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JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

JOÃO PORFÍRIO/OBSERVADOR

A aldeia que se salvou em Mação: "Se me tivesse atrasado cinco minutos tínhamos aqui uma tragédia como Pedrógão"

As chamas estavam a entrar em Gardete, a 20 km de Mação, quando o Capitão Quelhas lá chegou. O Observador passou um dia com o Grupo de Intervenção da GNR para os fogos.

Cinco minutos não dão para evacuar uma aldeia e proteger as casas das chamas. Mas pode ser tempo suficiente para o fogo engolir uma povoação inteira. Daí a fixação do capitão Quelhas nesta fracção de tempo quando tenta descrever ao Observador a sensação de ter acabado de ajudar a salvar uma aldeia: “Foi uma questão de cinco minutos. É uma sensação de alívio uma pessoa chegar aqui e em menos de nada ver que consegue salvar uma aldeia. Foi um stress, mas é gratificante. E é o que nos faz motivar e manter aqui 24 sobre 24 horas, sem descansar. Mas se numa fracção de minutos não estivesse aqui, não sei o que seria desta gente. Se eu me tivesse atrasado cinco minutos se calhar tínhamos aqui uma tragédia como Pedrógão Grande.”

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O capitão Quelhas tem 34 anos mas é o segundo oficial mais antigo do GIPS, o Grupo de Intervenção Proteção e Socorro da GNR – está lá desde a sua criação, há 11 anos. Esta quarta-feira, viu que a frente de incêndio se estava a aproximar perigosamente de Gardete, a 20 km de Mação, sem que estivessem quaisquer meios de socorro no local. Foi um acaso – ele e os seus homens iam a caminho de outro TO (Teatro de Operações – são 3 palavras simples e curtas, mas os militares usam oralmente a sigla): “Viemos cá por descargo de consciência, para ver se havia alguma situação de perigo. Fiz o reconhecimento lá ao fundo da frente de fogo e vi que estava com uma velocidade de propagação incontrolável”.

Nos tais cinco minutos providenciais, o capitão Quelhas posicionou as viaturas que tinha, chamou outras patrulhas do GIPS da GNR que sabia que estavam por perto, comunicou o ponto de situação ao comando operacional e pediu que fossem enviados bombeiros. “Foi tudo um trabalho em simultâneo: uns a esticar lanços de mangueira pré-posicionados nos pontos mais críticos e outros a tentar evacuar as casas e pôr as pessoas nos carros.”

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Quando o Observador chegou a Gardete, estavam já vários anexos e ruínas em chamas. E havia militares agitados a bater às portas e campainhas, com um megafone a ampliar a pergunta repetida em tom aflito: “Está alguém em casa?” Estavam cerca de duas dezenas de pessoas, incluindo uma criança de 5 anos e vários idosos. Alguns dos habitantes resistiram porque não queriam largar as suas propriedades. Outros tentaram entrar na capela. Mas todos os que foram identificados foram encaminhados para uma estrada fora de Gardete, mais longe das chamas.

Esta intervenção decorreu precisamente enquanto o Observador estava a acompanhar um dia de combate às chamas deste Grupo de Intervenção, Protecção e Socorro, inserido na Unidade de Intervenção da GNR. Além de terem uma farda amarela, o que distingue afinal estes cerca de 500 operacionais dos bombeiros? É uma força militarizada, são todos profissionais e são um Órgão de Polícia Criminal, ou seja, têm autoridade para deter incendiários e fiscalizar a conservação e limpeza dos terrenos, aplicando coimas aos incumpridores.

Num cenário de combate às chamas, o condutor das viaturas anda armado para qualquer eventualidade – enquanto os outros operacionais trabalham desarmados por questões de segurança, dada a proximidade com o fogo. Deslocam-se em viaturas mais pequenas, pelo que conseguem chegar mais depressa a pontos de difícil acesso e também conseguem sair mais rapidamente caso o incêndio os ponha em risco.

Um comissário da PSP aposentado conta ao Observador como ficou rendido quando os viu atacar o fogo que se aproximava da aldeia de Casas da Ribeira, a 4 km de Mação: “Os GIPS da GNR foram com os carros até lá à ponta, andaram a apagar aquilo, debaixo de um incêndio medonho. Esses gajos, não sei... Algum dia ficam aí”.

