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Ilustração: Milton Cappelletti

Ilustração: Milton Cappelletti

É preciso um mergulho no Tejo? Guia para candidatos desconhecidos

Sampaio da Nóvoa, Henrique Neto e Paulo Morais já andam na estrada a nove meses de distância das presidenciais. Passeios de bicicleta, Ovibeja, jantares. O que é preciso fazer para ganhar notoriedade?

A estrada para Belém é longa e cheia de obstáculos. Que o diga Jorge Sampaio. Em fevereiro de 1995, o então presidente da Câmara Municipal de Lisboa anunciou a candidatura ao cargo de Presidente da República. Decidiu arrumar as malas, marcar pontos no mapa e fazer-se à estrada quase um ano antes de os portugueses irem às urnas. Mas os meses de inverno foram duros e deixaram marcas no candidato. A certa altura, “Sampaio já não sabia o que ter em cima do corpo, porque ficava sempre encharcadíssimo”, começa por contar José Manuel dos Santos, ex-assessor de Mário Soares e de Jorge Sampaio. A chuva era tanta e o desgaste tão grande que Sampaio “teve de comprar umas botas especiais porque andava sempre com os pés encharcados”.

Se a regra de aconchegar o corpo (e os pés) tem de estar obrigatoriamente no guia de “Como Sobreviver à Corrida Presidencial”, ter um olho na concorrência e espírito de sacrifício vêm logo a seguir. Tropeções de percurso todos têm e curvas mal feitas todos fazem, mas parar não é opção, faça chuva ou faça sol. “Uma campanha porta a porta exige um terrível espírito de sacrifício. E quase nenhum candidato escapa sem se constipar. Mas um dia perdido pode representar uma grande vantagem para o adversário e um grande inconveniente para o candidato. Um político que pare transmite a sensação de fraqueza”, explica José Manuel dos Santos ao Observador.

Mas há máquinas e máquinas, candidatos e candidatos. Há quem corra com ajuda do aparelho partidário e há quem corra (praticamente) sozinho. Sampaio da Nóvoa, Henrique Neto e Paulo de Morais começaram a corrida cedo, partem para as presidenciais de 2016 como candidatos independentes e têm um problema (de falta) de notoriedade. Terão fôlego para fazer a “Volta a Portugal” das presidenciais? Eles dizem que sim e já se fizeram à estrada. Mas há regras que não podem esquecer.

#Regras nº 1 e 2: Aconchegar o corpo (e os pés) e ter espírito de sacríficio

Sampaio da Nóvoa. Partir primeiro e pedalar pelo país para fugir da “caixa” da Universidade

Sampaio da Nóvoa apresentou a candidatura a 29 de abril, num lotado Teatro Trindade, em Lisboa – estava dado o tiro de partida da pré-campanha eleitoral. Entretanto, já percorreu quilómetros entre o Alentejo, onde petiscou na feira da Ovibeja, e Brasília, onde se juntou aos emigrantes portugueses no Brasil para as comemorações do 10 de junho. Pelo meio, pedalou na 23.ª edição do passeio Lisboa Antiga de Bicicleta. Ele que sempre fez da bicicleta o seu transporte de eleição, mesmo quando era reitor da Universidade de Lisboa. E como pedalar sem apoio moral custa sempre mais, pelo caminho ainda conseguiu a boleia de três ex-Presidentes da República – Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio.

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O facto de ter decidido avançar para a corrida às presidenciais quase um ano antes das eleições “possibilitou que os três ex-Presidentes, com estilos [e origens políticas] diferentes o apoiassem”, defende Vítor Ramalho, ex-deputado do PS e um confesso apoiante de Sampaio da Nóvoa desde o primeiro momento. “Esse apoio é muito relevante porque permitiu a convergência de estilos diferenciados” em torno do antigo reitor. Mais: ajudou a alargar a base de influência de Nóvoa, diz Vítor Ramalho.

Mas para chegar em primeiro lugar a Belém, não basta partir antes dos outros. Sampaio da Nóvoa terá de trocar a bicicleta por um meio de transporte mais rápido – é que voltas a Portugal há muitas, mas a que conta já começou. Esta semana, o ex-reitor calcorreou os primeiros quilómetros oficiais da pré-campanha eleitoral em Braga e Viseu, mas foram apenas as duas primeiras etapas da Volta.

