Uma das mais fascinantes teorias que o presidente da república defendeu este domingo foi a de que Portugal vive em estabilidade. Estabilidade, como? Só porque o governo é ainda o mesmo de há um ano? A duração de um governo não é, só por si, prova de estabilidade. Pode ser apenas a medida de um impasse.

Este governo mantém-se, mas desde Novembro de 2015 que falar de política em Portugal consiste em falar de eleições antecipadas. Não quer dizer que estejam próximas ou até que sejam possíveis — quer apenas dizer que a actual situação não convence. Como poderia convencer? A maioria parlamentar junta peças de puzzles diferentes, partidos com visões opostas sobre questões fundamentais, como a integração europeia. Não se lhe pode pedir mais do que a distribuição de algum dinheiro e a defesa de certos privilégios. Não expressa a unidade das esquerdas, mas a incompatibilidade entre PS e PSD, que inviabilizou o tipo de compromissos que outrora, como nas revisões constitucionais de 1982 e de 1989, deram vida ao regime. O sistema político está paralisado. Através do actual governo, a oligarquia limita-se a gerir as condições de financiamento do BCE, com o pequeno conforto de não ter de aturar mais greves do PCP ou tanta rabugice mediática do BE. É isto estabilidade?

Os partidos da actual maioria abandonaram todas as suas propostas eleitorais, da revisão do tratado orçamental até à prioridade no investimento público. Em vez disso, reivindicam os mesmos títulos de glória do governo anterior, a começar pela observância dos défices negociados com a Comissão Europeia. Em 2016, terão obtido, segundo nos dizem, o défice mais baixo da democracia – o primeiro que respeitará o pacto do Euro. Mas só no contexto nacional, o défice impressiona. No contexto europeu, o défice português continua a ser o quarto mais elevado dos 28 Estados e alimentou o segundo maior aumento de dívida pública na UE. Numa Europa de juros baixos ou mesmo negativos, Portugal paga 4% por empréstimos a dez anos. Como sair daqui, quando o governo se prepara para fazer festa com uma taxa de crescimento do PIB daquelas que, no tempo da troika, serviam para demonstrar a “destruição da economia”?

Onde está a estabilidade? É verdade: Portugal é um dos poucos países europeus poupados às paixões da imigração e do jihadismo. Nem sequer a austeridade agitou a composição do parlamento. Não há Frentes Nacionais, nem um Podemos. O sucesso do ajustamento, sob o governo de Passos Coelho, manteve o país ligado à máquina do BCE. Ganhou-se tempo. Mas à nossa oligarquia não ocorre outra coisa do que tentar mais uma vez, como o actual governo, ocupar partidariamente o Estado e rodear-se de dependentes. Ninguém tem, de facto, muitas ilusões. Este é um país em que o governo aumenta o salário mínimo, mas tem de compensar as empresas, isto é, em que assume que a economia não suporta aumentos de rendimento.

Que se passará quando as políticas do BCE mudarem? E se Trump, o Brexit ou uma das eleições deste ano na UE sacudirem as estruturas internacionais que têm suavizado a decadência da envelhecida sociedade portuguesa? O país precisa de limitar as rendas políticas para ser competitivo. Mas no corrente impasse, o máximo a que pode aspirar é à competitividade dos salários baixos, como admitem os saudosistas do Escudo e das suas desvalorizações. É isso que acabará por acontecer? A verdadeira estabilidade é previsibilidade, é viabilidade. O que não é viável, o que não é previsível, também não é, por definição, estável. Parafraseando Tácito: criaram um impasse, e chamaram-lhe estabilidade.

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