A história já é velha: ainda Pedro Passos Coelho estava no Governo, quando o Café-Restaurante Martinho da Arcada pediu ao Ministério das Finanças se podia ocupar a sobrejola que existe exatamente por cima. O espaço, onde existe um arquivo parado da Direção-Geral do Tesouro, seria usado pelo mítico café lisboeta para uma série de iniciativas culturais e para a abertura de uma loja dedicada a Fernando Pessoa que, como se sabe, era cliente assíduo do café lisboeta.

Passaram-se os dias, as semanas. As semanas transformaram-se em meses e os meses em anos. Caducaram todos os prazos de resposta, e o Martinho continua sem saber se, afinal, pode ou não ocupar a sobreloja.

Na altura da realização do ciclo de tertúlias “Rostos da Portugalidade”, que arrancou no dia 20 de janeiro e que se prolongará até 4 de abril (com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa), o organizador, Luís Machado, lamentou mais uma vez a falta de resposta por parte do Ministério.

“Na função pública, todas as entidades têm 90 dias para responderem. Estes não respondem. O processo está nas mãos de uma técnica que deixou as coisas em águas mornas”, disse ao Observador na altura, a poucos dias da primeira tertúlia, que contou com a participação de Eunice Muñoz. “Seria um auditório vivo e ativo. A cidade precisas de novos projetos”, salientou Luís, cliente assíduo do Martinho desde os anos 70 e responsável de longa data pela organização das tertúlias.

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As tertúlias vão regressar ao Martinho da Arcada

O espaço, que pertence à Direção-Geral do Tesouro, seria usado para várias iniciativas culturais, como sessões de poesia, para a criação de um pequeno auditório e de uma loja dedicada a Fernando Pessoa que, segundo a lenda, tomou café no Martinho três dias antes de morrer. “Todas as lojas aqui à volta estão a ser utilizadas”, afirmou Luís. “Não percebo porque é que não podemos usar a parte de cima. É uma falha grave da administração pública. Têm de dar uma resposta no prazo de 90 dias e alguém está a infringir isso.”

Ao Observador, Luís Machado contou que tudo começou no tempo em que Passos Coelho ocupava ainda o cargo de primeiro-ministro. A decisão, que tem de passar pelo Ministério das Finanças, foi depois “parar a um departamento técnico e às mãos de uma diretora” que não chegou a tomar nenhuma decisão porque “não sabia o que havia de dizer”. “Se houvesse um parecer do Ministério da Cultura podia ser que andasse mais depressa”, considerou o escritor.

João Soares, quando era ministro da Cultura, chegou a enviar um despacho para o Ministério das Finanças no qual, de acordo com o Público, considerou de “elevado interesse cultural” que o Martinho da Arcada ocupasse a sobreloja. Também a Câmara Municipal de Lisboa “fez um ofício”, que de nada valeu. Ao Público, numa entrevista datada de março de 2016, Luís Machado explicou que existe a possibilidade de um espaço ser cedido sem concurso público se os fins a que se destina não forem comerciais e se houver um reconhecimento do interesse cultural.

Questionado pelo Observador sobre o conteúdo do despacho e se este chegou ao destino, o Ministério da Cultura esclareceu que “o conteúdo do despacho faz parte de um processo que se encontra em análise no Ministério das Finanças e que, por essa razão, não pode ser facultado nos termos da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos“. Por sua vez, o Ministério das Finanças afirmou que “o assunto continua em análise nos serviços”. Até quando, não se sabe. Enquanto isso, Luís Machado e António de Sousa, proprietário do café, vão sonhando com o dia em que o Martinho possa finalmente ocupar o espaço anexo.