As implicações económicas do recente bloqueio do Canal do Suez são uma chamada de atenção para a progressiva interdependência económica dos países. Este fenómeno – apesar de não ser novo – obriga cada Estado a assumir um posicionamento estratégico no mercado global, o qual é o denominador do desenvolvimento das sociedades e do consequente nível de vida das populações.

Ao contrário do que possa ter sido anunciado, o último ano não marcou o fim da globalização. Antes pelo contrário, exacerbou-a, simultaneamente tornando evidente quem com ela beneficia e quem, sendo incapaz de competir num mercado global e dinâmico, estava já condenado ao fracasso.

Com efeito, ao mesmo tempo que unidades de produção encerravam no Ocidente pela incapacidade de contenção da pandemia pelos respectivos governos, produtores asiáticos colocavam bens de forma eficiente à porta dos seus clientes nos quatro cantos do globo. O fenómeno está espelhado nas estatísticas apresentadas em Março pela Organização Mundial do Comércio, as quais provam que a Ásia foi a única região com crescimento no volume de exportações em 2020. Esta substituição de fornecedores é uma das causas do congestionamento de diversos portos a nível global e do aumento dos custos de transporte marítimo que também se fez sentir em Portugal. Num ano em que a produção nacional contraiu 7,6%, a movimentação de carga contentorizada alcançou o seu máximo histórico.

Num panorama global, o verdadeiro teste a uma empresa ou a um empresário sobre a sua criação de valor mede-se na sua capacidade de exportar. Isto porque até negócios ineficientes conseguem sobreviver dentro de fronteiras, seja por protecção estatal ou política, seja pela inexistência de competição local ou, simplesmente, porque existem bens não transacionáveis. Nestes casos, independentemente da qualidade da oferta, existirá sempre procura.

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Contudo, quando uma empresa ou um empresário competem no mercado internacional, as regras são distintas. Nestes casos só conseguirão singrar aqueles que efectivamente criarem valor sob a forma de soluções melhores ou mais competitivas. Assim, a exportação serve como atestado da efectiva criação de valor, pois normalmente acontece independentemente de qualquer tipo de protecção, apoio ou compadrio, que muitas vezes abundam quando a actividade é meramente doméstica.

Um dos melhores exemplos de um país que entendeu o mérito empresarial através da capacidade de exportação foi a Coreia do Sul. Começando a década de 50 do século passado como um dos países mais pobres do mundo, entrou na década seguinte num processo de industrialização acelerado, tendo por base a exportação de bens de alto valor acrescentado. Esta explosão económica, designada por Milagre do Rio Han, tornou a sociedade sul-coreana numa das mais ricas do mundo. Incompreensível para muitos portugueses, os sul-coreanos louvam aqueles que conseguem criar riqueza e exportar, denominando-os até de campeões nacionais. Mas este reconhecimento não é único de nações asiáticas. Alexis de Tocqueville foi mais longe ao dizer que “os americanos põem algo de heróico na sua maneira de fazer comércio”. Esta percepção de bravura deu origem ao que ainda hoje é uma sociedade que celebra o culto do empreendedor, ou como descreve Alan Greenspan, uma “espontânea adepta das teorias de Schumpeter (…) de que os verdadeiros motores da mudança histórica não são os trabalhadores como defendia Marx, nem forças económicas abstratas (…), mas sim as pessoas que criam algo novo do nada”.

Mesmo não defendendo entendimentos semelhantes, é necessário que aceitemos que a sociedade só tem o que celebra.

Quer isto dizer que, para uma verdadeira transformação económica da sociedade, será necessário começar por alterar a nossa percepção sobre o sucesso das actividades económicas. Um primeiro passo será assimilar o princípio iluminista de que a riqueza é criada pelo conhecimento e cooperação e não é um elemento finito a ser distribuído num jogo de soma zero. Ou seja, a noção de que a criação de valor por um agente económico aumenta as oportunidades dos demais (quando um ganha, ganham todos) e de que não é pelo sucesso económico de uns, que os outros serão prejudicados. Este entendimento resultou naquilo que a historiadora económica Deidre McCloskey chamou de virtude burguesa: a percepção de que o comércio e a indústria são actividades morais e edificantes, pois elevam a sociedade como um todo.

De seguida, deverá ser definido o modelo de desenvolvimento a adoptar. Ao olharmos para a balança comercial portuguesa – o saldo entre o que se vende e o que se compra ao estrangeiro em bens e serviços – constata-se que, nos últimos 25 anos, esta apenas não apresentou um resultado negativo no período de 2012 a 2019. Este interregno de oito anos de saldos positivos deveu-se aos efeitos da balança de serviços, já que o saldo da balança comercial de bens tem sido consecutivamente negativo desde 1943. Dentro da rubrica dos serviços, dois terços da contribuição líquida positiva vieram do sector das viagens e turismo. Aliás, se não contabilizássemos a exportação e a importação de serviços de viagens e turismo, a balança comercial teria continuado a ser altamente deficitária durante todo este período. Desta forma, com o embate da pandemia e consequente quebra no turismo, Portugal regressou a uma situação deficitária e apresentou um défice comercial de 3,6 mil milhões de euros em 2020, influenciados negativamente por 14,1 mil milhões de euros de saldo líquido negativo no comércio de bens (o 5º pior valor absoluto da EU-27), que nem a contribuição líquida positiva do sector das viagens e turismo, em 4,9 mil milhões de euros, conseguiu cobrir.

