O caso dos 15 ativistas presos preventivamente em Luanda depois de serem acusados pela Procuradoria Geral da República de Angola de estarem a preparar um golpe de Estado remonta a 20 de junho, o dia em que o grupo foi detido numa casa particular — onde garantem que se reuniam para discutir livros que apelavam a uma luta pacífica contra o regime do Presidente José Eduardo dos Santos. No entanto, só depois de um dos ativistas, o rapper luso-angolano Luaty Beirão, contar com 22 dias de greve de fome é que o ministro dos Negócios Estrangeiros português, Rui Machete, se pronunciou sobre o assunto.

Rui Machete: “Não nos imiscuímos”

“Nós estamos a acompanhar a situação do ponto de vista humanitário, visto tratar-se de uma matéria interna de Angola no que diz respeito ao problema da averiguação se existe ou não existe uma infração de carácter penal, e nisso não nos imiscuímos. Apenas gostávamos de ter uma informação como todos os outros estado e isso tem sido feito no âmbito da União Europeia”, disse Machete na tarde de segunda-feira. Quanto ao facto de Luaty Beirão ter dupla nacionalidade (nasceu em Angola mas, tal como a família do lado da mãe, também tem nacionalidade portuguesa), Rui Machete lembrou uma “regra internacional”: “Os bi-nacionais quando estão num dos países da sua nacionalidade, são tratados como nacionais exclusivamente desse país”.

Antes desta reação do ministro, fonte oficial do MNE disse à agência Lusa no domingo que “Portugal tem acompanhado este assunto com muita atenção, através da sua embaixada e também de forma coordenada com a delegação da União Europeia em Luanda”.

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Mais recentemente, já nesta terça-feira, o embaixador português em Angola, João da Câmara, disse ao site Rede Angola que poderá visitar o ativista Luaty Beirão, que se encontra internado no hospital-prisão de São Paulo em Luanda, se a família o solicitar: “No caso de haver um pedido, então a embaixada ponderará”, disse, acrescentando que “por si só a embaixada nunca poderá tomar essa iniciativa”.

Até à hora de publicação deste artigo, não se conhece mais nenhuma afirmação oficial vinda de Portugal para além das acima mencionadas.

Ana Gomes: “Portugal não pode varrer o assunto para debaixo do tapete”

A eurodeputada socialista Ana Gomes considera que a posição do Governo português não é suficiente nem adequada. “À partida não tinha expetativa nenhuma porque sei o que este governo gasta em relação a Angola”, diz ao Observador. “O senhor ministro dos Negócios Estrangeiros veio falar ontem e acabou por fazer umas declarações lamentáveis. Até porque se contradiz, em relação àquilo que a fonte oficial do MNE disse, que estava a a acompanhar o ‘este assunto com muita atenção’.”

Dessa primeira declaração, a eurodeputada entendeu que “embora discretamente, Portugal estava a demonstrar às autoridades angolanas que seguia o assunto com preocupação”. Até porque “muitas vezes fazem-se declarações públicas nesse sentido, para depois em privado haver um discurso mais incisivo”.

“Mas pelos vistos, o senhor ministro fez uma declaração que demonstrou que a minha leitura inicial não fazia sentido nenhum, porque o que ele disse foi que afinal não tinha de imiscuir num assunto que era um assunto interno angolano. Ora, é evidente que os Direitos Humanos não são um assunto interno de um país, de cidadãos angolanos ou portugueses. Um país como Portugal, que tem todo uma responsabilidade em matéria de Direitos Humanos, e que é membro do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, não pode varrer assim o assunto para debaixo do tapete.”

De resto, a eurodeputada socialista não poupa críticas ao ministro Rui Machete. “Eu não acho que isto seja apenas inércia do senhor ministro. Haverá essa enércia, esse bafio e atitude salazarenta, mas não é só isso. É também a submissão total a Angola deste governo que aqui pode ser vista”, diz.

Martins da Cruz: “Governo tem tido comportamento correto e adequado”

Diferente leitura tem o embaixador e ministro dos Negócios Estrangeiros no governo de Durão Barroso, António Martins da Cruz. “O governo tem tido nesta matéria um comportamento correto e adequado. Trata-se de uma matéria que está em Angola sob a alçada judicial e portanto é preciso deixar as instâncias judiciais em Angola procederem, de acordo com as leis angolanas, à avaliação e à eventual apresentação de processos criminais e ao seu julgamento”, diz ao Observador. “O governo português não tem de se meter, nem tem de tomar posição nos assuntos internos sobretudo de matéria judicial de outros países.”

Quanto ao facto de entre os ativistas em prisão preventiva estar um cidadão luso-angolano, Martins da Cruz relembra as palavras de Machete: “No direito internacional, quando se tem duas nacionalidades, não se ponde invocar uma delas no país da outra”.

Martins da Cruz também rejeita a existência de uma incongruência entre a primeira declaração do MNE (em que se dizia a acompanhar o assunto com “muita atenção”) e a segunda, em que Machete prometeu que o governo português não se ia imiscuir.

“Portugal tem uma embaixada em Angola que tem de estar atenta a todos os acontecimentos que se passam em Angola. Angola não é o Cambodja nem o Gabão. É um país com o qual Portugal tem relações preferenciais e privilegiadas. Faz parte da CPLP, partilhamos a mesma língua, é um mercado para Portugal e vivem lá mais de 100 mil portugueses. Temos de ter uma embaixada e uma diplomacia ativa e atenta. Agora, acompanhar não é imiscuir-se. É dar a sua opinião exclusivamente ao governo e ao MNE português e não torná-la pública. A diplomacia não se faz com estados de alma nem é nenhum megafone de ressonância.”

Amnistia Internacional portuguesa vai contactar MNE e consul angolano

No plano das ONG, a Amnistia Internacional (AI) tem sido das mais ativas na defesa dos jovens ativistas presos em Angola. A AI agendou uma concentração no às 17h30 no Largo Jean Monnet, em Lisboa — depois será feito um desfile em direção à Praça D. Pedro IV (Rossio), onde a partir das 18h30 será realizada uma vigília.

Ao Observador, a diretora executiva da Amnistia Internacional em Portugal, Teresa Pina, refere que a organização tem “mantido alguma proximidade com o MNE sobre este e outros casos que têm a ver com Direitos Humanos em Angola” e que “oportunamente [irá] retomar contactos com o consulado angolano em Portugal e junto do Estado português”.

“Manteremos o nosso nível de pressão para que o caso continue público e para que as pessoas continuem a aderir à nossa petição”, diz Teresa Pina, referendo-se à carta aberta até agora assinada por 24 mil pessoas. O destinatário é o procurador geral da república angolano, João Maria de Sousa.

“Apelo a que libertem imediata e incondicionalmente os prisioneiros de consciência e que assegurem que, enquanto se aguarda a sua libertação incondicional, não sejam sujeitos a tortura ou outros maus tratos. Peço também que Luaty Beirão e Nelson Dibango, ambos em greve de fome, tenham acesso a cuidados de saúde qualificados e de acordo com os seus desejos em cumprimento da ética médica, incluindo os princípio de confidencialidade, autonomia e consentimento informado”, lê-se no documento.