar um estrato social onde não existam queixas. Dos professores em permanente greve por melhores condições, aos médicos e enfermeiros em total desacordo com o reconhecimento proposto pelo governo, às diferenças entre interior e litoral, à disparidade entre homens e mulheres e nem mesmo na classe mais bem remunerada, a da justiça, a harmonia é consensual na classe, com os oficiais de justiça a reclamarem há mais de um ano por acertos salariais. Uma manta de retalhos de injustiças sociais, de desvalorização de carreiras, de perda de poder de compra acentuada e de uma enorme décalage relativamente à Europa a que pertencemos e que sem reformas de fundo e políticas agressivas dificilmente conseguiremos nivelar por cima. Um simples olhar pelo valor consignado no OE 2024 de 820 € para o salário mínimo com os 1.112€ propostos para Espanha, ou o médio de 1438€ em Portugal para os 1751€ em Espanha mostra que os nuestros hermanos metem mais 300€ ao bolso todos os meses e pagam menos impostos, têm combustíveis mais baratos e as despesas em supermercado são muito similares ao que vivenciamos por cá. Se escolhermos o Luxemburgo, a Suécia, a Alemanha para termo de comparação, o desencanto e a desilusão serão ainda maiores. E, em boa verdade, aquilo que devíamos levar em linha de conta na análise é o salário mediano cujo valor se situa nos 959 € e não o médio onde os salários mais altos apesar de menos numerosos puxam a média para cima. Atualmente, o salário mediano situa-se nos 1022 € para os homens e 896 € para as mulheres, o que mostra que também aqui há caminho a percorrer num governo que enche a boca com a igualdade e num País onde, em boa verdade, mais de 70% dos portugueses ganha menos que 1000 € e 1,7 milhões vivem com menos de 591€ mês. Este é, pois, junto com a baixa produtividade, o grande problema de base que inibe qualquer análise séria, isenta de polémicas ou geradora da velha inveja lusitana que nos esmaga como País.

A realidade é preocupante com mais de metade dos portugueses empregados a enfrentar dificuldades para cobrir as suas despesas mensais, enquanto os políticos, que ganham acima da média, desconhecem essas dificuldades. A política de compor o salário com a lógica socialista do subsídio de valor irrisório, a troco da conquista do voto, em detrimento de uma política estrutural, revela a sua total ignorância daquilo que são as vicissitudes de gerir um miserável orçamento familiar. Pior, quando olhamos para as figuras do panorama político, o que encontramos é uma quantidade enorme de boys&girls que vivem do apparatchik e nunca tiveram um vencimento que não fosse associado à máquina partidária ou a cargos políticos. Não sentem o problema e, portanto, não têm necessidade de agir sobre ele. Portugal continua a ser, desde há longos anos, um país endividado, pobre, de mão estendida à Europa e com o Estado a meter-se em tudo o que dê lucro para o transformar em prejuízo. O socialismo e a pobreza dão-se bem e uma sociedade de cidadãos remediados e dependentes do Estado garantem o sindicato de votos necessários para a manutenção do poder. A metade restante que poderia fazer a diferença não vota, fica por casa à espera de que um dia o salário tenha um valor equivalente à dignidade do seu trabalho.

Os militares votam, não fazem greve, mas são poucos! O efetivo das Forças Armadas (FA) hoje situa-se nos 23.425 militares, um número “drasticamente abaixo” do autorizado, como o próprio CEMGFA reconhece, e longe dos 32 mil autorizados pelo governo. Quer a PSP quer a GNR já dispõem de um efetivo superior à totalidade das FA onde o Exército é o ramo com mais efetivos de 10.969, seguido da Marinha com 6.793 e da Força Aérea com 5.663 militares. A redução de efetivos decorre desde 2010 motivada por dificuldades de recrutamento e retenção que têm na sua origem a falta de atratividade sobretudo por razões remuneratórias.

Para a ministra da Defesa, tudo se resolve com “um conjunto alargado de medidas, como o aumento do suplemento da condição militar, incluído na proposta do Orçamento do Estado para 2024”, quando, no fundo, mais não passa de resolver uma desigualdade salarial existente quando comparada com as tabelas salariais da GNR.

