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Quem é Donald Trump?

A pergunta é mais lógica do que parece. Presente no cenário mediático americano desde há 40 anos, Donald J. Trump é pouco conhecido e ainda menos entendido fora das fronteiras americanas. Nascido em 1946 de uma família milionária com interesses no imobiliário, Donald foi o quarto de cinco irmãos, tendo revelado brilhantismo desde cedo, o que lhe garantiu uma carreira notável na academia militar e na Universidade da Pensilvânia.

Empenhado na empresa familiar, tomou posse da presidência da Trump Organisation e reforçou o império imobiliário tendo como base primeiro Nova Iorque e depois Atlantic City. Casou-se com uma modelo checa, Ivana Winklmayr, entrando decisivamente no circuito de estrelas sociais americanos no final dos anos setenta. Foi uma das figuras de proa dos anos loucos do capitalismo americano, passando depois parte dos anos noventa a recuperar do rebentamento da bolha do imobiliário. Em 2003 voltou ao centro da vida mediática americana, desta vez para ficar: estreou O Aprendiz, onde assumiu a liderança de um reality-show que procurava um candidato a entrar no mundo dos grandes negócios. A frase com que despachava os candidatos – “You’re fired” – colou-se a ele como uma segunda pele, ajudando a reforçar o ícone de empreendedor imparável.

Depois de muitas polémicas televisivas e de outras tantas no mundo dos negócios – onde foi acumulando riqueza com a mesma facilidade com que deixou falir partes do negócio -, consolidou-se como uma figura sem medo das palavras nem das polémicas. O divórcio de Ivanka encheu os jornais, tal como o casamento com Maria Maples, que durou até 1999. Desse tempo diz que o único arrependimento que tem é “não ter conseguido fazer a corte a Diana Spencer, uma genuína princesa”.

Deixou circular a possibilidade de ser candidato em 2011, mas sem chegar a assumir esse papel. Em 2015 decidiu-se e tomou parte na corrida republicana, sempre dando a entender que poderia ser candidato independente. Apesar de tentar ter postura presidencial não tem mostrado grande jeito a lidar com a águia careca, o símbolo dos EUA, como este vídeo confirma:

https://www.youtube.com/watch?v=Q_B9tHGgJp0

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Qual é a relação de Trump com a política?

Donald Trump tem apoiado candidatos republicanos e democratas, como confirmou um relatório independente publicado em 2012. Nos últimos 25 anos, entre candidatos a senadores, governadores e presidentes, Trump apoiou 96 candidatos – dos quais apenas metade eram republicanos. Nas presidenciais de 2012 apoiou McCain, que agora criticou. Mas também apoiou Hillary Clinton, que admitiu ter beneficiado com dinheiro para a campanha.

Não será propriamente o currículo mais recomendável para se afirmar como candidato pelos republicanos, mas tem justificado isso com o pragmatismo necessário a quem tem negócios e está na esfera pública norte-americana. Desde que se assumiu como candidato tem feito um esforço para se mostrar coerente com os pergaminhos republicanos mas impede que seja visto como um corpo estranho no partido – pelo que defendeu e pelo que defende.

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Quais são as principais ideias políticas que defende?

São, no mínimo, pouco convencionais – no máximo xenófobas. Sem experiência de serviço público nem conhecimento específico de como funciona o governo, Trump tem apresentado uma série de ideias irrealizáveis e sugerido políticas de contornos racistas. Mas vamos por partes. A mais recente proposta de Donald Trump é conversar com Bill Gates para “fechar a internet” de forma a conter o estado islâmico – e é um belo exemplo de como se pode fazer uma tirada simplista baseada na ignorância estrutural de como as coisas funcionam. Não só Bill Gates tem muito pouco a ver com a internet como, mesmo que se juntassem os responsáveis da Google, do Facebook, da AOL e do Yahoo, estes juntos não poderiam fechar a internet – que é um sistema descentralizado que já não depende de um único país nem sequer apenas do ICANN.