O objetivo de Sampaio da Nóvoa, nesta primeira fase, é correr em vários distritos de norte a sul do país, do interior ao litoral. Tomar o pulso às regiões mais envelhecidas, parar obrigatoriamente nos distritos com maior taxa de desemprego, sem nunca esquecer os com maior concentração de jovens. Entre curvas e contracurvas, o homem que quer suceder a Cavaco Silva vai arriscar vencer a montanha e tentar somar pontos nos sítios mais improváveis. Isto se quiser vencer a corrida. É que sem “bater muito terreno” não dá para cruzar a meta, sublinha António Cunha Vaz, consultor de comunicação e homem forte da candidatura de Carmona Rodrigues à presidência da Câmara de Lisboa em 2005.

#Regra nº 3: Apanhar a boleia de quem já percorreu a mesma estrada

“Se quer ter hipóteses de vencer, Sampaio da Nóvoa tem de conhecer o país. Alguém que nunca ‘saiu da universidade’ tem de andar pela rua, tem de ir às feiras, tem de estar com as pessoas. Tem de as ouvir e falar com elas”, começa por dizer Cunha Vaz, dando o exemplo da campanha autárquica de Carmona Rodrigues, que um ano antes deixara a pasta das Obras Públicas do Governo de Durão Barroso para substituir Santana Lopes, acabadinho de chegar a São Bento. Então um ilustre desconhecido do eleitorado lisboeta, longe de ser “um político bonito e querido na máquina partidária”, Carmona teve de se fazer à estrada e acabou a percorrer “todos os bairros e todas as ruas de Lisboa”, conta Cunha Vaz ao Observador. Para um candidato com pouca notoriedade “não há outra forma de o fazer”.

Mas atenção: a fórmula de sucesso passa por convencer quem não está convencido e não pregar sempre nas mesmas freguesias. Até porque salas de comícios cheias não são sinónimo de sucesso eleitoral, considera o consultor. “As pessoas que vão aos comícios são as que já estão com o candidato. É o mesmo que um católico ir pregar para uma igreja ao domingo. Lá já estão os fiéis“. Foi isso que aconteceu a Luís Filipe Menezes nas autárquicas de 2013, quando o ex-autarca de Gaia tentou suceder a Rui Rio no Porto. “Os comícios [de Menezes] estavam sempre cheios. Mas era o pessoal da campanha que levava autocarros cheios de Gaia para o Porto. Não havia eleitores do Porto nesses comícios”, explica. Na vida dura da estrada há que evitar falsos banhos de multidão, não vá a máquina ficar enferrujada.

Sampaio da Nóvoa em visita à Associação de protecção aos Diabéticos de Portugal. Créditos: Gustavo Bom / Global Imagens

Mas uma coisa o antigo reitor já conseguiu: vencer (algumas) vozes críticas que se levantaram contra ele no interior do PS. Se é verdade que agora corre sozinho, mais lá para à frente (provavelmente depois das legislativas) poderá ver os socialistas a dar-lhe a mão. Mas a relação entre Nóvoa e alguns setores socialistas começou tremida, como reconhece Vítor Ramalho. “Sampaio da Nóvoa apareceu na altura adequada, antes da apresentação das listas de deputados e das eleições legislativas”. A especulação sobre se avançaria ou não estava a dividir o partido, mas agora “as vozes do PS que se interrogavam sobre o candidato” deram lugar ao “apoio expresso ou tácito” da maioria do aparelho partidário socialista, considera o ex-deputado.

Resta convencer o eleitorado e tentar a sorte entre os partidos à esquerda do PS. Vítor Ramalho acredita que, neste ponto, Sampaio da Nóvoa tem tudo para ter sucesso, até porque representa a “base sociológica maioritária do povo português”, que não se vê representada “institucionalmente”. Mais: o ex-reitor dá à esquerda “um candidato que pode aprofundar [e fazer convergir] essa base sociológica”, coisa que a direita não tem. “Candeia que vai à frente alumia duas vezes”, lembra o ex-deputado socialista.

