Esta campanha eleitoral tem sido marcada por grandes novidades ao nível da cobertura jornalística. Há quem destaque as notas atribuídas pelos comentadores aos candidatos, depois dos debates e mesmo depois de cada acção de campanha (“Inês Sousa Real fez muito bem a paragem da caravana da estação de serviço de Antuã, para um xixi rápido, e por isso merece um 7”). Outros escolhem a participação em programas de entretenimento e entrevistas pessoais, onde revelam pormenores e emoções que habitualmente se guardam para o círculo familiar mais íntimo – ou, no caso de homens de outra geração, para o duche.

Gostei de ambas, trouxeram animação à modorra dos comícios e tempos de antena. No entanto, para mim, a modernice vencedora desta campanha foi a introdução do feeling-verification. O feeling-verification é uma espécie de fact-checking, em que os analistas, em vez de esmiuçarem afirmações para apurar se os factos são verdadeiros, fiscalizam-nas para apurar se as sensações correspondem à realidade observada. O fact-checking desmonta o sensacionalismo, o feeling-verification combate o sensaçãonalismo. O sensaçãonalismo é a proposta de soluções políticas radicais para problemas que só existem na percepção das pessoas, não têm adesão aos acontecimentos.

Passos Coelho foi o primeiro a ser sujeito ao feeling-verification, por conta das suas considerações sobre insegurança ligada à imigração. Disse que há uma sensação de insegurança e foi prontamente corrigido por verificadores que apresentaram dados a desmentir qualquer correspondência entre criminalidade e aumento do número de imigrantes. Foi um bom trabalho. Um político não deve propagar relações espúrias baseadas em generalizações, muitas vezes alicerçadas em acontecimentos únicos. Por exemplo, não é por a maior golpada dos últimos anos ter sido cometida por Ricardo Salgado que podemos extrapolar e dizer que velhinhos com Alzheimer provocam uma sensação de insegurança.

Infelizmente, o feeling-verification é uma modalidade recente, o que significa que ainda não há suficientes jornalistas especializados em separar impressões de factos. Faz falta um polígrafo de emoções. Por isso é que algumas sensações têm passado sem exame.

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No debate com Luís Montenegro, Mariana Mortágua falou do sobressalto sentido pela sua avó quando recebia cartas do senhorio. Um caso clássico de sensação que podia ser sujeita a feeling-verification. E não apenas a fact-checking, como sucedeu. Uma pesquisa simples permitiu deduzir que a avó de Mariana Mortágua não tinha sido ameaçada com despejo. Porém, nada foi dito sobre a sensação que experimentou. Deixou-se no ar a ideia de que, mesmo não tendo a avó de Mortágua sido pessoalmente ameaçada, tinha razões para se sentir amedrontada, pois outros idosos estavam a ser vítimas da lei Cristas.  Como com Passos Coelho e o injustificado medo de imigrantes, uma rápida consulta às estatísticas levar-nos-ia à conclusão de que idosos não foram (nem podiam ser) despejados, logo, o sobressalto foi completamente infundado.

Houve outra situação na campanha que merecia um feeling-verification. Quando despejaram tinta verde em cima de Luís Montenegro, apesar de se criticar a acção do jovem activista do clima, houve quem dissesse compreender o protesto, porque estes rapazes e raparigas sentem mesmo que o planeta corre perigo e requer medidas radicais e imediatas. A sensação dos jovens, bem patente no histerismo com que apresentam as suas queixas, é muito valorizada. Felizmente para eles, o feeling-verification permite perceber com clareza que os números não suportam a tese de perigo iminente. Mesmo num mundo bastante mais populoso, hoje em dia morre-se muito menos de eventos climáticos do que há cem anos. E, ainda que a intensidade e frequência de alguns desses eventos possa ser superior, a tecnologia actual faz com que sejam menos perigosos.

Não devemos deixar que as sensações de alguns de nós, mesmo dos mais frágeis membros da sociedade como idosos, jovens emocionalmente perturbados ou ex-Primeiros-Ministros assustadiços, influenciem a tomada de medidas.

Da mesma forma que o fact-checking fez com que as pessoas começassem a pensar duas vezes antes de proferir afirmações que vão ser escrutinadas e corrigidas, o feeling-verification vai acabar com proclamações que começam com “dá-me a sensação”. Basta começar a ser utilizado pelos meios de comunicação social. Nesse dia, vamos poder escrutinar o sobressalto de avós, o pânico de jovens e a insegurança de políticos. E também a exasperação de colunistas que se irritam quando têm a sensação de que há alguém a exagerar na demonstração de sensações.