O PS teve um inesperado desaire eleitoral. As razões serão várias e, entre elas, para além da desconfiança gerada entre o candidato e os eleitores, sobressai o modo errático da campanha, acrescido de um certo radicalismo de linguagem. Esse facto permitiu a António Costa afirmações tão equívocas como a de “não negociar” ou “derrubar o governo”, ainda que legítimo, caso não houvesse uma maioria absoluta.

Para cumprir a sua promessa – “palavra dada é palavra honrada” – deverá negociar com o PCP e o BE para tentar construir uma alternativa de governo à esquerda. Acontece que, como ficou claro esta semana na Comissão Política Nacional (CPN), essa opção não é pacífica no PS e o mandato que lhe foi dado obriga-o a negociar também com a coligação de direita.

E há mais. Entre nós, tradicionalmente, o líder da força política mais votada é convidado pelo Presidente da República para formar governo. Quem ganha as eleições, ganha também o direito a governar. Tem sido sempre assim. E terá que ser sempre assim?

Ainda que na primeira conversa com Passos Coelho, líder da PàF, Cavaco Silva apenas lhe tenha solicitado diligências para encontrar uma solução governativa estável, envolvendo partidos que respeitassem os compromissos internacionais de Portugal, a verdade é que ao ignorar todas as outras forças políticas demonstrou pretender indigitá-lo como primeiro-ministro.

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O Presidente deu aqui, a António Costa, uma ajuda inesperada e preciosa que lhe aumenta o seu espaço de negociação política. Se Passos Coelho não conseguir um entendimento com o PS não reúne as condições exigidas por Cavaco Silva para formar governo. Então é lógico que o líder do PS procure uma alternativa, de incidência parlamentar, com o PCP e o BE, com os dois, porque só um não chega.

E se tiver êxito, apresentará essa solução ao Presidente. Estará Cavaco Silva em condições de negar essa possibilidade quando ela corresponde à sua exigência de estabilidade? Serão os compromissos internacionais postos em causa? O PCP e o BE vão “meter na gaveta” as suas bandeiras de sempre? Será que vão correr o risco histórico de se diluírem no PS?

Em democracia, nem sempre governa quem ganha. Seria apenas uma novidade – e que novidade – entre nós! E quanto a extremos, estes podem coexistir, tal como a Grécia nos demonstra. Syriza e direita radical formaram um governo com uma maioria estável que ainda ontem no parlamento viabilizou duras medidas de austeridade.

Creio, no entanto, que o PS discutirá muito essa delicada possibilidade e tenho o pressentimento – vá se lá saber porquê – de que o Presidente não daria posse a esse governo. Vai optar por indigitar Passos Coelho para formar um outro, minoritário – bem ao arrepio das suas afirmações – que poderá ser chumbado no parlamento e conduzir o país a novas eleições, a não ser que um conjunto de deputados do PS optasse pela abstenção e viabilizasse essa solução. Será?

Tudo é possível, mas inclino-me para que o PS possa encontrar mais facilmente pontes com a coligação, viabilizar o governo e o OE 2016, impedindo ao mesmo tempo o êxito das moções de rejeição do BE e do PCP e a realização de eleições antecipadas na primavera que poderiam dar uma maioria absoluta à direita. Ou será que o arco da governação já não é o que era?