#Regras nº 4 e 5: Partir mais cedo que os outros para silenciar a contestação interna e "bater muito terreno" 

Henrique Neto. Com um olho na televisão e outro na estrada, apesar do calor

Sampaio da Nóvoa até pode ter partido cedo para a corrida, mas, antes dele, já Henrique Neto andava na estrada, à procura do caminho certo para Belém. Entre debates, tertúlias e palestras ora em Coimbra e Vila Nogueira de Azeitão, ora em Aveiro e Lisboa, ou entre Oliveira de Azeméis e Pombal, o ex-deputado do PS lá vai arranjando tempo para se encontrar com os partidos e com os parceiros sociais.

O “muito calor” que se tem sentido, esse, é que não tem ajudado, queixa-se Henrique Neto. Nada que atemorize “um socialista dos quatro costados e um homem que não vira a cara a nada”, revela fonte da campanha do empresário da Marinha Grande, que está disposto a ir “onde estiver um português”, mesmo que seja o “sítio mais recôndito do país”.

Mas ir e “apertar a mão das pessoas” não basta, diz Henrique Neto. “Eu quero genuinamente saber o que as pessoas pensam sobre o país”. E até agora tem corrido “muito bem”, garante. “As pessoas quando me encontram dizem: ‘ah, a minha mulher e o meu filho gostam muito de si e já disseram que vão votar em si'”. O self-made man da Marinha Grande está disposto a chegar ao maior número de potenciais eleitores, sem esquecer os mais jovens. Entre as muitas entrevistas que deu a vários órgãos de comunicação social, Observador incluído, Henrique Neto até se estreou em programas de humor. Primeiro, na RTP, no “5 para a meia-noite” e, quase um mês depois, no “Inferno” do Canal Q. As experiências, diz, foram muito positivas e até lhe valeram elogios inesperados. Mas atenção: programas de humor não são para todos os candidatos.

#Regra nº 6: Não deixar que o cansaço e as contrariedades o tornem mais lento

Pelo menos, foi o que pensou Artur Pereira, diretor da campanha de Fernando Nobre, candidato independente às eleições presidenciais de 2011 – o tal que, sozinho e sem apoio do aparelho partidário, conseguiu 14% dos votos e quase 600 mil votos, apenas menos 200 mil votos do que Mário Soares, candidato do PS nas presidenciais de 2006, por exemplo. Mas, apesar dos bons resultados, programas humorísticos não eram mesmo para Nobre, conta Artur Pereira.

“O Nobre foi convidado para ir a um programa do Herman José, na altura. A assistente da SIC andou a perseguir-nos, mas nós tivemos de recusar gentilmente. O Nobre não é uma pessoa com capacidade para ripostar com sentido de humor. Podia reagir mal a um disparate do Herman ou reagir com um disparate ainda maior. Podia sair maltratado do programa e, por isso, decidimos que era melhor ele não é ir”, revela o diretor da campanha de Nobre.

Ele que, mais do que ninguém, sabe o que é andar na estrada. Ex-militante do PCP, Artur Pereira esteve com o presidente da Assistência Médica Internacional (AMI) desde o primeiro momento até ao final da campanha. “Entre março de 2010 e janeiro de 2011, foram 470 iniciativas, mais de 23 mil quilómetros percorridos”, centenas de terras, feiras e festas visitadas entre o norte e o sul do país.

A pré-campanha foi mais difícil, confessa. As viagens eram feitas muitas vezes no “carro próprio de Fernando Nobre” ou em “carros emprestados de militantes, muitos sem o mínimo de condições”. Com pouco dinheiro no bolso, ficar em hotéis não era opção e Nobre voltava muitas vezes para casa de carro, no mesmo dia, estivesse onde estivesse. A luz vermelha da desistência chegou a acender-se na cabeça do candidato. “Isto era muito desgastante e cansativo para Fernando Nobre”. Ao mesmo tempo, “era preciso lidar com a pressão familiar” e com “uma certa má imprensa”, que o desvalorizava e atribuía uma imagem anti-partidos que nunca cultivou. Nobre “sentia-se insultado” e “ficava muito magoado” com estes ataques, admite Artur Pereira. “Esses momentos, acumulados com o cansaço, foram difíceis de ultrapassar” e obrigaram a muitas conversas de incentivo mútuo entre candidato e diretor de campanha.

