As várias renegociações do contrato de adjudicação do SIRESP — uma pareceria público privado (PPP) que envolvia o Estado e o consórcio liderado pela antiga Sociedade Lusa de Negócios (agora Galilei) — implicaram uma redução dos meios que estavam inicialmente previstos.

Esta é uma das conclusões do relatório do Tribunal de Contas, assinado pelos juízes Lídio de Magalhães, Helena Ferreira Lopes e Carlos Moreno, a 27 de Dezembro de 2006. De acordo com o jornal Público, que consultou e cita o acórdão, os magistrados apontavam já várias falhas à forma como foi conduzido o processo — que atravessou os governos de Durão Barroso, Pedro Santana Lopes e José Sócrates.

Nesse relatório, o Tribunal de Contas começa por questionar a forma como foram abertas as candidaturas para a idealização do projeto, em 2003. Nessa altura, foram convidadas cinco empresas para pensarem o projeto — Siemens, a EADS, a OTE, a Nokia e a Motorola — porque, segundo o Ministério da Administração Interna, estas empresas esgotavam “o universo dos fabricantes” com capacidade para criarem uma infraestrutura desta natureza.

Ora, os juízes do Tribunal de Contas começam, precisamente, por questionar este método de escolha, falando mesmo em “dúvidas de legalidade”. Como escreve o Público, o mesmo relatório questiona ainda o prazo para a receção de propostas: 52 “dias seguidos”, mais 15 dias acrescentados depois, quando, para os juízes do Tribunal de Contas, se impunha um prazo de 90 a 120 dias.

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De resto, a EADS, uma das empresas convidadas para pensar o projeto, pediu mesmo uma prorrogação do prazo, mas a comissão de avaliação nomeada pelo Governo recusou. Acabaria por ser apresentada uma única proposta, que foi recusada por essa mesma comissão de avaliação por ser “inadequada ao interesse público a prosseguir”.

O Governo de Durão Barroso decidiu então negociar com a SLN novos termos contratuais, um gesto que mereceu igualmente a censura do Tribunal de Contas. “Também se questiona o facto de, em fase de negociações, [o Estado] ter dado a possibilidade ao concorrente de transformar uma proposta inadequada ao interesse público numa proposta adequada”, cita o Público.

E aqui começa a redesenhar-se o projeto para a rede de emergência do SIRESP. Com a renegociação do contrato de adjudicação, dá-se uma série de cortes nos meios previstos: as 515 “estações base” iniciais foram reduzidas para 451; o “número de “zonas” caiu de 9 para 7 e os “clusters” de 2 para 1. Os 48 “terminais de gestão” passaram a ser 14. Houve ainda reduções deste tipo no Metro, na Madeira e nos Açores, no plano de “roll out”, na “transmissão” e no “sistema aplicacional”.

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Concluída a renegociação, o contrato seria adjudicado ao consórcio liderado pela SLN já durante o Governo de Pedro Santana Lopes, que se encontrava em gestão, um facto que também merece a censura do Tribunal de Contas. Recorde-se que o social-democrata foi afastado depois de Jorge Sampaio ter decidido dissolver a Assembleia da República. Seguiu-se o primeiro Governo de José Sócrates, que tinha como ministro da Administração Interna António Costa. Perante a polémica em torno do negócio do SIRESP, o Executivo socialista decidiu pedir a “nulidade” do negócio. Seguiram-se mais negociações e mais revisões do projeto inicial.

Desta vez, continua o mesmo jornal com base no acórdão do Tribunal de Contas, “foram eliminados alguns módulos não essenciais e procedeu-se à extinção dos centros do Porto, Madeira e Açores”; “a funcionalidade de gestão de faturação”; e “a etapa de arranque”, ou sejam “foi uma simplificação do procedimento de aceitação do sistema, por se considerar que os testes e verificação do desempenho previstos, bem como o sistema de penalização por falhas desenhado acautelavam de forma adequada os objetivos definidos para a rede SIRESP”. O que é que isto quer dizer? Na prática, António Costa dispensou o período “experimental” por acreditar que estavam “acautelados os objetivos”.

Tudo somado, o Tribunal de Contas concluiu, em 2006, que foram “claramente violadas as normas” do contrato de adjudicação do SIRESP. Uma violação que era “suscetível de se repercutir negativamente no resultado financeiro do contrato” e que fundamentava uma eventual “recusa de visto”. Os juízes acabaram por optar, no entanto, por um “visto com recomendações”, onde apontavam para as várias fragilidades do negócio.

O Tribunal de Contas concluiu, ainda, que os vários governos envolvidos no processo negocial optaram por “uma redução apreciável do objeto da prestação com uma redução do montante a despender”, sem tratarem de forma adequada do “princípio da estabilidade” negocial — o que implicou numa menorização do “principio da concorrência”.

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