E esta ideia peregrina surgiu um dia depois de ter proposto fechar as fronteiras dos Estados Unidos a todos os muçulmanos, tendo como pretexto a segurança dos Estados Unidos: “Os muçulmanos devem ser total e completamente banidos de entrar nos Estados Unidos da América até que os representantes do nosso país consigam descobrir o que está a acontecer”. Para lá do evidente contexto racista, a proposta é impraticável e iria assegurar uma crise social tremenda por causa dos cinco milhões de muçulmanos devidamente integrados – e de 3409 soldados muçulmanos ativos nas forças armadas americanas, alguns em cenário de combate. Já antes tinha defendido fechar o país aos refugiados da guerra na Síria e fechar algumas mesquitas e centros de estudo religiosos muçulmanos.

Mas isto não é uma novidade: no momento em que anunciou ser candidato a candidato, Trump tinha proposto construir um muro entre os Estados Unidos e o México – acusando os latinos de serem os responsáveis pelos males da América. Começou aí o rol xenófobo do candidato, a que se juntou rapidamente uma sequência de insultos a mulheres e utilização de minorias como fatores de humor. Tudo isto porque Trump busca o populismo e o sucesso imediato nas sondagens – mas esta agitação de fantasmas tem consequências para o sistema político que são impossíveis de calcular.

Trump já foi pro-choice mas agora é pro-life, o que significa que passou de defensor do aborto a defensor da primazia do direito à vida. Já defendeu os serviços públicos mas afirma-se completo opositor do pacote Obamacare. Já disse entender a globalização mas quer cortar a direito na OMC e aumentar brutalmente os impostos para produtos importados, na esperança de aumentar a procura interna. É isolacionista e quer acima de tudo preservar as fronteiras dos Estados Unidos, tendo uma visão limitativa da política externa americana.

Propostas inovadoras não existem, ideias populistas sim. E são de esperar mais algumas, especialmente se se confirmar a descida nas sondagens – não é por acaso que o ataque aos muçulmanos tenha surgido no mesmo dia em que uma sondagem revelou que está em segundo na corrida republicana no Iowa.

 

 

 

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Quem é que o apoia?

Trump tem o apoio direto de uma grande parte do Tea Party, a fação conservadora e politicamente correta do Partido Republicano. Granjeou também protetores famosos como Clint Eastwood, Mike Tyson e Dennis Rodman. Mas a maior faixa de apoiantes está na massa anónima de eleitores, desencantados com os candidatos tradicionais que estarão demasiado longe do cidadão comum. Trump tem fama popular de ser mais genuíno e honesto que outros candidatos e por isso apanha também os eleitores desencantados com a política.

O problema é que apanha também os extremistas que vivem afastados da realidade. Uma sondagem do Public Policy Institute apurou que 66 % dos apoiantes de Trump acreditam que Barack Obama é muçulmano e 61% acredita que ele não nasceu nos Estados Unidos, ecoando mensagens emitidas repetidamente pela Fox e outros meios de comunicação ultra-conservadores com pouca preocupação pela objetividade.

 

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E quem o contesta?

Já a lista de contestatários continua a crescer. No campo dos famosos estão Ricky Martin, Shakira, Matt Damon e Eva Longoria. Os meios de comunicação mais respeitáveis decidiram atacar também com firmeza o candidato: o Huffington Post estava a cobrir a candidatura de Trump na secção de Entretenimento e decidiu mudar para a Política, mas sem medo de denunciar o extremismo do candidato; e o Buzzfeed emitiu uma nota à redação afirmando que os seus repórteres não devem temer apelidar as ideias e atitudes de Trump como racistas sempre que tal seja necessário; Tom Brokaw, um dos jornalistas mais respeitados nos Estados Unidos, afirmou que Trump é um demagogo do calibre de Joe McCarthy.

Mas mais relevante ainda será o distanciamento que figuras de proa do Partido Republicano estão a exercer, especialmente desde a tirada sobre banir muçulmanos. É um rol de notáveis do próprio partido que critica a nova postura do candidato Trump: Dick Cheney, Paul Ryan, Jeb Bush e muitos outros senadores vieram a público criticar as ideias do candidato. Paul Ryan, representante dos republicanos na Câmara alta e presidente do partido, foi muito direto: “Isto não é conservadorismo e não nos representa como partido”.