Com calor ou sem calor, cansaço é uma palavra que não sobrevive muito tempo no dicionário de Henrique Neto. “Há dias em que chego ao fim do dia cansado, claro. Mas não há nada que uma boa noite de sono não resolva. Sabe que eu, enquanto empresário, calcorreei o mundo inteiro. Às vezes falava de manhã com uma empresa em Nova Iorque, à tarde encontrava-me com outra em Chicago e às vezes ainda voltava a Nova Iorque à noite. Estou treinado para esse estilo de vida“, garante Neto.

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Henrique Neto no programa Inferno, do canal Q

#Regra nº 7: Adequar o tipo de discurso à "personalidade política do candidato". Momentos embaraçosos (sobretudo na televisão) podem destruir a campanha

Paulo de Morais. Ouvir as amarguras na rua, sem desligar o Facebook

Quando os outros dois candidatos a Belém se preparavam para arrumar as malas e partir de Lisboa em direção ao resto do país, Paulo de Morais fazia o mesmo, mas a partir do Porto, saído diretamente do histórico café Piolho. O ex-vice-presidente da Câmara portuense já andou por tudo o que era sítio: de Portimão a Ponte de Lima, de Lagos às Caldas da Rainha, de Cascais a Gaia, sem esquecer a capital do país, claro. Por conta própria, de comboio ou automóvel, porque os cofres não são grandes e Paulo Morais não quer ter nada a ver com os partidos do regime.

Ao Observador, o antigo vice-presidente da Direção – Transparência e Integridade, Associação Cívica explica que tem apostado numa pré-campanha “muito personalizada”, alternando a sua agenda entre “iniciativas mais de rua, tertúlias mais informais e intervenções em palestras”. “Não há um modelo pré-programado. Quero diversificar muito em função das pessoas com que vou falar. Nem faria sentido que fosse de outra forma”, concretiza.

Das primeiras semanas na rua, só tem maravilhas para contar. “As pessoas vêm falar comigo, vou ouvindo as suas amarguras, os seus problemas e as suas ideias para o país. Muitas vêm ter comigo para me felicitar pela minha coragem de avançar”. Tem recebido muitos convites e dividido o tempo entre entrevistas a meios de comunicação social (nacionais e regionais) e encontros com várias associações. Mas há uma coisa que se recusa fazer: aceitar convites de “entidades ou dirigentes”, que do seu ponto de vista, “não são credíveis”.

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Paulo de Morais numa ação de recolha de assinaturas no Porto

Pelo meio, ainda há tempo para escrever na sua coluna semanal no Correio da Manhã e discutir com Marinho e Pinto no programa “Fogo contra Fogo” da CMTV. E claro, tempo para alimentar a página oficial do Facebook, uma aposta clara do candidato para marcar a diferença. Em breve, revela, vai lançar um site oficial da candidatura, mas, para já, a rede social tem permitido “que um grande conjunto do eleitorado” chegue até ele. “[Nas iniciativas da pré-campanha] há sempre alguém que presente que soube pelo Facebook o que ia acontecer. Nesse aspeto, é um instrumento essencial“, insiste.

Foi lá, no Facebook, que celebrou o 25 de abril, aproveitando a rede social para partilhar uma mensagem em vídeo e para responder às perguntas dos seguidores. E, por isso, mesmo reconhecendo que nos próximos meses tem de fazer um esforço para aumentar a sua notoriedade, Paulo Morais puxa dos galões quando é altura de falar de popularidade nas redes sociais. É que se nas sondagens oficiais, o portuense tem números tímidos, no que diz respeito aos “gostos” no Facebook, é rei e senhor, bem à frente de Sampaio da Nóvoa e Henrique Neto combinados.

#Regra nº 8: Ter cuidado com os falsos banhos de multidão. Comícios cheios e apoios no Facebook podem não chegar para ganhar.

