Marcelo Rebelo de Sousa foi ao Parlamento Europeu falar da Europa e afastar fantasmas sobre a atitude que Portugal vai ter na Europa com o novo Governo apoiado pelos partidos de esquerda não europeístas. “Igual a si próprio” e “hábil” no discurso, “sem beliscar ninguém mas também sem elogiar”, foi assim que os eurodeputados portugueses viram a presença do Presidente da República na assembleia europeia. Certo é que, da esquerda à direita, todos aplaudiram. Ao Observador, Paulo Rangel lembra mesmo que dos vários chefes de Estado que têm passado pelo hemiciclo, o discurso de Marcelo foi dos “mais bem acolhidos”.

À esquerda, se o PS elogiou em toda a linha a intervenção de Marcelo junto dos eurodeputados, o PCP e o BE foram mais contidos nas palavras ao Observador. Mas nem por isso deixaram de aplaudir o discurso no hemiciclo — Marisa Matias foi mesmo das primeiras a levantar-se para aplaudir.

O eurodeputado comunista João Ferreira escolheu com cuidado as palavras na conversa com o Observador para qualificar a prestação do Presidente: foi “hábil”, sobretudo na “gestão das contradições políticas”, ao reconhecer, por um lado, o novo ciclo político português e, por outro, ao “colar-se ao anterior Governo PSD/CDS quando elogiou a saída limpa do programa da troika e rasgou elogios a Durão Barroso”.

O namoro com Marisa e a confiança do PS

Mais evidente, durante a visita, foi a cumplicidade com Marisa Matias, ex-adversária na corrida a Belém. A troca de brincadeiras foi evidente, com Marcelo a desafiar mesmo a eurodeputada a dizer se a sua nova função de comentadora na televisão seria para lhe seguir as pisadas. Ao Observador, Marisa alinhou na brincadeira mas rejeita a comparação. “O que lhe disse foi que a diferença entre nós é que eu agora não estou em campanha”, disse, ironizando com o facto de o atual Presidente ter estado 10 anos à frente das câmaras antes de se candidatar à Presidência.

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Sobre o discurso, Marisa elogiou. Uma palavra: “Desdramatização”. “Foi importante ter vindo desdramatizar a situação política nacional, porque, na altura das negociações para formar Governo em Portugal, houve intervenções muito duras por parte dos deputados do PPE aqui no Parlamento Europeu”. De resto, os elogios a Durão Barroso e ao esforço do anterior Governo durante o programa da troika eram “expectáveis”. “Estranho seria se não o fizesse”.

Se, por um lado, a troca de mimos foi maior com a bloquista, também não ficou atrás com os eurodeputados do PS. Carlos Zorrinho chegou mesmo a pedir para lhe tirarem uma fotografia com o Presidente, para memória futura.

Foi, de resto, ao PS, que o discurso de Marcelo encheu as medidas. “Transmitiu confiança não só na Europa como no governo português, que cumpre os compromissos, é europeísta e está a seguir um caminho próprio, diferente. Gostei de ver isso”, disse Zorrinho ao Observador.

Para o eurodeputado socialista, o contraste com Cavaco Silva foi evidente. Enquanto um “procurava passar despercebido na Europa e fazer o papel do coitadinho”, o outro “mostra que Portugal contar e que vai ter uma postura ativa na Europa”.

Certo é que, se Marcelo apela aos consensos, é também o primeiro a praticá-los. “Uma coisa são as divergências ideológicas, outra são as relações pessoais”, resume Marisa.

Simpático sem distinções, diz a direita

À direita, Paulo Rangel gostou do que ouviu. “Foi muito claro, encorajador do projeto europeu, e muito pedagógico em relação à situação portuguesa atual”, disse o eurodeputado ao Observador, rejeitando a ideia de que Marcelo tenha feito uma defesa do atual Governo do PS. “Disse só que era um Governo europeísta apoiado por partidos que nunca fizeram parte de um Governo”. Ou seja, foi “factual e neutral, não beliscou nem elogiou nenhum partido”, disse.

Nuno Melo, do CDS, hesita mais antes de falar. Prefere elogiar a distinção que Marcelo fez do trabalho dos eurodeputados, em que elogiou todos “sem exceção”. O eurodeputado democrata-cristão limitou-se a dizer que, quanto aos comentários sobre a situação política, Marcelo foi “igual a si próprio”. Que é como quem diz, deu uma no cravo, outra na ferradura. “Foi indistintamente simpático do PCP ao CDS”, afirmou ao Observador, acrescentando que o facto de ter reforçado o europeísmo do Governo e o caminho político e económico que está agora a seguido em Portugal, não quer dizer que fez uma “validação das políticas concretas do Governo”.