A isto Trump respondeu como sabe: com a fuga para a frente, ameaçando com uma corrida independente que deitará por terra qualquer expectativa de vitória dos republicanos. Bastou um tweet, mesmo que pouco explícito, para indicar a disponibilidade do candidato:

 

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Ele tem alguma hipótese de ser eleito?

Neste momento, muito poucas. É preciso apresentar devidamente o contexto: Trump é apenas candidato a candidato do Partido Republicano. Tem-se aproveitado da imensa fortuna pessoal e do desnorte político dos republicanos – em grande medida porque a fação do Tea Party não se uniu em torno de um candidato e deixou os apoios dispersos. Trump começou assim por apelar ao lado mais conservador do partido, juntando a isso a aura de empreendedor bem-sucedido que se valeu da popularidade televisiva.

Donald Trump aproveitou-se da crise dos meios de comunicação norte-americanos para aumentar a notoriedade, criando um círculo vicioso em que as suas polémicas são altamente amplificadas porque garantem maiores audiências, levando o candidato a ir cada vez mais longe em busca do mediatismo. E já ninguém espera que uma intervenção do candidato seja neutra ou sequer vagamente polémica, o que garante uma cobertura absolutamente desproporcionada face à relevância do candidato. E até à polémica com os muçulmanos, poucos meios queriam ser associados aos que criticam Trump, com medo de perder as audiências que ele garante.

Ao início muitos republicanos apoiaram Trump porque viram nele uma real hipótese de vitória. Mas a verdade é que atualmente o Partido Republicano tem mais a perder do que a ganhar com um homem que não é controlável e que não é capaz de passar a mensagem dos valores que estes defendem. A forma virulenta como tem atacado os colegas de partido é a confirmação de que Trump só se interessa… por Trump. E isso seria destrutivo para um partido com aspirações locais e nacionais e que é muito diverso na sua base. As sondagens começam a refletir esse afastamento: depois das declarações contra os muçulmanos, apenas 35% dos republicanos declaram apoio ao milionário, enquanto os restantes dois terços expressam preocupação com as visões do candidato.

Nas primárias republicanas, bastará que Trump perca a liderança num dos Estados para que os restantes sigam o mesmo percurso. Será sempre um candidato a ter em conta no início, especialmente graças à disponibilização de fundos que lhe permite ter mais presença no terreno que os concorrentes. Mas dificilmente se aguentará para lá do meio da corrida. Mesmo tendo já ameaçado correr como independente, não o fará – apesar de valer muito dinheiro não tem assim tanta liquidez e será pouco capaz de congregar apoios de outros milionários.

Mesmo que por hipótese conseguisse ganhar a nomeação republicana e concorresse, poucos analistas acreditam verdadeiramente nas hipóteses de Trump a nível nacional. O mais provável seria que o eleitorado flutuante tivesse medo de um homem com visões extremistas e tão pouco adequado ao perfil associado à presidência.

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Mas como seria uma presidência de Donald Trump?

É um cenário tão irreal, centrado numa personagem tão excessiva, que é quase impossível antecipá-lo. Mas o mais certo seria um mandato altamente ineficiente, minado por polémicas menores e uma quase completa incapacidade para concretizar políticas relevantes.

O sistema político norte-americano dá ao presidente o comando das forças armadas e de gerir o governo, mas o braço legislativo está no Congresso e o verdadeiro poder está na burocracia governamental que gere as áreas funcionais – e em ambos o apoio político de Trump é quase nulo. Depois teria ainda de negociar com governadores para garantir a defesa das suas ideias, o que também é pouco claro que possa acontecer.

No mundo real e pragmático da política em Washington, um Presidente tem de saber dialogar para deixar marca. Mesmo com ambas as câmaras nas mãos de republicanos, Trump teria de lidar com políticos de carreira que não cederiam aos insultos públicos nem se importariam de deixar o candidato arder em lume brando. E um homem como ele, num posto com tanta exposição, não iria precisar de muito para se ridicularizar no palco nacional e internacional.

