A esmagadora maioria dos economistas e comentadores foi surpreendido em 2017 com o desempenho da economia portuguesa e, por arrasto, das finanças públicas. Depois do cenário preocupante que se viveu nos primeiros meses da governação de António Costa, apoiado pelo PCP e pelo Bloco de Esquerda, o primeiro-ministro conseguiu reconquistar a confiança internacional e a economia regressou aos carris. A questão que agora se coloca é se a locomotiva foi apenas a recuperação da economia europeia e o disparo do turismo ou se há talento do Governo no crescimento que vivemos em 2017.

A resposta que a economia portuguesa nos deu no passado é: não, não há talento, por genial que seja, que consiga proteger Portugal de tempestades que chegam do exterior. Portugal pode criar as suas próprias crises – ou seja estar em crise sem contaminar os outros – mas não é imune à crise dos outros seus mais importantes parceiros comerciais.

O que um Governo português pode realmente fazer é evitar asneiras, por acção, que nos lancem numa crise gerada por nós e, ao mesmo tempo, agir para que estejamos preparados para aguentar sem muita dor a crise que vem de fora. É o destino de um pequeno país sem poder global e com uma pequena economia aberta. Foi isso que estivemos a fazer nestes últimos anos?

As últimas conversas entre o Presidente da República e o primeiro-ministro através das entrevistas que deram ao Público e ao Diário de Notícias revelam, em si, um nervosismo que até agora não existia. E há de facto razões para essa preocupação, como se está a revelar pela conjuntura internacional e pelos primeiros números do crescimento deste ano. Há riscos externos que não controlamos e há riscos internos essencialmente associados à dependência do turismo, a um sistema financeiro ainda frágil e à ausência de medidas, nomeadamente na administração pública, que mantivessem a trajectória de mudança estrutural que vinha da era da troika.

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Esta legislatura, fruto das exigências do acordo para o PS governar, foi executada ao contrário do que é a gestão política de um ciclo eleitoral. Deu-se tudo no início. E o PS corre agora o risco de nada ter para dar em vésperas de eleições, exactamente a altura em que os eleitores memorizam o bom desempenho do governo e o premeiam, reelegendo de novo o mesmo partido.

António Costa sabe que quanto mais tempo passar maior será o risco de se esfumarem os efeitos políticos da reposição de rendimentos e do crescimento da economia e do emprego. Neste momento é o único a quem interessam eleições antecipadas.

Os riscos que se conseguem detectar no horizonte são inúmeros, alguns deles já a confirmarem-se.

O primeiro facto de origem externa é o abrandamento da economia da Zona Euro que já se verificou no primeiro trimestre deste ano, com a Alemanha a registar uma redução no seu crescimento que foi superior ao esperado. Como era de esperar, a economia portuguesa reflectiu esse efeito, com um primeiro trimestre a crescer 2,1%. Depois do extraordinário ano que foi 2017, as economias europeias e com elas a portuguesa regressam aos seus velhos problemas.

A política comercial norte-americana (e geo-política) é uma das razões para o abrandamento da economia alemã mas existem outras incertezas políticas no horizonte. Além do Brexit, temos o agora bastante visível problema de Itália. Esta semana a Itália está no epicentro de um abalo político e financeiro, depois de ter sido divulgado um documento de compromisso para a formação de Governo entre a Liga e o Movimento 5 Estrelas (M5S) que defende, entre outras coisas, o regresso a uma Europa anterior ao euro e o perdão de dívida. Uma revelação que, como seria de esperar, levou à fuga de investidores com a subida das taxas de juro dos títulos de dívida pública. Claro que podemos estar perante um abalo temporário, nesta espécie de “gerigonça” à italiana, semelhante ao vivido em Portugal em finais de 2015 após o acordo do PS com o PCP e o Bloco de Esquerda, mas ninguém sabe. O certo é que o contágio aos juros portugueses, mesmo que mínimo, não se fez esperar, mostrando bem que não estamos ainda em “porto seguro”, para usar uma expressão do ministro das Finanças.

A concretização dos riscos na frente interna depende em parte da evolução da economia na Zona Euro. Se a conjuntura económica se degradar, será mais difícil fazer um Orçamento do Estado para 2019 do agrado mínimo da esquerda. É verdade que, nestes quase três anos, já vimos o PCP e o Bloco de Esquerda validarem medidas que nunca nos passaria pela cabeça ver. Mas com eleições à porta é preciso marcar acentuadamente as diferenças e, a esta distância, parece impossível uma aprovação do Orçamento por parte do PCP e do Bloco sem um aumento salarial da função pública.

Haverá então eleições antecipadas, como avisou o Presidente da República e concordou o primeiro-ministro? Se todos agirem racionalmente não parece provável. Quem assumir o ónus do chumbo do Orçamento corre o risco de ser castigado nas urnas. No limite poderemos ver o PSD a viabilizar o último Orçamento desta legislatura. Na prática, o PS pode jogar duro, fazendo um Orçamento para 2019 que muito bem entende, já que é o único que está interessado em ir a votos o mais depressa possível. Quanto mais tempo passar, mais riscos corre de se ver que pouco ou nada se fez para garantir que Portugal resiste melhor à próxima crise ou até e apenas a um abrandamento da economia europeia.

Até lá António Costa tem ainda de resistir ao Verão, esperando-se que a falta de meios e organização para combater os incêndios não se transforme em mais uma tragédia.

Tudo isto demonstra até que ponto o país económico e financeiro continua vulnerável. Este Governo tem tido sorte e nós com ele. Temo-nos deixado ir na boa onda do crescimento europeu e no crescimento do turismo. Basta um desses pilares falhar para regressarmos aos problemas do passado, o que pode acontecer antes das eleições do próximo ano. A sorte não é eterna.