Os dirigentes autoritários e ditatoriais reescrevem o passado e desenham o presente e o futuro à sua maneira, para melhor ficarem na fotografia, mas o objectivo final é sempre o mesmo: limitar os mais elementares direitos e liberdades democráticas.

O Museu da História do Gulag, sistema de campos de concentração existentes na União Soviética estalinista, denunciou que as fichas de registo dos reclusos de um dos mais cruéis sistemas de extermínio estão a ser destruídas pelas autoridades russas.

Roman Romanov, o director desse museu que se encontra em Moscovo, acrescentou que isso significa a destruição total de informação sobre a permanência dos prisioneiros em numerosas dezenas de campos de trabalho forçado espalhados pela União Soviética.

Estes documentos são de importância vital porque fixam o destino dos presos políticos depois da sua condenação pelos tribunais estalinistas e até à sua libertação ou morte. Se o recluso morria na prisão, o seu dossier era enviado para os arquivos para ser “eternamente conservado”. Todavia, se tivesse a sorte de sair em liberdade, o dossier era destruído, mas era obrigatória a conservação das fichas de registo, o que permitia aos familiares e estudiosos saberem pelo inferno que tinham atravessado milhões de pessoas.

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Escusado será dizer que a decisão de destruir as fichas de registo foi tomada por organizações como o Serviço Federal de Segurança (FSB) e o Serviço de Informações Externo (SVR), herdeiros da polícia política soviética KGB, a 12 de Fevereiro de 2014, e trazia o carimbo “para serviço interno”, ou seja, era secreta.

Aliás, ela só se tornou do conhecimento público quando historiadores e familiares receberam, aos seus pedidos de informação, a resposta de que esses documentos eram destruídos depois de o antigo recluso ter feito 80 anos.

Segundo Seruei Prudovski, um dos estudiosos que denunciou este “branqueamento do passado”, desconhece-se a quantidade de pessoas que foram alvo de repressão na era soviética (1917-1991), mas afirma que, em 1937-1938, foram presas mais de 1,7 milhões de pessoas por motivos políticos. A organização não-governamental “Memorial” calcula que o número total de habitantes da União Soviética que foram vítimas de repressão ronda os 12 milhões.

Decisões como esta ou como a proibição do filme “A morte de Estaline”, as dificuldades cada vez maiores de aceder aos arquivos do regime comunista visam impedir o esclarecimento de episódios da história mal contados. Isto é tanto mais evidente num país como a Rússia, onde não se realizou um “processo de descomunização” das estruturas de Estado, como foi feito na Alemanha em relação ao nazismo depois da Segunda Guerra Mundial, e onde a polícia política não foi tocada pelas mudanças originadas pelo fim da União Soviética.

Muitos dos formados no KGB dirigem a actual Rússia e trazem os seus velhos métodos para a vida política. Prova disso é uma reportagem emitida pela cadeia de televisão BBC, onde se pode ver que os serviços secretos russos continuam a recorrer aos métodos clássicos de intimidação dos jornalistas estrangeiros durante o Campeonato do Mundo de Futebol de 2018.

Não há dúvida que para Vladimir Putin é importante que esta prova corra sem o mínimo percalço e os estrangeiros saiam da Rússia com uma imagem de que o regime funciona às mil maravilhas. Faz lembrar a política dos dirigentes soviéticos quando da realização dos Jogos Olímpicos de Moscovo em 1980. À excepção do boicote internacional, provocado pela invasão do Afeganistão por tropas soviéticas em 1979, a capital soviética era uma montra quase ideal do chamado “socialismo desenvolvido”. Para já não se falar dos êxitos da “comunidade socialista” no campo do desporto.

Mas, nove anos depois, o dito “campo socialista” desmembrou-se e, em 1991, a União Soviética desmoronava-se como um baralho de cartas. Eu não sou supersticioso, mas…

P.S. Se Hugo Chávez, Lenine, Álvaro Cunhal, Octávio Pato merecem ter ruas e avenidas com o seu nome em Portugal, porque é que não se deve fazer o mesmo com Frank Carlucci, embaixador norte-americano que muito contribuiu para a implantação da democracia no nosso país? Porque apoiou o golpe de Pinochet no Chile? Argumento de peso que se deve ter em conta, mas os acima citados foram santinhos? Dois pesos e duas medidas…