Ainda assim, sem uma rede social na estrada, não há rede social online que valha. Paulo Morais tem-se esforçado por apoiar os voluntários no terreno, os mesmos que o ajudam a recolher assinaturas e a organizar os eventos em que participa. O portuense não poupa elogios às pessoas que o ajudam, mas é preciso ter cuidado com a boa vontade dos voluntários e estar atento à falta de preparação de quem se dispõe a ajudar, explica Artur Pereira, homem forte de Fernando Nobre, para quem a rede de voluntários que se criou em todo o país fez parte do sucesso da campanha do presidente da AMI. Mas foi preciso fazer muito trabalho de bastidores, confessa.

“Foi criada uma rede nacional de voluntários que ia desde de Viana do Castelo até Faro. A qualquer lado que Fernando Nobre fosse, a norte ou a sul do país, estava lá alguém”, recorda Artur Pereira, com um certo brio. Os apoiantes foram “incansáveis”, mas o amadorismo da maioria das pessoas envolvidas trouxe alguns amargos de boca.

“Quase posso dizer que os voluntários tiveram de ir à recruta. Tive de preparar dois documentos, um a explicar como se preparava uma reunião e outro a dizer como se organizava um evento político. Por muita boa vontade que exista, é completamente diferente pedir ao Joaquim, ao Zé ou ao Manel para organizar um comício, do que pedir a um aparelho já montado e com experiência”.

Na rua, havia situações exasperantes. “Em campanha, quando parávamos para almoçar ou jantar, Fernando Nobre ia para uma mesa, sentava-se, e, muitas vezes, ninguém ia com ele, por respeito ou receio de o incomodar”, começa por contar Artur Pereira. “Tive de lhes dizer que o candidato não podia aparecer só, que tinha de haver sempre uma moldura humana ao lado e atrás de Fernando Nobre” para não transmitir a imagem errada de que a “campanha estava frouxa”. Quando andavam na rua, era preciso lembrar os voluntários que tinham de agitar as bandeiras, porque às tantas esqueciam-se e andavam com elas “em cima do ombro ou mesmo debaixo do braço“.

Depois, era também preciso “dosear muito bem a energia e a entrega dos voluntários” e saber dizer-lhes que não. “Houve uns voluntários que se propuseram a ir buscar o José Mourinho ao Real Madrid para que ele viesse apoiar o Nobre. Tinham plano e tudo: iam de carro até Madrid, por conta própria, e só saíam de lá quando convencessem o Mourinho a vir para Lisboa. Tive de lhes dizer simpaticamente que não”, lembra Artur Pereira. Ou seja, ter muita gente disposta a ajudar é essencial para uma candidatura verdadeiramente independente, mas é preciso organização.

Regra nº 9: Muitos voluntários são bons. Mas é preciso educá-los: não podem deixar o candidato sozinho e não se podem esquecer de agitar as bandeiras. E é preciso dosear o entusiasmo - ir buscar José Mourinho a Madrid pode não ser assim tão boa ideia.

Com tanta estrada, ainda é preciso “mergulhar no Tejo”?

Há 25 anos, na campanha autárquica mais louca que Lisboa já teve, Marcelo Rebelo de Sousa, então longe de ser uma figura tão conhecida da política portuguesa – apenas 20% dos lisboetas sabiam quem ele era – esforçava-se para se dar a conhecer: entre serões noturnos animados, lançou a sua candidatura com um mergulho no Tejo, na altura um dos rios mais poluídos da Europa. E não ficou por aí: passou um dia a conduzir táxis, outro a correr em Monsanto e uma noite a recolher o lixo. Apesar dos esforços, o professor acabou por ser superado por Jorge Sampaio, então secretário-geral do PS.

Nesta corrida presidencial, Sampaio da Nóvoa, Henrique Neto e Paulo de Morais partem numa posição semelhante à de Marcelo Rebelo de Sousa: são corredores desconhecidos da grande maioria dos portugueses e têm de sprintar se querem acabar em ombros no final da corrida. Será que vão usar “o mergulho no Tejo” de Marcelo como atalho na sinuosa estrada até Belém?

