Houve um tempo em que tudo era fácil de entender e em que, no debate público, todos os problemas específicos da Educação vinham de uma mesma origem: os cortes orçamentais aplicados sobre as escolas públicas e o alegado favorecimento às escolas privadas. Esse tempo foi entre 2011-2015, e a ausência de aquecimento nas salas de aula é um dos vários exemplos possíveis. Só em 2014, por exemplo, duas petições com milhares de subscritores deram entrada no parlamento tendo por base essa argumentação. Por um lado, o Movimento Estudantil “Basta, na rua pela Escola Pública” (petição 458/XII/4) afirmava que os cortes ao investimento na Escola Pública explicavam a existência de “salas de aula onde chove e com problemas de aquecimento”. Por outro lado, a FENPROF, apresentando uma petição idêntica para cada distrito do país (a de Coimbra, por exemplo, foi a petição 414/XII/3), acusava o governo de, através do financiamento a colégios privados, desviar verbas que impediam as escolas públicas “de pagar despesas de água e electricidade, gás ou aquecimento das salas de aula”. Nos respectivos debates, ambas as petições suscitaram louvores dos partidos da esquerda parlamentar, incluindo iniciativas legislativas próprias para exigir o aumento do orçamento na Educação – e assim resolver de raiz o que de mal ocorria no sistema educativo.

Entretanto, esse tempo acabou – com o PS no governo e um apoio parlamentar de toda a esquerda, o discurso político prometeu o fim dos cortes orçamentais e o estrangulamento dos contratos de financiamento aos alunos que frequentassem colégios. Mas os problemas nas escolas prevaleceram. 2018 começou com a denúncia de atrasos na transferência de verbas para as escolas suportarem despesas básicas, tais como o aquecimento das salas de aula. Há directores de escolas que apontam às “gravíssimas limitações financeiras”, que se queixam do peso dos encargos básicos após as obras de requalificação pela Parque Escolar, que admitem ser impossível a renovação dos equipamentos tecnológicos porque o seu orçamento mal assegura os mínimos. Ora, já não havendo PSD-CDS no governo para responsabilizar, o ministro da Educação limitou-se a garantir a inexistência de atrasos nas transferências de verbas às escolas – como se os directores estivessem a inventar um caso.

Obviamente, não estão. Nem a situação é nova – não começou em 2011 com a direita no governo, não acabou com a chegada do PS a São Bento em 2015. Antes disso, já em 2010, com a contenção orçamental do governo Sócrates, as escolas queixavam-se de não ter dinheiro para comprar papel higiénico, muito menos para ligar os aquecedores. Ora, o que é que tudo isto nos diz acerca da actual situação das escolas? Duas coisas.

Primeiro, que os problemas de financiamento persistem às mudanças de governo. A contenção orçamental continua a ser aplicada na Educação em 2018, como sucede desde 2009/2010 – ao contrário do que o discurso político sugere, os dados mostram que a geringonça não aumentou o investimento no sector de forma significativa. E isto, traduzido num orçamento quase integralmente alocado ao funcionamento das escolas e ao pagamento de salários, tem de representar um impacto no dia-a-dia dos alunos – seja no conforto, no aquecimento das salas, na ausência de auxiliares. Ou seja, mesmo que menos presentes na agenda mediática e no debate público, os problemas derivados do subfinanciamento não desapareceram da realidade das escolas. A paz social que o controlo de PCP e BE sobre sindicatos e associações estudantis impõe no sector é meramente artificial.

Segundo, isto diz-nos que os problemas em causa são muito mais complexos do que, demasiadas vezes, os partidos da esquerda parlamentar quiseram acreditar. O financiamento às escolas, feito por estimativas, está cristalizado e desligado das suas necessidades específicas – em termos de contexto geográfico e climatérico, mas também em termos de necessidades de equipamentos e da sua renovação. Acresce que o modelo criado com a Parque Escolar elevou imensamente os custos de manutenção das escolas e tal coincidiu com um período de contenção orçamental, ampliando os desequilíbrios já existentes. Consequentemente, é preciso ir à raiz do modelo de financiamento para resolver a situação. Estão PS-PCP-BE disponíveis para isso? Pouco provável.

Isto leva a concluir o inevitável: uma vez que a contenção orçamental parece estar para ficar, também os problemas não se resolverão. Os alunos continuarão sem aquecimento nas salas de aula, sem papel higiénico nas casas de banho, sem computadores a funcionar nas bibliotecas. A menos que, no ministério da educação, haja coragem para rever a fórmula de financiamento das escolas e adequá-la às necessidades. É o que se impõe. Tudo o resto não é mais do que fechar os olhos.

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