Portugal é um país de emigrantes e a diáspora portuguesa tem uma longa narrativa. Primeiro, para os espaços descobertos ou conquistados em três continentes; depois, com a independência do Brasil, para a ex-colónia, para outras Américas e para os novos espaços africanos; e a partir de 1960, para a Europa, sobretudo para França.

Tornámo-nos independentes em 1143; em 1249 concluía-se a conquista do Algarve e em 1297, no tempo de D. Dinis, pelo Tratado de Alcanizes, fixávamos as mais antigas fronteiras nacionais da Europa.

Graças ao trio D. João I, Nun’Álvares, João das Regras, salvámos e consolidámos a independência entre 1383 e 1385. E trinta anos depois, com a descoberta das ilhas atlânticas e o seu povoamento, iniciámos a expansão; uma expansão movida por razões de sobrevivência material numa agricultura medieval pobre, e por desígnios espirituais, como “cristianizar os gentios”. No meio desta amálgama de razões económicas, religiosas, civilizacionais, humanitárias havia uma importante razão de Estado, de sobrevivência nacional – criar massa crítica fora da Península enquanto Castela não unificava o resto das Espanhas.

Esta expansão levou-nos a cruzar o Atlântico, descendo ao longo da costa africana, evangelizando, guerreando, comerciando e pilhando. Por aí chegámos à Índia. Entretanto, depois de descoberto o Brasil, iniciava-se ali, logo a partir de 1530 uma colonização que já abrangia famílias.

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 No Oriente, conquistavam-se as chaves do Índico – Ormuz, Goa e Malaca. Era uma proeza para um país com um milhão de habitantes conseguir, simultaneamente, ter o controle do tráfico das especiarias no Índico (com inimigos poderosos como os turcos e Veneza), ocupar a costa brasileira e manter uma linha de fortalezas e entrepostos comerciais ao longo da África. Durou o que durou e terminou em 1580, depois do desastre de Marrocos, ditado pela derrota de Alcácer Quibir de D. Sebastião, “Nun’Álvares da perdição” como lhe chamaria Oliveira Martins.

Tivemos então o rei de Espanha, Filipe II de Espanha, também como rei de Portugal, Filipe I de Portugal. E durante a monarquia dual, na União Ibérica, com os espanhóis mais empenhados em defender de franceses, ingleses e holandeses os seus domínios, perdemos muitos dos nossos.

Destinos da partida

Para a Holanda e para a Companhia das Índias Orientais perdemos grande parte dos nossos domínios asiáticos; já no Ocidente, como os accionistas holandeses da Companhia das Índias Ocidentais deixaram cair Maurício de Nassau, recuperámos o Brasil e Angola na Restauração.

A partir daí, graças ao negócio do açúcar no século XVII e às minas de ouro e de diamantes no século XVIII, muitos portugueses emigraram para o Brasil. E continuaram a fazê-lo já com o Brasil independente, e no século XX, até à quebra do Cruzeiro. Também no século XX, com a conclusão do caminho-de-ferro de Benguela nos anos 30 e com o boom do café nos anos 50, Angola tornou-se um destino de emigração. Depois da pimenta da Índia e do açúcar, do ouro e dos diamantes do Brasil vinha o café de Angola, uma quarta fortuna colonial. Nos anos 60, com a guerra, por causa dela ou apesar dela, Angola passava a ser a segunda economia da África Subsaariana, com seiscentos mil portugueses de origem europeia ali fixados, na altura da independência.

Mas o grande destino da emigração portuguesa do século XIX – e de toda a emigração europeia – foram as Américas. A fortíssima corrente migratória das ilhas britânicas para os Estados Unidos e a travessia de alemães e escandinavos e de russos, polacos, italianos e portugueses dos Açores vão compensar a diferença de população da América do Norte em relação à América Latina, que, no fim das guerras napoleónicas, era quatro vezes superior. Assim, em 1900, os Estados Unidos tinham ultrapassado em população todo o resto do continente.

Os portugueses iam muito para o Brasil, que aboliu a escravatura em 1888 – o que, por reacção e revanche dos proprietários cafeeiros contra a princesa Isabel e contra a monarquia, levou à proclamação da república. Mas, pelo século XX adentro, os portugueses continuaram a fixar-se no Brasil, por razões económicas ou políticas.

Nos anos 60, o grande destino da emigração portuguesa é a Europa; e, na Europa, a França, a França de De Gaulle, que abandonara a Argélia e estava carente de trabalhadores na construção e na indústria. Em 1916, já houvera uma emigração para a França de mais de 20 mil trabalhadores portugueses; mas em 1960 saem clandestinos, a salto, milhares e milhares de portugueses pobres. E alguns menos pobres, por motivos políticos e para fugir à tropa.

A partir de Marcelo Caetano há um esforço normalizador e uma amnistia para a emigração ilegal, que deixa de ser crime e passa a ser punida com multa, sendo os consulados portugueses autorizados, em 1970, a emitir passaporte para os clandestinos que tivessem a situação militar regularizada. E a partir de 1971 foram criadas delegações do Secretariado Nacional da Emigração em Paris e nas principais cidades francesas, como Marselha, Lyon e Bordéus.

