Continuamos a assistir, nos últimos meses, a sucessivos e crescentes problemas graves no SNS: urgências de várias especialidades encerradas; urgências gerais sobrelotadas; atrasos no socorro; milhares de pessoas sem médico de família; atrasos na marcação de consultas; atrasos na marcação de cirurgias; profissionais descontentes; utentes descontentes e até alguns dirigentes do SNS (hoje dirigentes, ontem comentadores) descontentes.

Assistimos, também, nos últimos meses (numa quase proporcionalidade perfeita) a anúncios sucessivos e crescentes de criação de mais Unidades Locais de Saúde (ULS).

Fica, portanto, a ideia, de que as segundas são as soluções dos primeiros: as ULS são a cura de todos os males do SNS.

Serão?

O seu modelo organizativo, centrado numa conceção idealista de integração dos cuidados de saúde (hospitalares, primários, etc.) a diferentes níveis (clínicos, financeiros, administrativos, logísticos, recursos humanos, comunicação, etc.) faria pensar que sim.

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Citando um artigo publicado em março deste ano, o presidente da ULS mais antiga do País respondia assim à questão sobre a existência ou não de algum estudo que provasse que as ULS contribuíssem para melhorar os cuidados de saúde à população: “A verdade é que não há qualquer estudo que possa provar seja o que for”. Acrescenta ainda que “Exige-se resultados (à ULS) tendo em conta a organização, mas todos os sistemas de informação, legislação, contratualização e financiamento, não pensam ULS” e afirma “Não conheço mudanças previstas para o modelo…, mas fazem falta.”

Há, ainda, um estudo da Entidade Reguladora da Saúde (ERC), de 2015, que não é muito favorável ao modelo…e um outro estudo, de 2022, que utilizando dados da ERC e da ACSS, sobre 5 ULS estudadas, afirma que “…parece haver evidência de que o modelo organizativo em ULS não traduz na prática ganhos económicos e em saúde”.

E não há mais estudos importantes conhecidos.

Não parecem, pois, ser o bálsamo para todas as dores, a cura de todos os males…. Poderão, no máximo, ter algum efeito placebo nalguns seres mais distraídos…, mas o mais sério é que possa ser mesmo a nova “banha da cobra” do SNS, que iremos descobrir mais tarde!

Portanto, avançar “a galope” para a disseminação generalizada deste modelo trata-se, provavelmente, de uma questão de fé. Fé pagã, mas fé, em todo o caso.

A racionalidade sugere prudência nesta matéria, realização de profundos estudos prévios e redefinição/melhoria do modelo antes da sua ampla difusão, ouvindo os principais protagonistas com sólida experiência na sua gestão.

De forma idêntica, mas em sentido oposto, assistimos, recentemente, à destruição deliberada dos modelos das parcerias público-privadas (PPP) na saúde. Sobre estas, no entanto, havia estudos a demonstrar que eram modelos de funcionamento vantajosos, em muitos aspetos, para os utentes e para o erário público. Mais uma vez, por uma questão de fé ou dogma ideológico (de esquerda), avançou-se com o seu extermínio, contra tudo o que a racionalidade sugeria. E começaram a surgir problemas graves nos hospitais que até então funcionavam bem…Urgências encerradas, êxodo de médicos, etc… Novamente, a razão sugeriria reversão urgente desta decisão, mesmo que em moldes de funcionamento e de contratualização algo diferentes dos originais.

Sou a favor da Fé (Católica) e acho que a espiritualidade faz falta, num mundo cada vez mais materialista e preocupado somente com o imediato e o palpável. Mas este tipo de fé pagã, com deuses maus (as PPP) e deuses bons (as ULS), que repentina e fanaticamente assombrou o Ministério da Saúde, não parece muito recomendável…tanto mais que os cordeiros que ordeiramente são levados para o sacrifício, sob o eficaz olhar, ameaçadoramente “atento”, do Presidente, nestes rituais pagãos, tribais e primitivos, somos todos nós, enquanto utentes e contribuintes.