A comparação de um modelo de desenvolvimento alicerçado essencialmente no turismo com uma economia exportadora de produtos de alto-valor acrescentado é bem patente na visita do então Primeiro-Ministro de Singapura Lee Kuan Yew à Jamaica em 1975. As duas antigas colónias tinham-se tornado independentes do império britânico no início da década de 60, mas seguiram modelos de desenvolvimento distintos. Singapura focou-se na criação de um sector exportador altamente competitivo, enquanto a Jamaica apostou principalmente no turismo. Apesar de terem partido de níveis de desenvolvimento idênticos, o PIB real per capita da primeira evoluiu, entre 1960 e 2010, de 4.383 dólares para 55.862 dólares, ao passo que o da segunda cresceu apenas de 6.417 dólares para 8.539 dólaresno mesmo período. Durante essa visita, Lee Kuan Yew terá dito “se me tivessem dado uma ilha deste tamanho perto dos Estados Unidos, em vez de uma ilha demasiado pequena e suja (Singapura), quão mais poderíamos ter ainda atingido”.

Os problemas de uma economia demasiadamente assente no turismo são, entre outros, a fragilidade face a factores externos (ex: terrorismo, pandemias, clima), a inexistente transferibilidade de conhecimentos para outras áreas (knowledge spillovers) e o pouco valor acrescentado da actividade, fruto dos correspondentes requisitos educacionais menos exigentes, que se traduzem em empregos tendencialmente mais precários e com baixos rendimentos. Veja-se o caso da fraca capacidade de readaptação da economia portuguesa no último ano face ao choque externo da pandemia.

Por fim, é necessário assegurar a existência de um sistema legal e político que garanta o aparecimento e a continuidade de empresas com um elevado nível de competitividade global, mediante um investimento na educação das populações, que permita a inovação e a criação de novas soluções; a fomentação de um mercado livre que potencie o rápido surgimento de novas empresas, assim como a adaptação de novas tecnologias às necessidades emergentes; e ainda um clima pró-negócios, com pouca burocracia e competitividade fiscal, que incentive os agentes a investir o seu capital. Estes foram os elementos apresentados por Benjamin Netanyahu no último encontro do Fórum Económico Mundial para o sucesso da economia israelita e que explicam, entre outras coisas, o facto de ser o país do mundo com maior número de doutoramentos, com o maior investimento directo estrangeiro em universidades e com o maior número de patentes per capita.

Em Portugal, a sociedade civil e os decisores políticos têm seguido exactamente o caminho oposto ao acima descrito. Da esquerda revolucionária à direita conservadora, está disseminada a ideia de que a criação de riqueza ou o investimento não contêm valor intrínseco nem aportam mérito individual ou para a sociedade. Daí o foco ser sempre em políticas de redistribuição de rendimento e não em políticas de criação deste. Também não se vislumbra uma estratégia sólida de incentivo à criação de um tecido produtivo ágil e dinâmico que constitua uma alternativa válida e resiliente à dependência do sector dos serviços. Sendo inquestionáveis os entraves causados pelo enquadramento legal, fiscal e político que continuam a afastar empresas competitivas e inovadoras, assim como recursos humanos qualificados do país. Um fenómeno que parece não ter fim à vista, todas as semanas surgindo mais uma desilusão a acrescentar à interminável lista de falhas por parte do sistema, nomeadamente judicial.

É neste panorama que se deve assinalar que, apesar de tudo, continuam a existir empresas e empresários portugueses que não desistem de investir. Indivíduos que arriscam o seu património, criando emprego e soluções inovadoras que funcionam como contrapeso à saída de capital e que, através da sua actividade, injectam diariamente milhões de euros nos cofres dos bancos portugueses, permitindo que todo o sistema continue a funcionar, mesmo que com enormes dificuldades. A esses, campeões nacionais ou heróis, devemos todos uma palavra de louvor.

Duarte Gouveia é licenciado em Economia pela Nova School of Business and Economics e Mestre em Gestão pelo Imperial College London. Trabalhou no Grupo Alibaba em Singapura e foi Blue Book da Comissão Europeia em Bruxelas. Hoje é administrador de empresas nas áreas de gestão de activos, indústria automóvel, construção marítima e concessões.

O Observador associa-se aos Global Shapers Lisbon, comunidade do Fórum Económico Mundial para, semanalmente, discutir um tópico relevante da política nacional visto pelos olhos de um destes jovens líderes da sociedade portuguesa. O artigo representa a opinião pessoal do autor, enquadrada nos valores da Comunidade dos Global Shapers, ainda que de forma não vinculativa.