Pelo que se viu terça-feira na Assembleia da República, confirma-se que o puto tudo fará para ser primeiro ministro de Portugal, seu objectivo confesso por várias vezes.  Não será contudo com os meus votos.  Será porventura com os votos de quem lhe deu a vantagem nas últimas legislativas. E, a ver pelo andamento da carruagem, são vários os indícios de que isso será possível a curto prazo, quem sabe já antes dos dois anos agora acordados entre PS e PSD, para dar a Francisco Assis a Presidência da Assembleia da República, após dois anos com Aguiar Branco como segunda figura do Estado.

Ventura é demagogo, retórico como poucos. Há quem chame a isto habilidade política, eu chamo fazer da política ambição pessoal, esquecendo as razões do viver. De que interessa ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua alma?

Voto antes de mais naquilo que quero para mim e para os meus. Escolher quem nos representa implica um grande trabalho pessoal de identificação de quem sou, do que quero. Votar não é uma demissão mas um compromisso.

O líder do Chega sabe dar a volta a qualquer situação, fazendo-se de vítima. Tem o mundo e o país contra ele, e com a sua verborreia pseudo-friendly do milhão e meio que o mandataram, convence por força dessa ilusão encantatória dos descontentes que o escolheram. Basta o episódio de terça-feira para perceber que a estratégia é bater com o pé até conseguir.  Constrói-se sobre a areia e o vento das palavras, não na solidez de argumentos adequados.

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Mas o malabarismo cega, e o que fica é a vitimização, o populismo, e mais votos com base numa adesão desumana.  O episódio dá-nos a prestação infantil de um líder sem bom senso, ou o mínimo de racionalidade, longe do que realmente importa.

O finca pé tem apenas a utilidade de desviar do essencial, entravando os discursos, uma espécie de dividir para reinar. A milhas do que deve ser um político  digno desse nome. Não um arruaceiro com dois dedos de testa, mas sim alguém educado, que sabe para onde deve ir na vida.  Ventura é tudo menos um homem prudente.

E porque virá a prudência ao barulho? Pela razão simples que ela é qualidade chave de quem tem que decidir e não fomos nós a inventar tal chave. Entre nós, o Papa Francisco na última audiência geral das quartas-feiras põe o dedo na ferida lembrando o segredo para uma boa governação, a prudência. E fá-lo com a noção de que se dirige não apenas aos cristãos mas a todos os homens de boa vontade, pondo em evidência uma sabedoria milenar, de suporte racional.

A prudência é peca fundamental na arquitectónica da ação, é o “cocheiro” das outras virtudes, a justiça, a temperança e a fortaleza (as cardeais), a Fé, a Esperança e a Caridade (as teologais). No tempo das catedrais isso era natural, como frisa o Papa: “Há virtudes essenciais e virtudes acessórias, como pilares, colunas e capitéis. Sim, talvez nada mais do que a arquitetura de uma catedral medieval possa restituir a ideia da harmonia que existe no homem e da sua contínua tensão para o bem.”

Mas e hoje, num mundo sem catedrais, fará sentido ser virtuoso? Ou é preferível o pragmatismo habbermaniano, a protelar a razão para outros domínios, a saber os das ciências ditas exatas?

Remonta aos gregos o entendimento de uma finalidade da acção dentro de uma visão metafísica da realidade. A racionalidade da ação explanada por Aristóteles, veio porém a um desenvolvimento natural nos braços da Revelação que a iluminou. É S. Tomás que vê na Política a forma suprema da Caridade. A política não está desgarrada  das outras vertentes da vida humana, sendo que de pouco interessa governar sem a consciência da sua finitude.  De que serve ao homem ganhar o mundo inteiro se vier a perder a sua alma, perguntamos de novo?

No sulco de Aristóteles, S. Tomás chamava à prudência “reta ratio agibilium”. Trata-se da capacidade de governar as ações a fim de as orientar para o bem, harmonizando pontos de vista, não alimentando divisões inúteis.

Numa palavra escolher é uma tarefa complexa que implica a pessoa toda, num trabalho de fundo que não se coaduna com ímpetos e emoções. O homem prudente é o que constrói sobre a rocha e não sobre a areia(cf. Mt 7, 24-27).