Nas sociedades modernas, a mobilidade faz parte dos instrumentos que propiciam bem-estar, liberdade e desenvolvimento. Com uma indústria atrativa e agressiva na inovação, conforto e segurança, a produção de automóveis ajustou-se à procura, por vezes fomentando-a, e colocou nas mãos de cada um de nós uma viatura, na maior parte das vezes um automóvel de até 5 passageiros. Ao todo, serão já 7 milhões de veículos em Portugal e também produzimos carros para o estrangeiro, sendo mesmo o nosso principal setor exportador.

Tirar a carta de condução fazia parte do processo de emancipação de todos os jovens e ter um carro era o concretizar do primeiro sonho, após se entrar no mercado de trabalho. Escrevo “era” porque os tempos estão em mudança e com a deslocação das pessoas para as cidades, onde os transportes públicos existem, ter e usar carro passou a não ser prioridade, muito embora possamos sempre encontrar deficiências na cobertura pública da rede de transportes, subsidiada pelos proprietários dos automóveis.

As cidades, optando por um modelo urbano de desconstrução da própria cidade – de que a cidade 15 minutos é exemplo – cuidaram de criar espaços verdes, alargar passeios, reservar ruas para os peões, diminuir estacionamentos ou elevar o respetivo custo, limitar circulação automóvel e promover a mobilidade suave, priorizar canais para transportes públicos e colocar radares limitadores de velocidade. Tudo para tirar os carros da cidade e da vida dos cidadãos, como se os impactos das emissões de carbono não fossem tão ou mais elevados em outros meios de transporte (a aviação, por exemplo).

O processo não é fácil, como se constata pelo trânsito que se verifica nas cidades, que, entretanto, passaram a abrigar mais pessoas. Verdade que muito dele resulta agora daquelas limitações. Muitas das restrições não parecem revestir-se de total racionalidade. Proíbe-se e limita-se sem mais, parece-nos. Se se limita a velocidade para mínimos de 30 km, obviamente que muitas vezes se está a favorecer o pára-arranque e as travagens que em nada ajudam a poupar nos consumos e emissões de carbono. Obviamente que se os semáforos forem de algum modo programados para “emperrar” e não para libertar trânsito para fora da cidade, ficamos todos mais “empilhados” e improdutivos.

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Nesta cruzada contra o carro poluidor fica muito por ponderar se formos cegamente contra, mesmo onde não existem opções de transporte público, como acontece nos territórios de baixa densidade e o carro cumpre funções essenciais do trabalho à saúde e educação.

É certo que na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP28), que ontem terminou no Dubai, os dirigentes mundiais se comprometeram a abandonar os combustíveis fósseis para alcançar a neutralidade carbónica até 2050, o que nos parece uma meta muito difícil de atingir e que será, certamente, prorrogada vezes sem conta, pois representaria uma queda significativa no PIB de muitos países, incluindo o nosso, que também refina petróleo cujos produtos e biocombustíveis exportamos (4,6 milhões de toneladas no ano de 2022, segundo a Direção Geral de Energia e Geologia). Em todo o século XX, os consumos energéticos mantiveram forte correlação com o desenvolvimento económico e social e isso não vai mudar num ápice, até porque as consequências seriam desastrosas, sem que as mitigações aos efeitos das alterações climáticas estivessem cientificamente asseguradas, só por essa via, colocando-se outros problemas.

Vejamos. O carro é um grande contribuinte – dos maiores – pois paga quando abastece de combustível, quando faz o seguro obrigatório, quando faz a manutenção ou muda de pneus. Paga quando utiliza as vias e paga quando está estacionado nos parques ou na via pública ou quando está na garagem. O carro paga sempre.

Sem considerarmos o IVA sobre aquisições e consumos referentes à compra automóveis e suas reparações, manutenções e consumos, que é significativo, nem os valores gastos em portagens e estacionamentos ou em seguros, todos eles com imposto associado, a cobrança fiscal específica com produtos petrolíferos e afins eleva-se a 4 271 Milhões de Euros.

Acresce que muito do valor obtido nas receitas que o carro promove estão consignadas à realização de outras políticas públicas, designadamente a políticas ambientais (Fundo Ambiental), sistema elétrico, harmonização fiscal com o gasóleo de aquecimento e também com o serviço rodoviário e custeio dos passes sociais e outras despesas, como se o carro fosse o mal dos males da nossa sociedade e o único bem que se pode tributar sem limites e de onde brotam sempre mais receitas para as mais diversas opções políticas.

Os cerca de 320 mil carros que anualmente produzimos e vendemos ao estrangeiro, incluindo componentes para automóveis, são, também, a nossa principal fonte nas exportações, pelo que este “malvado” – o carro – cumpre um importante papel na nossa economia e bem-estar coletivo. Não vai ser fácil abandonar numa só geração a energia fóssil.

O nosso carro é, pois, um grande contribuinte e são de tal ordem as limitações e os custos que sobre ele impendem, que muitos poderão ousar desistir de ter, e consequentemente, de pagar impostos. Não se apressem, pois, a matá-lo, ou com ele morrerão muitas políticas públicas por falta de meios para serem implementadas.