Estão mais vocacionados para a primeira intervenção, para travar o avanço das chamas nos primeiros 90 minutos. Aliás, apenas transportam 500 litros de água nos carros, o que torna mais difícil em termos operacionais um combate mais prolongado, que exige mais meios. Dispõem também de helicópteros para transportar rapidamente 5 a 8 militares aos focos de incêndio.

A sua atuação chega a impressionar quem os vê, precisamente pela rapidez. Na véspera, à noite, um comissário da PSP aposentado tinha contado ao Observador como ficou rendido quando os viu atacar o fogo que se aproximava da aldeia de Casas da Ribeira, a 4 km de Mação: “Os GIPS da GNR foram com os carros até lá à ponta, andaram a apagar aquilo, debaixo de um incêndio medonho. Esses gajos, não sei… Algum dia ficam aí”.

Coordenação no terreno: entre GNR e bombeiros, quem manda?

Ao início da tarde desta quarta-feira, os militares do GIPS tinham recebido a missão de travar a progressão de um incêndio junto à A23. Pouco depois chegaram os bombeiros, que ajudaram a combater o mesmo fogo. Como funciona a articulação no terreno entre estas equipas da GNR e os bombeiros? Quem manda?

As missões são atribuídas pelo posto de comando liderado pela Autoridade Nacional de Proteção Civil. Cada sector geográfico de combate ao fogo é, por norma, liderado por um comandante dos bombeiros, a quem os elementos do GIPS da GNR respondem. Quando terminam uma missão, devem informar o comandante dos bombeiros do seu sector, que há-de transmitir ao posto de comando, para que seja atribuída uma nova missão.

“Mas no local temos de ter capacidade de decisão no momento. O comandante deste sector é o comandante de um grupo de reforço dos bombeiros, que responde ao posto de comando. Mas se eu detetar uma situação que rapidamente tem de ser comunicada ao posto de comando, posso fazê-lo. Não estou a ultrapassar ninguém”, frisa o capitão Cunha, comandante da 6.ª Companhia do GIPS (Porto e Aveiro), e que liderou os homens do GIPS deslocados para a zona de Mação por estes dias.

Um dos GIPS contou ao Observador um susto que apanhou por os bombeiros não terem aparecido na sua zona, durante o incêndio de Pedrógão Grande. “Apanhei um susto, o vento aumentou, aquilo começou a galgar, os bombeiros eram para meter viaturas, não meteram. E nós, só com as nossas ligeiras, acabou-nos a água."

“A relação com os bombeiros é boa. A missão é a mesma, as tarefas podem ser diferentes. Mas é uma relação de proximidade, não há subordinação. Ninguém manda e ninguém obedece. Debatem-se as ideias, é melhor por aqui, ou por ali. Há uns que são mais experientes, outros fazem avaliações diferentes”.

Na prática, esta busca do consenso nem sempre funciona. Enquanto circulava a caminho de uma missão, o capitão Cunha identificou uma área florestal em risco. Como estava na viatura de comando, que não tem água nem mangueiras, parou o carro junto a um comandante de bombeiros mais à frente e perguntou-lhe se podia “ir lá dar um saltinho” para controlar aquela zona. Resposta do comandante: “Estamos todos ocupados aqui. Lá em cima já está tudo ardido.” Não estava, mas acabou por não ser tomada nenhuma ação para acautelar a situação no imediato.

Os GIPS da GNR precisam evidentemente dos bombeiros em fogos mais longos. Um dos guardas que estava a combater as chamas junto à A23 contou ao Observador um susto que apanhou por os bombeiros não terem aparecido na sua zona, durante o incêndio de Pedrógão Grande. “Apanhei um susto, o vento aumentou, estavam dois focos diferentes, aquilo começou a galgar, os bombeiros eram para meter viaturas, não meteram. E nós, só com as nossas ligeiras, acabou-nos a água. Não é fácil. São forças diferentes. Mas tudo se ajeita”.

À procura dos chefes das aldeias

A A23 esteve com a circulação cortada devido à proximidade das chamas. A missão do GIPS estava mesmo a terminar quando o capitão Cunha recebeu o pedido de auxílio do capitão Quelhas que dava conta do perigo em que estava a aldeia de Gardete, sem que lá estivessem quaisquer meios de combate às chamas. Seguiu direto para o local, mas mais tarde a Proteção Civil perguntou quem tinha dado autorização para irem a Gardete, o que o capitão Cunha justificou com o estado de necessidade, que acabaria por se confirmar no local. “Eles têm o registo dos meios que estão a operar com missão atribuída. Se saem de lá, quer dizer que essa missão fica comprometida. Nós quando saímos de lá tínhamos acabado de cumprir a nossa missão. Por acaso até estávamos sem missão. Mesmo que não estivéssemos íamos sair à mesma porque o bem público que estava em causa era prioritário. Íamos sair sempre.”