Claro que há mergulhos e mergulhos, uns mais criativos e mais mediáticos do que outros. Sampaio da Nóvoa, por exemplo, já deu o seu, segundo Vítor Ramalho. E não, não foi quando andou de bicicleta em Lisboa, porque isso, diz quem o conhece, é uma paixão antiga que traz desde os tempos da Universidade. O antigo reitor fê-lo quando foi ao Brasil comemorar com os emigrantes portugueses o Dia de Portugal, considera o ex-deputado do PS. “O Tejo é a saída para o mundo, foi lá que tudo começou” e numa altura em que “vivemos problemas gravíssimos na Europa e na Grécia”, que terão “repercussões inevitáveis no nosso país”, o futuro de Portugal passa por reforçar os laços “com o mundo da lusofonia, mas também com as comunidades ibero-americanas”. E, nesse sentido, Sampaio da Nóvoa já deu braçadas decisivas no rio que liga o país ao resto do mundo, diz Vítor Ramalho.

Já Henrique Neto preferiu nadar noutras águas. “Eu já dei o meu mergulho no Tejo quando fiz a barba em tronco nu para uma fotografia do Expresso. O que não significa que não possa dar mais”, revela ao Observador.

Quem garante que não vai dar qualquer mergulho, literal ou metafórico, é Paulo Morais. Nem que disso dependa uma vitória nas presidenciais de 2016. “Não estou a organizar uma campanha para os media, nem quero usar as pessoas como figurantes. Não vou a feiras e a festas porque lá não tenho nada a dizer. Iniciativas de caráter mais espetacular, mais circense, não farão parte da minha campanha“, assegura.

Para António Cunha Vaz, de “mergulhos no Tejo” estão os portugueses cheios. E se em 1989, “houve alguém que aconselhou muito mal Marcelo Rebelo de Sousa”, hoje em dia, ações deste género são meio caminho andado para a catástrofe nas urnas. “As pessoas estão muito cansadas de demagogia. Os candidatos precisam de muito bom senso e de se afirmarem acima de todas as palhaçadas”.

José Manuel dos Santos, assessor de Mário Soares e de Jorge Sampaio, acredita que uma campanha de sucesso depende de um equilíbrio constante entre fator “proximidade e mediatismo”. Não basta calcorrear quilómetros, é preciso aparecer na televisão. Mas é preciso “dizer coisas que se ouçam para aparecer na televisão”. Aparecer por aparecer sabe a pouco.

“No passado, aparecer nas terras era mais importante. Quanto mais pequena fosse a terra, mais a presença do político se notava. Agora o paradigma talvez se tenha alterado ligeiramente. Há mais canais de televisão, as oportunidades para aparecer são maiores. E depois há quem faça a campanha à procura de construir cenários que apareçam bem na televisão e não tanto aquela campanha porta a porta. Cavaco Silva, por razões várias, planeou sempre cenários para aparecer na televisão”, explica José Manuel dos Santos.

Com mais ou menos exuberância, os três candidatos terão de aparecer – na estrada, junto das pessoas, mas também na televisão. Ou arriscam-se a ficar pelo caminho.

#Regra nº10: Por fim, atenção aos acidentes de percurso. "Megulhar no Tejo" pode não resultar assim tão bem, mas ficar sem bandeiras, cartazes e folhetos em plena campanha pode ser "trágico".

Ah, e atenção aos acidentes de percurso

Sem uma máquina bem preparada e oleada, não há campanha que aguente. Garante quem mais percebe do assunto que um bom arranque inicial é decisivo para o sucesso da candidatura. E todos os detalhes devem ser pensados à medida do candidato. “A boa campanha é aquela que se adequa à personalidade política do candidato”, sublinha José Manuel dos Santos. Até porque a vida na estrada não é para qualquer um. “Há políticos que temem muito a campanha porta a porta porque é mais imprevisível e menos controlada. Ninguém está livre de ouvir ‘ah, o senhor é um bandido’. Tem de estar pronto a reagir“, explica.

E há quem reaja de forma diferente, continua José Manuel dos Santos. “Soares era muito hábil nisso. Tinha vivido tempos de grande combate político, era muito hostilizado por alguns setores, mas fazia esse contacto com os populares sem rede. Quando percebia que alguém o estava a contestar ele respondia logo: ‘Repita lá na minha cara o que está a dizer!‘”.

