A tendência de lançar remasterizações de velhas lendas dos videojogos continuou (e até foi exacerbada) no ano passado. Muitos destes jogos são vistos na indústria como investimentos seguros que, por terem já uma base de fãs, permitem encaixar um bom retorno e manter os mercados ativos entre os lançamentos mais bombásticos.

Esta visão complacente leva a que estes remasters se cinjam a um retoque ali e acolá, com umas texturas em alta definição ou uma banda sonora por vezes mais atualizada, dando um novo aspeto ao que, para os devidos efeitos, se trata de um jogo antigo. Esta abordagem, salvo raras exceções, deixa a impressão de um trabalho meio-feito e de potencial desperdiçado.

Shadow of the Colossus, à semelhança de Crash Bandicoot N.Sane Trilogy, é muito mais do que isto. É um remake, uma recriação completa de um jogo. O cuidado e atenção dedicados à recriação destes dois clássicos é notoriamente maior, parecendo quase tratarem-se de jogos novos. Estes dois casos, em conjunto com o muito esperado remake de Final Fantasy VII, parecem indicar uma nova tendência no mundo dos videojogos que se tenta demarcar da imagem de “dinheiro fácil” associada às remasterizações.

Quando um jogo tem um historial tão forte quanto este e faz parte do imaginário coletivo dos videojogos, tanto os criadores como os jogadores têm a ganhar com esta abordagem de remake completo que, embora mais dispendiosa quer em termos de recursos ou de tempo, é infinitamente mais proveitosa. Por outro lado, há um risco tremendo em “tocar” naquele que é quase consensualmente afirmado como o melhor jogo de sempre e, para muitos, aquele que define o real direcionamento do meio.

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Shadow of the Colossus, criado em 2005 por Fumito Ueda e a sua Team ICO, deixou uma marca indelével nas mentes dos jogadores quando saiu, influenciando vários jogos que o seguiram em diferentes vertentes. Shadow of the Colossus surgiu numa altura em que começavam a surgir críticas acerca da posição dos videojogos como arte, desde o lançamento de God of War com a sua ultra-violência aparentemente injustificada ou com os jogos mainstream a tornarem-se formulaicos, caindo sempre nos mesmos clichés de como contar uma história e ensinar um jogador a jogar.

Era um jogo com tudo para falhar. O mundo era vazio e o jogo continha apenas 16 bosses e pouco mais. O diálogo era quase não existente e o elenco mínimo. A história por detrás do mundo era obscura e contada contextualmente. Por estas mesmas razões, contra todas as expetativas, foi um tremendo sucesso, demonstrando existir espaço para “jogos de autor”.

Esta obra de Ueda, que é para muitos a obra-prima dos videojogos, conseguiu conjugar perfeitamente a história que queria contar com o mundo minimalista que criou e a sua jogabilidade única. Conseguiu, pela primeira vez, criar um companheiro não falante que parecia real: Agro, o fiel corcel. A direção artística e a performance audiovisual fantástica do jogo refletiam a dicotomia presente ao longo de todo o jogo: momentos de isolamento, silêncio e introspeção a cavalo através de um mundo vazio, mas belo, equilibrados com a adrenalina e ginástica mental das batalhas contra os colossos, maravilhas da natureza, com ribombantes orquestras a soar.

Pela primeira vez, um jogo com um protagonista e um final moralmente ambíguo conseguiu alcançar um sucesso estrondoso. Por estas e outras razões, Shadow of the Colossus abriu o coração e a mente de muita gente na indústria, mudando-a para sempre.

O remake fica a cargo da credenciada Bluepoint Games, conhecida por fazer ótimos remasters de séries de topo da Sony, nomeadamente The Ico & Shadow of the Colossus Collection, God of War Collection, Uncharted: The Nathan Drake Collection e Gravity Rush Remastered. Com este novo remake, a Bluepoint Games faz jus ao brilhante trabalho feito pela Team ICO no original e à visão única de Ueda.

As mecânicas e a história do jogo estão, felizmente, preservadas em toda a sua glória. Há um muito agradecido update do esquema de controlos, uma das falhas do original, para uma versão mais moderna e prática. No entanto, a verdadeira revolução do jogo encontra-se nos aspetos técnicos que, estes sim, foram completamente renovados.

Vamos ser honestos: Shadow of the Colossus é um dos jogos mais belos que alguma vez tivemos a oportunidade de jogar, não ficando longe de outros marcos gráficos como Uncharted 4 e Horizon: Zero Dawn. As texturas e modelos são extremamente detalhados, o sistema de deformação de tecidos e pelos é dos melhores na atualidade e a iluminação global com nuvens criadas em tempo real, poeiras e nevoeiro volumétrico dão uma personalidade incrível às vistas colossais do jogo. Até o motion blur, muitas vezes problemático, está bem aplicado e é personalizável pelo jogador.

O original tinha problemas de contraste e bloom exacerbado que tornavam algumas cenas menos legíveis. Neste remake, os movimentos de câmara são extremamente cinemáticos e as sombras e luzes são expressivas e ricas, dando uma nova vida às cenas de história.

Aliado a isto, temos um photo mode extremamente versátil, que nos permite recordar os melhores momentos de uma maneira simples e eficaz. Podemos até jogar com vários filtros (sépia, preto e branco, etc…), obtendo uma experiência de jogo completamente diferente da original. Diferenças que todos poderão sentir quando o jogo for lançado a 7 de Fevereiro em exclusivo para a PlayStation 4.

Shadow of the Colossus é a versão definitiva de um marco histórico dos videojogos. Todos os aspetos positivos do original são mantidos ou melhorados, enquanto alguns dos piores, como a iluminação e os controlos, são aprimorados. Para quem nunca jogou ou para quem seja fã, é uma compra obrigatória e um dos melhores jogos do início de 2018. O jogo não só se mantém nos ombros de gigantes, como os eleva a novas alturas.

Nuno Marques, Rubber Chicken