A diáspora na literatura

Esta diáspora deixou também marcas na Literatura, até porque os nossos maiores escritores, como Camões, fizeram as viagens do Império, de Marrocos à Índia e ao Extremo-Oriente. O aventureiro por excelência foi Fernão Mendes Pinto, o fantasioso e imaginativo autor da Peregrinação. O Padre António Vieira foi outro trota-mundos, pela Europa e Américas.

Camilo tratou mal – muito mal – os “brasileiros”, os emigrantes bem-sucedidos que voltavam e tinham fama e proveito de “novos-ricos”. Talvez fosse fixação freudiana (o marido da Ana Plácido, Manuel Pinheiro Alves, era brasileiro) mas em Eusébio Macário: história natural e social de uma família no tempo dos Cabrais, o comendador Bento José Pereira Montalegre, o “brasileiro rico” que chega a terras de Basto, serve ao autor de Amor de Perdição para divagar sobre os lados sombrios da fortuna do brasileiro e troçar do seu aspecto e modos. Um escritor luso-brasileiro, Aluísio de Azevedo, havia de pegar de outro modo no português emigrado, na sua trilogia O Mulato, Casa de Pensão, O Castigo, traçando um retrato crítico dos portugueses no Brasil, em S. Luís do Maranhão.

Já Ferreira de Castro – ele mesmo emigrante no Brasil, na Amazónia – faz do seu herói da Selva, Alberto, um jovem combatente monárquico que, depois de Monsanto, vai para o Brasil por razões políticas. Como, por razões políticas, para lá iriam alguns milhares de “reaccionários” portugueses, depois de Abril.

O voto da emigração

Se calhar como sempre, mas talvez mais que nunca, estas comunidades de emigrantes são hoje muito diversificadas. Mais de dois milhões de pessoas: um milhão e meio na Europa, 600 mil fora da Europa. Destas, votaram cerca de 334 mil, um record de afluência, ainda que tivessem sido invalidados 122 mil votos, mais de um terço.

O Chega teve cerca de 61 mil destes votos contados e não se sabe quantos entre os invalidados. A seguir ficou a AD, com cerca de 56 mil e o PS, com cerca de 52 mil. O Chega ganhou no círculo da Europa, tradicionalmente um círculo socialista, e ficou em segundo, atrás da AD, fora da Europa, somando mais de 60 mil votos aos 1 108 000 que já tinha no Continente e Ilhas.

Os explicadores oficiais dizem que o voto no Chega vem ou de ignorantes e mal informados ludibriados pela demagogia de André Ventura, ou de autênticos fascistas e radicais de direita – nacionalistas, racistas, xenófobos, machistas, homofóbicos, transfóbicos, intolerantes, mal-educados e negacionistas climáticos – ressentidos com a democracia. Parecem também saber que os eleitores que votaram à esquerda o fizeram em plena consciência, devidamente esclarecidos e sem quaisquer pressões nacionais ou internacionais; mas que os que votaram à direita, sobretudo os que votaram na “extrema-direita” e, mais especificamente, os emigrantes no Brasil e nos Estados-Unidos, o fizeram sob a pressão partidária de Bolsonaro e dos bolsonaristas ou de Trump e dos trumpistas.

Tudo isto agravado por um aumento da participação cívica, facto que, segundo o critério já enunciado para o solo pátrio, nos obrigaria a suster a respiração, até sabermos se os ex-abstencionistas do ciclo da emigração tinham “votado bem”. Só em caso afirmativo poderíamos louvar o acréscimo de participação na festa da democracia… Assim não sendo, restava-nos concluir que os emigrantes, esses pobres coitados, tinham sido enganados por demagogos mal-formados, sinistros e mal-intencionados, ou forçados a acorrer às urnas e a “votar mal” por forças ocultas.

Porque é que estes portugueses da diáspora – menos sujeitos à frustração e ao ressentimento em relação à democracia local e à demagogia e respirando os ares das velhas democracias europeias – teriam escolhido o Chega? E porquê semelhante votação na Suíça?

Dizia em entrevista José Martinho, um emigrante português conselheiro comunal na cidade de Lausanne, que os resultados talvez se explicassem porque as coisas em Portugal só tinham piorado – com a elevada carga fiscal, o fim recente do “estatuto de residente” e a falta de condições para os jovens, obrigados a emigrar. Enfim, que tudo aquilo que era sentido como a falência, em Portugal, dos partidos do “arco da governação” talvez tivesse contribuído para aquele resultado.

“Ou então – acrescentava José Martinho – … por cá termos [na Suíça] há vinte anos no poder um partido daqueles a que chamam de extrema-direita e que funciona…”

Perante tão escandalosa afirmação, perguntar-se-ão os comentadores:

À semelhança dos seus compatriotas na diáspora, forçados a votar mal, não estaria José Martinho a ser pressionado pela extrema-direita helvética, pelo próprio Schweizerische Volkspartei? Ou então pelas milícias de Ventura, emissoras de demagogia, de discurso de ódio e de fake news, actuando no eixo Lisboa-Lausanne através das redes sociais?