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Mas os problemas não se ficam por aí e continuam a faltar medidas concretas para dignificar e diferenciar a condição militar relativamente a outros corpos especiais do Estado, para a valorização das carreiras militares e do respetivo alargamento da grelha salarial, através da revisão do sistema remuneratório das FA´s, implementando um maior equilíbrio na remuneração entre os diversos postos e classes e eliminando disparidades face às Forças e Serviços de Segurança e outros corpos especiais do Estado, tais como a Magistratura Judicial, bem como a criação de premissas de natureza financeira e estatutária garantindo-se assim condições de maior atratividade para uma maior permanência nas fileiras. A criação do Quadro Permanente para Praças no Exército e na Força Aérea para algumas das especialidades não combatentes foi um pequeno paliativo e não cobre o universo das necessidades em recursos humanos. A revisão das quotas mensais a pagar pelos beneficiários da ADM (assistência na doença aos militares), passando a incidir apenas sobre os 12 vencimentos mensais ou pensões, a reformulação do seu modelo de financiamento estabelecendo uma diferença entre apoios assistencial e operacional, a aplicação de acções concretas no domínio social, nomeadamente o acesso a habitação social para os beneficiários do IASFA e classes mais baixas, incluindo a criação de residências de estudantes para filhos, passando pela melhoria do apoio médico e social dos militares sem esquecer os deficientes das Forças Armadas e ex-combatentes são complementos que acrescentam factores de escolha e de retenção nas FA. Já nem se aponta a importância que teria para o País o aproveitamento dos militares do QP durante os 5 anos da reserva em atividades de consultadoria, apoio, formação e produtividade nos setores empresariais do Estado, indústria da Defesa e outras em função dos seus expertises nas áreas da Logística, Transporte, Transmissões, Engenharia, Cibernética, etc… mediante a melhoria dos valores a auferir na reforma, numa relação em que todos ganhariam, desde logo com a transferência de conhecimento, de modelos de liderança e gestão em que os militares são reconhecidos. Não confundir com a espertalhice dos escolhidos da estrutura da Defesa onde pautam os “Capitães Marco Ferreira”, socialistas cuja a única transferência que fazem é a de dinheiros públicos para contas pessoais.

Nas últimas quatro décadas, houve alterações nas carreiras da administração pública, além de transformações de natureza estrutural na política, economia e sociedade portuguesa e com o decorrer dos anos tem-se vindo a verificar que o vencimento dos militares não acompanhou a evolução de rendimentos de profissões que até então estavam equiparadas à profissão militar em termos de vencimento. No passado, e aqui leia-se até 1979, os militares das Forças Armadas estavam remunerados de forma equitativa em relação a outras categorias profissionais da Função Pública, mas a partir daí os valores auferidos foram perdendo valor, nomeadamente em relação à carreira dos Magistrados, Docentes e Médicos, bem como em relação a Espanha, Bélgica, França e Alemanha. Em 2008 com a entrada de vigor da Portaria 1553-C/2008, que veio aprovar a tabela remuneratória única dos trabalhadores que exercem funções públicas, as diferenças remuneratórias entre as diferentes profissões da Função Pública e a dos militares agravou-se a ponto de, e a título de exemplo ilustrativo, um Juiz auferir o dobro, o Catedrático duas vezes mais e o Diretor de Serviços mais 1000 euros que um Coronel com mais de 35 anos de serviço efetivo. Hoje, é sabido, qualquer funcionário de caixa do supermercado, colocado na sua área de residência, aufere maior valor que o soldado de infantaria colocado em Santa Margarida. Porém, esse mesmo soldado apercebe-se da sua real situação de miséria salarial quando tem a rara oportunidade de participar numa missão NATO e, a par do orgulho que transporta por levar consigo a bandeira, regressa com a vergonha de se saber parte de um País na cauda da Europa. Atente-se no exemplo em dois países atrás citados, pertencentes à NATO e à EU, com diferentes contextos económicos e sociais, sendo a Espanha citada por razão de proximidade e a Bélgica por ser semelhante a Portugal no que concerne à demografia.

Um soldado espanhol (funcionário C1) auferia em 2023 um salário base de 17.838 € (1274 mensais) a que se somam outras remunerações, como o complemento laboral (331,04 €), que depende da responsabilidade exercida em função do cargo, o complemento específico (167 €), que é constituído pelo complemento geral (consoante o cargo exercido) e pelo complemento singular (consoante “as condições especiais em que a unidade de destino exerce a sua atividade, bem como dentro dela, as condições particulares de responsabilidade, reparação técnica, periculosidade e dedicação do cargo”, como relata a Defesa e ainda o complemento de dedicação especial (109,09 €), em que “desempenho, atividade extraordinária ou iniciativa com que o cargo é desempenhado” é fundamental. O valor dos complementos salariais (607,13 €) quase que cobre o salário base do soldado português de 769,20 € a que soma em 2023 o suplemento de condição militar de 186,20 €, perfazendo 955,40 €. Contas feitas, o soldado espanhol aufere o dobro do salário do soldado português e, quando incluídos em missões NATO, também as ajudas de custo auferidas superam as do militar português, ainda que o nível de risco e empenho operacional sejam iguais.

