A não aprovação do OE veio recolocar, mais cedo do que muitos previam, a questão da governabilidade do país, não da gestão do presente, mas de um futuro que possa fazer a diferença com um passado nem sempre de boas memórias e permitir catapultar o país para níveis de desenvolvimento que toda a população anseia e que só um lastro de erros sucessivos e de atavismos ancestrais impede.

Naturalmente, cada um olha para a realidade com o seu próprio olhar e é impossível e nefasto esperar unanimismos no rumo do país, mas não será estultícia pensar que é possível estabelecer um mínimo denominador comum entre forças políticas que consigam negociar um programa credível e suscetível de recolher o voto maioritário da população.

Este é um momento propício a um desafio às lógicas maniqueístas e à abertura de uma janela de novas oportunidades para confrontar os portugueses e as portuguesas com o futuro que desejam construir coletivamente.

Nos anos recentes o país tem vivido de mentiras sucessivas transformadas em verdades assumidas para consumo de clientelas e criação de cortinas de fumo que escondem os verdadeiros problemas nacionais e permitem projetar no ecrã da política espetáculo uma realidade que só existe nas cartilhas dos diretórios partidários.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Primeiro, foi a mentira passista de que todos os males do último resgate eram fruto da governação do Partido Socialista. Foram, mas não só, a crise do sub prime foi o gatilho de uma crise internacional que nos apanhou numa curva apertada e destroçou as finanças nacionais que sobreviviam num equilíbrio instável e que ruíram como um castelo de cartas.

Depois foi a mentira da diabolização da Troika, como se houvesse alternativas para um país nas mãos dos credores internacionais e de um governo obrigado a negociar de joelhos perante a pressão daqueles e convicto de que tinha de fazer mais para ganhar a confiança dos mandantes financeiros.

De seguida, foi a mentira de que a “Geringonça” ia enterrar a austeridade e levar o país para o desenvolvimento, sem uma análise crítica e contextualizada à governação pré resgate, aos malefícios e benefícios do período do protetorado da Troika e, pior, fingindo-se acreditar que partidos com visões do passado e referências fundacionais de sociedades geradoras de pobreza podiam ajudar o país a caminhar para um futuro de desenvolvimento.

Finalmente, a mentira de que era possível negociar e aprovar o OE para 2022, quando há muito se percebia que os interesses dos partidos geringonços eram cada vez mais divergentes, que as obrigações europeias eram incompatíveis com as exigências crescentes do PCP e do BE, a que as autárquicas vieram acrescentar fatores de instabilidade acrescida face aos resultados em perda do conjunto e ao trauma da derrota do PS em Lisboa, Porto e Coimbra.

Agora multiplicam-se os que lamentam a “crise”, como se fosse possível acreditar que a manutenção da “Geringonça” era favorável a um país que já vive num pântano há muito tempo, e que era preferível manter esta ficção a devolver a palavra aos/às eleitores/as e dar-lhes oportunidade de redefinirem um caminho para o futuro.

E aqui chegados importa perceber que margem de manobra tem cada um de nós para poder influenciar o curso dos acontecimentos e como as estratégias partidárias vão “fazer a cabeça” do seu eleitorado, sendo que é indispensável criar condições para chamar à tomada de decisão os milhares que descreem da política ou pura e simplesmente se desinteressaram da coisa pública e se dispensam de votar.

Do que se vê, avultam duas correntes, os que querem repetir a “Geringonça”, argumentando que a direita não tem soluções e só pode ganhar se se associar com a extrema direita, e os que só veem soluções à direita, nem que para isso tenham que vender a alma ao diabo. Reedita-se o maniqueísmo do costume, que tão maus resultados tem tido no afastamento da população da vida cívica, e excluem-se liminarmente soluções de entendimento ao centro.

O chamado centrão não é de boa memória, mas o país não pode ser condicionado por experiências do passado que correram mal. Naturalmente não somos ingénuos e todos sabemos que os diretórios e os militantes partidários não se movimentam apenas por altos desígnios nacionais, muitos fazem da política a sua vida de importância, fora da política são insignificantes, nem vida profissional têm, e por isso lutam desesperadamente para manter lugares e sinecuras e não as querem partilhar com gente de outros clubes, mas o interesse nacional tem de ser colocado acima dos pequenos interesses pessoais.

É pois imperativo que, entre as hipóteses pós-eleitorais, se coloque a possibilidade de haver entendimentos ao centro. Não estamos perante meros interesses partidários, é o futuro, a estabilidade e o desenvolvimento do país que estão em causa e não vivermos à esquerda ou à direita, coisa que não existe.

As opções de cada um são respeitáveis, mas em democracia o importante é encontrar a solução que melhor assegura o bem-estar da maioria no presente e a sustentabilidade do país no futuro. Decidir com base em meros princípios ideológicos é o melhor caminho para o desastre. A melhor solução implica discussão séria e opções claras, tendo como referência o quadro europeu, as alianças internacionais, as estratégias de mercado e a vocação atlântica do país. Não estamos condenados a escolher apenas entre esquerda ou direita, a sociedade portuguesa é plural e se há uma maioria ideológica evidente é a social democracia, que se espraia pelo PS e pelo PSD e por muitos milhares de abstencionistas.

Quando de diz que as eleições se ganham ao centro, significa que há a consciência da importância das forças centrípetas por oposição aos extremos, que têm o seu lugar mas não podem ser confundidos com elementos de estabilidade. As maiorias só são virtuosas quando têm uma estratégia clara plasmada no esforço comum para desenvolver o país com justiça social, mas também com políticas económicas que assegurem a melhoria das condições de vida e das expectativas de futuro da maioria dos portugueses e portuguesas.