Depois da intervenção rápida que salvou a aldeia de Gardete, o capitão Cunha foi com quatro viaturas percorrer três aldeias mais próximas, para ver a que distância estavam as chamas e preparar a população para uma eventual evacuação. Em cada um destes lugares, quando os GIPS chegavam, assim que encontravam um habitante, a primeira pergunta que faziam era: “Quem é o chefe da aldeia?”.

Em Riscada, uma senhora apontou-lhes espontaneamente um vizinho de chapéu verde. Em Juncais, a chefe era uma taxista. O chefe não é obviamente eleito formalmente, como um presidente de junta. É apontado pelo ascendente natural que tem sobre os outros residentes nestes momentos de aflição. Ou, mais ainda, que é o que interessa aos GIPS quando estão em contra-relógio, por ter informações sobre os outros habitantes: quantos são? Onde estão? Há algum que tenha dificuldades em se movimentar? Há algum que vá resistir num cenário de evacuação? Ao fim do dia, os habitantes de Riscada seriam de facto retirados da aldeia e instalados em Fratel, por precaução.

As falhas de comunicação do Siresp

O capitão Cunha, como chefe da equipa do GIPS, andava com quatro rádios na viatura: um para falar com o posto de comando, outro para falar com o comandante de setor, outro para falar com a equipa que estão a comandar e um de reserva.

Essas comunicações deviam ser garantidas pelo polémico SIRESP, mas o sistema continua a registar falhas, pelo que o capitão Cunha usava ocasionalmente um rádio direto, que permite comunicar entre distâncias mais curtas. “Como as antenas estão a sofrer por causa dos incêndios, as comunicações do SIRESP falham. As antenas ficam inop [abreviatura de inoperacionais] e deviam ser substituídas rapidamente.”

As missões do GIPS desta quarta-feira eram acompanhadas por uma viatura de comunicações, que pode ampliar o sinal da rede SIRESP ou criar canais diferentes de trabalho. Tem também computadores e uma câmara de filmar, que pode ser usada em zonas mais elevadas, para fazer pontos de situação dos incêndios e os transmitir a outras forças.

O capitão Cunha acha que a presença permanente do Presidente da República nas zonas de emergência não atrapalha nada, pelo contrário: “É um reconhecimento: vir ver o trabalho que estamos a fazer. É bom sentir a preocupação de quem está acima”.

A viatura de comando não tem o kit de intervenção (500 litros de água, mais seis lanços de mangueira com 120 metros de comprimento), mas transporta a alimentação e as águas que vão sendo fornecidas a todos os operacionais envolvidos. Tem também o “material de apoio ao comando”, onde sobressaem as sebentas para registar a fita do tempo (um rascunho com o registo das ações desenvolvidas, que dará depois lugar ao relatório de intervenção final).

O relatório deste dia do Grupo de Intervenção da GNR será seguramente longo: ao início da noite, foram mobilizados para ajudar a travar as chamas ameaçadoras que surgiram no horizonte, a uns 500 metros do posto de comando de Mação. Os jipes foram colocados junto a um caminho, entre a cordilheira de labaredas e as casas da vila, onde ao fim da noite centenas de pessoas assistiam à evolução das chamas. Mas o pior cenário não se verificou: o fogo não chegou a Mação – em parte porque as condições meteorológicas ajudaram, mas também por causa do trabalho dos bombeiros voluntários e profissionais e dos operacionais do GIPS, independentemente das rivalidades que possam existir entre os militares e os civis.

“Não digo que esses problemas não existam, mas acho que são coisas pontuais do não conhecimento do que nós fazemos ou vice-versa. Mas quando trabalhamos no terreno criam-se boas relações”, garante o capitão Cunha. Apesar de serem militares da GNR, os elementos do GIPS jantaram no quartel de bombeiros de Mação na noite em que o Presidente da República lá foi. O capitão Cunha acha que a presença permanente do Presidente nas zonas de emergência não atrapalha nada, pelo contrário: “É um reconhecimento: vir ver o trabalho que estamos a fazer. É bom sentir a preocupação de quem está acima”.

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