Um cenário em que as coisas poderiam correr bem seria o de Trump aceitar ser controlado pelo Partido Republicano, cedendo lugares-chave na administração e deixando que estes ditassem as grandes opções políticas. Pode acontecer, mas implicaria cedências constantes de ambos os lados – o que, tendo em conta especialmente a dimensão irracional de Donald, é difícil conceber.

Há outro cenário, mais próprio de uma ficção apocalíptica centrada na Casa Branca tão distante de House of Cards como esta foi de West Wing: em caso de guerra ou crise económica profunda, o Presidente Trump poderia invocar poderes de emergência e transformar Washington num antro de loucura política totalmente imprevisível.

 

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É mesmo o dinheiro do próprio que está a ser aplicado na campanha?

Em grande parte sim. Nesta fase não há quaisquer apoios públicos aos candidatos a candidatos e as campanhas têm de gerir os fundos disponíveis – que são basicamente os meios próprios, os poucos apoios do partido e o dinheiro recolhido junto de apoiantes endinheirados.

Há limites para os apoios que cada pessoa e empresa pode dar, mas não há limites para os Super-PAC, entidades supostamente da sociedade civil que congregam milhões de dólares entregues aos candidatos que os fundam. Trump é o candidato que recolhe mais apoios de pequenos doadores, o que confirma muita relevância popular mas pouca penetração junto dos colegas milionários. Trump recolheu no terceiro trimestre deste ano 3.7 milhões de dólares (aproximadamente 10% do valor declarado por Hillary), o triplo do que colocou na campanha neste período – mas no total será ainda o principal doador de si mesmo.

O sistema político vive de muito dinheiro e essa é aliás considerado o maior mal do país. Um dos candidatos originais, Lawrence Lessig, chegou mesmo a avançar com base numa única proposta: ser eleito, reformar o sistema político e demitir-se para abrir caminho a uma democracia mais plural. Dado o tremendo custo de uma candidatura presidencial, é reconhecido que ninguém tem qualquer hipótese de chegar a pensar sequer em concorrer sem apoios relevantes na finança – um extraordinário trabalho do New York Times demonstrou que dos 120 milhões de famílias dos Estados Unidos, só 158 influenciam decisivamente o processo de candidatura à presidência. É o modelo mais distorcido e desigual de todas as democracias modernas no planeta.

Ser Presidente em 2016 não custará menos de 950 milhões de dólares, existindo várias projeções que apontam para um custo superior a mil milhões. E é óbvio que quem mais investe nas campanhas, os milionários, quer assegurar a manutenção do estado das coisas e perpetuar a sua influência.

 

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Mas ele é mesmo milionário? Não foi à falência quatro vezes?

Há um jogo de tabuleiro, criado em 1989, chamado Trump. O jogo era vendido com o argumento de que “é preciso ter miolos para fazer milhões, mas para fazer biliões é preciso ser Trump”.

Mas a verdade é que Donald Trump é milionário porque o pai já o era. Fred Trump tinha um império imobiliário que, em 1974, valia 200 milhões de dólares. Um de cinco filhos, ficou com 40 milhões e aproveitou o negócio imobiliário para ficar mais rico. Hoje vale entre 3 e 4 mil milhões de dólares, numa fortuna que está essencialmente concentrada no imobiliário e na indústria do entretenimento.

Apesar de o próprio Trump nunca ter ido à falência, várias das suas empresas já foram: em 1991 foi o hotel Taj Mahal em Atlantic City, em 1992 foi o vizinho Trump Plaza, em 2004 foi todo o grupo Trump Hotels and Casino Resorts que estava com uma dívida de 1.8 mil milhões de dólares e, em 2009, foi o grupo de resorts que se afundou. A lei americana de falências é bastante permissiva, favorecendo a possibilidade de recuperação e permitindo aos responsáveis prosseguir outros negócios desde que as dívidas essenciais sejam cobertas.