Já Jorge Sampaio “tinha uma capacidade um pouco diferente”: era “mais humano, menos político“, sublinha o ex-assessor de ambos. “Ele [Sampaio] tinha uma capacidade muito grande de ver entre a multidão e de isolar quem lhe parecia precisar de uma palavra. Tinha um bom instinto para perceber que as pessoas precisavam dele”.

Fernando Nobre, por outro lado, sentiu algumas dificuldades no início – teve de ser “educado” para saber lidar com as multidões, conta Artur Pereira. “Nobre tinha algum pudor em incomodar as pessoas e ir lá apertar-lhes a mão. Mas eu dizia-lhe: ‘Nobre tens de ir lá, tens de falar com as pessoas. No final da campanha, o Nobre já falava com toda a gente, sem qualquer problema”.

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Fernando Nobre na descida da avenida da liberdade no dia 25 de abril 2010. Candidato independente, acabou em terceiro lugar nas presidenciais de 2011. Artur Pereira, diretor da campanha, acredita que “é irrepetível”.

Mas já diz a sabedoria popular que não é possível fazer omeletes sem ovos. “Não há marketeer nenhum no mundo que consiga transformar uma lata de atum num ramo de flores”, diz António Cunha Vaz, consultor de comunicação. E aqui entra a necessidade de adequar o discurso do candidato ao eleitorado a que se dirige. “O candidato pode ter um discurso brilhante para uma sala cheia de académicos, mas depois é uma porcaria para o povo. Têm de sentir tudo o que dizem” e, sobretudo, “não podem andar a fazer promessas facilmente desmontáveis”.

Até ver, Vítor Ramalho considera que Sampaio da Nóvoa está a cumprir bem a missão, optando por alguma (e saudável) “discrição” e por um discurso que não se cola “a uma lógica radical de esquerda”. “Nóvoa não tem feitio para isso, nem pode fazê-lo no contexto atual que o país e a Europa atravessam“.

Henrique Neto, por sua vez, está decidido a “apresentar algumas ideias que não sejam o mainstream da política portuguesa dominante”. Mas só se forem “ideias credíveis”, assegura. “Os portugueses querem pessoas que não as enganem que sejam credíveis. Estão todos tão irritados com o poder político em Portugal que aderem a qualquer coisa que mexa em sentido contrário“, sublinha.

Um discurso semelhante ao de Paulo de Morais. O portuense garante estar focado em marcar a diferença pelas “ideias e soluções que propõe para o país” e não criando uma personagem para eleitor ver.

Por fim, de mapa na mão, com a comitiva preparada e o discurso afinado, é importante estar preparado para todos os imprevistos. Ou os resultados podem ser desastrosos, como chegou a temer Artur Pereira durante a candidatura de Fernando Nobre em 2011.

Na altura, depois de entrarem em litígio com o senhorio que lhes arrendava a sede nacional da candidatura em Lisboa, a equipa de Fernando Nobre foi avisada “pelos advogados de que poderia haver uma ação judicial no sentido de arrestar todos os bens da candidatura – bandeiras, folhetos, cartazes – nas várias sedes espalhadas todo o país”, começa por contar o diretor da campanha.

“Podia ter sido trágico”, mas não foi. Não foi, porque a rede de voluntários mobilizou-se, “tipo resistência francesa”, e criou “mais de 100 locais clandestinos, entre carros, garagens, barcos e casas”, onde guardou “todo o material de campanha”, revela Artur Pereira. “No princípio do dia de campanha, os voluntários levavam os materiais desde casa [ou onde os tivessem guardado] e, no final dia, guardavam tudo religiosamente”. Tudo clandestinamente.

Apesar de garantir que foram “alvos de várias provocações durante toda a campanha” por parte de “alguma concorrência que estava preocupada com a candidatura de Fernando Nobre”, Artur Pereira prefere não falar em boicote. Mas serve de aviso para os outros candidatos: na corrida para Belém, ninguém pode tirar os olhos da estrada, mas todos têm de estar atentos a eventuais ultrapassagens. Será que vão conseguir?

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