Passando para o caso do exército belga, tal como nos demais, o salário depende obviamente do posto e cargo, onde um militar soldado solteiro, sem filhos e com dois anos de antiguidade, recebe mensalmente 1.568,98 € líquidos. Ao salário mensal são acrescentados também bónus por serviços de longa duração ou de fim de semana e subsídios para missões no exterior e para certas especialidades como como mergulhadores, sapadores, comandos, paraquedistas, etc também recebem um “bónus de função específica” e dependendo das suas qualificações, os valores variam entre 176,92 € e 466,44 € brutos. Não é difícil encontrar um soldado paracomando a auferir próximo de 3000 € mensais no exército belga e o salário anual mais baixo (bruto e não indexado) é de 14.196,13 € (1014 € mensais mais complementos) para um militar soldado com 18 anos, incorporado com um diploma do ensino primário. Desde Junho de 2020 que os salários estão alinhados com os da polícia para evitar a saída extemporânea dos militares para o corpo policial e a atualização da profissão militar através de um salário mais adequado foi a solução que a Defesa encontrou para manter os seus membros nas suas fileiras.

Desde Outubro de 2010 que os militares mantêm a perda sistemática do poder de compra e basta verificar os valores da inflação anual com os correspondentes aumentos salariais aprovados pelos vários governos desde essa data com a percentagem real da perda (ou do ganho) de poder de compra nesse período, para se perceber essa realidade, cujos efeitos até se fazem sentir na fuga de quadros dos postos cimeiros e áreas críticas como os pilotos da Força Aérea para a esfera privada. Os governantes, a continuarem a impor esta situação de aumentos salariais nulos ou abaixo do valor de inflação, não só farão com que os militares continuem a ter uma brutal perda do poder de compra, como estarão responsavelmente a contribuir para diminuir a retenção dos militares contratados e a alimentar a “hemorragia” devida ao aumento de pedidos de abate ao quadro, por parte dos militares do quadro permanente. A situação ainda é mais gravosa se atentarmos a que os aumentos que aconteceram nestes anos de governação socialista traduziram-se em menos salário líquido no fim do mês para a maioria dos militares, porque progrediram para outro escalão de IRS, logo essa situação absorveu todo o aumento, badalado pelos governantes. As discrepâncias acontecem também entre os militares mais antigos agregados à CGA e os novos militares sujeitos ao regime da Segurança Social, onde os suplementos remuneratórios não entram na equação, forma ardilosa que o governo arranjou para a narrativa dos aumentos que o não são e o que no médio longo prazo vai conduzir a que ao fim de uma vida dedicada a servir a Nação com o sacrifício da própria vida, se isso for necessário, acabarão na reforma a auferir metade do que deviam. A Nação chupou-lhes o sangue e vai acabar a comer-lhe os ossos, se, entretanto, os que ainda restam não abandonarem as fileiras. Só no ano passado, saíram mais de 2.000 militares e este ano o número ultrapassa os 800 e nas paradas das unidades militares já são quase mais os graduados que soldados. A falta de sensibilidade desta ministra para perceber que o País não existiria se não fossem as Forças Armadas e que as várias vertentes exigem preparação, formação, equipamento, treino e condições, por outras palavras, precisam de investimento e dinheiro, é gritante. O objetivo recentemente assumido pela ministra da Defesa, Helena Carreiras, de aumentar em 20% as remunerações médias mensais base dos militares até 2026 é mais uma manobra propagandística e mesmo a recente aprovação em Conselho de Ministros do decreto-lei que aumenta a componente fixa do Suplemento de Condição Militar que é paga aos militares das Forças Armadas, que passa dos atuais cerca de 30 para 100 euros mensais, com efeitos retroativos a Janeiro de 2023, só acontece, como já referido, para resolver uma desigualdade salarial que este mesmo governo criou para com os militares da GNR.

O pouco tempo que sobra à ministra, perdida nos “casinhos” da sua tutela, nos quesitos a que tem que dar resposta do TC e do MP, é para mandar organizar mais um seminário de igualdade de género ou sobre a “importância da rama da batata na cibernética da guerra atual”. Espera-se de um governante com a área da Defesa nos tempos conturbados que vivemos, fora o que se prepara no horizonte, que tenha a coragem política de explicar aos cidadãos e contribuintes que a soberania nacional é cara, que tem de se pagar e com salários dignos de acordo com a função e as necessidades. O número de militares que as FA precisam não resulta de um sonho de qualquer General Chefe, mas sim dos compromissos que Portugal detém internamente e junto dos parceiros internacionais, seja na ONU, seja na NATO. A opção de termos as FA que temos hoje é deste governo e desta crítica também não se livra Marcelo Rebelo de Sousa que, enquanto Presidente da República, é também o Comandante Supremo das Forças Armadas e esta preocupação devia estar sempre na sua agenda pessoal e do Conselho de Estado a que preside. “Fraco rei faz fraca a forte gente”, dizia o poeta, e assim governados por uma Defesa Nacional que numa legislatura foi incapaz de dar resposta à necessidade de uniformização dos militares das FA, mas que não deixa de mandar adquirir com urgência roupa íntima para as tropas do exército ucraniano, o mais certo é os militares não verem os seus salários dignificados e os soldados de Portugal acabarem formados de tanga na parada!

Se este governo e o próximo quiserem continuar a pagar em amendoins às FA, então o melhor é pensarem em contratar macacos!