O Governo espera chegar ao final do ano com um desvio de cerca de 500 milhões de euros na receita fiscal, apurou o Observador, devido em boa parte a um crescimento do consumo inferior aquele que era esperado pelo Governo no Orçamento e no Programa de Estabilidade, um valor do qual instituições como o Fundo Monetário Internacional e a Comissão Europeia duvidaram que se viesse a concretizar logo no início do ano. Executivo acredita que vai conseguir um défice de 2,4% e cumprir metas europeias.

Foi um dos números mais questionados no início do ano, a par do crescimento de 1,8% que agora o Governo deverá rever para 1,2%, e no qual o Governo manteve confiança até ao fim. No entanto, o próximo orçamento deverá trazer números diferentes. O crescimento esperado pelo Governo para as receitas fiscais deverá ficar abaixo dos 2%, o que representa uma diferença superior a 500 milhões face ao que previa anteriormente.

O baixo crescimento deve-se em boa parte a uma revisão em baixa da receita prevista para os impostos sobre o consumo, como é o caso do IVA e o Imposto sobre os Produtos Petrolíferos, este último sofreu um aumento no atual orçamento. Esta revisão em baixa deverá ser incluída no orçamento, a par de uma revisão em baixa do consumo privado prevista para este ano, outro dos pontos de honra do ministro das Finanças contra as organizações internacionais, que questionavam o valor como sendo demasiado elevado.

A receita fiscal estava a cair 0,9% até agosto, contra uma previsão de crescimento anual de 2,7%, a inversão na evolução positiva da cobrança de impostos deu-se precisamente em agosto e lançou os sinais de alerta sobre o cumprimento da meta do défice, desta vez pelo lado da receita.

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A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) destaca que a derrapagem na cobrança verifica-se tanto ao nível dos impostos diretos, onde a queda é superior à estimada par 2016 — 6,9% contra 1,2%, essencialmente por causa do comportamento no IRS e no IRC. Do lado dos impostos indiretos, a derrapagem vem de um acréscimo de cobrança abaixo do estimado — nos primeiros nove meses do ano estávamos com uma subida de 4,3%, aquém da previsão anual de 6,3%.

Nas contas da UTAO, seria necessário arrecadar mais 1.462 milhões de euros em impostos nos últimos quatro meses do ano do que em igual período do ano passado, uma evolução que, sublinham os técnicos do Parlamento, “não se afigura verosímil”. Ainda que a cobrança fiscal recupere em setembro, o comentador Marques Mendes antecipou já uma subida da receita do Estado entre 6% a 8% — o próprio governo já tinha avisado que haveria uma aceleração na cobrança de IRS — a margem para recuperar em quatro meses o que não foi arrecadado até agosto é muito apertada. Mas afinal porque está a correr mal a cobrança? E quais os impostos mais problemáticos

Numa apresentação sobre o Orçamento do Estado para 2017, a consultora Deloitte fez as contas aos impostos onde, pelos dados registados até agosto, a execução está mais afastada das previsões do governo. O cálculo parte do pressuposto que o padrão de cobrança até ao final do ano seguirá o rumo do ano passado. O grosso dos problemas centra-se nos grandes impostos.

O que se passa no IRS

A receita até agosto estava a cair 9,4%, quando a estimativa de queda era de 2,5%. A previsão da Deloitte aponta para uma cobrança anual de 12.065 milhões de euros, o que dá um desvio face às estimativas orçamentais da ordem dos 300 milhões de euros. O governo tem atribuído a pressão no IRS à circunstância do quociente familiar para deduções, introduzido pelo anterior governo, ter tido um impacto maior do que o previsto.

Este é no entanto um imposto com um ciclo de execução incerto que pode surpreender, pela negativa ou positiva. Quando anunciou os reembolsos devidos pelo IRS cobrado em 2015, o Ministério das Finanças deixou a nota:

“Dada a prioridade conferida aos reembolsos, um número significativo de nota de cobrança foi emitido com um prazo de pagamento posterior ao prazo normal de 31 de agosto. O valor das notas de cobrança nesta situação é de 594 milhões de euros, um acréscimo de 359 milhões de euros face ao ano anterior que se refletirão na receita de setembro e de outubro.”

O que se passa no IRC

O imposto cobrado sobre os lucros das empresas deveria cair 1,2% no final deste ano, essencialmente por via da redução da taxa ainda por causa da reforma aplicada pelo anterior governo — note-se que a par da descida do IRC, o anterior governo e o atual carregaram na derrama para empresas com maiores lucros e na tributação autónoma aplicada às empresas.

O quadro da execução até agosto, dá-nos uma descida de 8,9% na receita arrecadada no IRC. Tal como no IRS, a performance agravou-se de forma significativa de julho para agosto — neste caso duplicou, passando de uma queda de 4% para 8,9%. Nas projeções da Deloitte, o desvio negativo na receita deste imposto pode chegar aos 415 milhões de euros no final do ano. É certo que ainda falta aplicar uma das medidas previstas pelo Executivo para potenciar o IRC e que passa pela reavaliação extraordinária de ativos que fará subir a cobrança fiscal no curto prazo. Mas medida é voluntária e dependerá da adesão das empresas.

O que se passa no imposto petrolífero

Para aplicar medidas bandeiras, como a descida do IVA na restauração e uma reposição salarial mais célere, o Governo elegeu o imposto sobre os produtos petrolíferos como a estrela da consolidação orçamental em 2016. O ISP aumentou seis cêntimos por litro, ainda em fevereiro. O Executivo antecipava um crescimento robusto desta receita de 20,8%, não só por via do agravamento fiscal, mas também à boleia de uma recuperação no consumo de combustíveis.

Nos primeiros oito meses, a receita do ISP ainda estava a crescer 19,5%, mas já em abrandamento face a meses anteriores. É certo que o Executivo baixou entretanto o imposto em um cêntimo, que em tese terá sido compensado por um aumento na cobrança do IVA sobre os combustíveis.

Mas a maior divergência estará na previsão de subida de consumo que teima em se concretizar, num reflexo de que o crescimento económico também está longe da previsão do Orçamento do Estado. A Deloitte admite que o desvio de receita possa ascender a 400 milhões de euros no final do ano, mas estes números incorporam o efeito parcial do gasóleo profissional para mercadorias que só deverá ser estendido a partir de 2017.

O que se passa no IVA

A previsão anual apontava para um acréscimo na receita deste imposto, o mais importante no mix fiscal, de 3%. Até agosto, o IVA estava a subir apenas 0,4%, em termos líquidos. É uma evolução que a Direção Geral do Orçamento sublinha estar “fortemente condicionada por um acréscimo de 325,6 milhões de euros (+10,9%) no valor dos reembolsos face ao período homólogo”, mas que também não será alheia a um menor crescimento da economia do que o previsto, em particular do consumo.

Os números de agosto ainda não incluem o impacto da descida do IVA na restauração para 13% que entrou em vigor em julho e que terá um impacto previsto de 175 milhões de euros na segunda metade do ano.

Perante o quadro de incerteza na cobrança fiscal a três meses do terminar o ano, não terá sido coincidência o anúncio de um programa de regularização extraordinária de dívidas fiscais e à segurança social, feito no semana passada.

E sai um perdão fiscal, perdão, um PERES antes de acabar o ano

O Executivo até escolheu uma designação, o PERES (Programa Especial de Redução do Endividado ao Estado), que permite sustentar a argumentação de que não se trata de um perdão fiscal. E o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, começou por evitar avançar uma estimativa para a receita adicional estimada para este ano. O ministro das Finanças, Mário Centeno, acabou por admitir um impacto positivo de 100 milhões de euros por ano, mas sem especificar se este número médio será homogéneo ao longo do período em que o PERES terá efeito e que pode durar até 11 anos.

No entanto, as próprias condições de acesso ao PERES indiciam que a cobrança será seguramente mais alta nos primeiros meses, e ainda a tempo da execução orçamental de 2016. Isto porque os aderentes tem duas opções: ou pagam até 2 de dezembro toda a dívida, e beneficiam de perdão de juros e custas, ou aderem a um regime de pagamento em prestações que, no entanto, exige a liquidação ainda este ano de 8% do montante em dívida. Para Marques Mendes, o PERES é mesmo uma medida extraordinária que é a “arma secreta do governo para cumprir o défice deste ano”.