As afirmações do candidato agora apenas social-democrata à Câmara de Loures, sobre a comunidade cigana e as reações que desencadearam trouxeram para a praça pública a questão da existência de xenofobia e de racismo em Portugal.

Como é sabido, a ideia vigente aponta para que Portugal seja um país de brandos costumes onde até uma revolução pode ser feita recorrendo a cravos. Daí as reações públicas de condenação das palavras do candidato. Uma condenação respaldada pela Constituição que proíbe essas formas de discriminação.

Não disponho de dados atuais sobre o relacionamento da sociedade portuguesa com as minorias, quer sejam imigrantes ou não. Sei, no entanto, que a problemática é complexa e que não deve ser analisada apenas a partir da perspetiva da maioria. Importa dar a voz ao outro. Perceber como vê os portugueses com quem se relaciona. Por isso, me permito chamar à colação uma investigação que fiz no âmbito da tese de Doutoramento intitulada Do Império Colonial à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: continuidades e descontinuidades.

Essa pesquisa recolheu documentos – autenticados – de vários especialistas nas temáticas em estudo e, também, junto de todas as embaixadas dos países lusófonos e de oito associações de imigrantes lusófonos em Portugal.

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Procedeu, ainda, à aplicação de uma entrevista por questionário a alunos dos PALOP que frequentavam o ensino superior em Portugal, tendo a escolha recaído numa universidade privada com mais de 1.200 estudantes provenientes dos PALOP. Universidade que serviu como cluster e na qual, depois de um pré-teste, foi aplicado o questionário a uma amostra de 150 alunos. Uma amostra estratificada por nacionalidades de acordo com os respetivos pesos relativos.

Como seria de esperar, as respostas das embaixadas inseriram-se no âmbito do politicamente correto. A descolonização – outras das temáticas da tese – ainda estava fresca e as frases eram cuidadosamente pensadas linha a linha.

Já quanto às associações, várias respostas não escondiam algum desencanto – chamemos-lhes assim – face à sociedade de acolhimento. Mesmo quando um representante de uma associação repartiu as culpas ao afirmar que “algumas pessoas [imigrantes] têm dificuldade para fazer um esforço de integração e dizem que são vítimas de racismo”.

Porém, é sobre os resultados do questionário que importa colocar o enfoque analítico. Assim, dos 150 alunos inquiridos, malgrado 26% se considerarem bem integrados e 52,7% razoavelmente integrados, apenas 17 consideraram que não havia racismo em Portugal. Além disso, dos 133 que disseram haver racismo, 3 atribuíram-lhe uma intensidade muito fraca, 20 apenas fraca, 70 julgaram-na considerável, 32 qualificaram-na como forte e 8 como muito forte.

Convidados a pronunciarem-se sobre quem era racista em Portugal, 4 alunos não responderam e 99 dos restantes afirmaram que havia racismo em todos os estratos sociais. Um número muito superior aos que só viam racismo na classe mais desfavorecida – 18 ou apenas na elite – 12.

Quando o estudo desceu à variável xenofobia, os dados foram diferentes, uma vez que 90 alunos defenderam a sua existência em Portugal, mas 60 negaram essa existência.

Dos 90 estudantes que disseram existir xenofobia em Portugal a maioria – 50 – voltou a considerá-la de intensidade considerável. Quanto às causas da xenofobia 32,2% atribuíram-na ao medo do desconhecido, 28,9% às marcas da relação colonial e 23,3% ao medo de perder o emprego.

Na obra foram citados autores que consideravam a França mais xenófoba do que racista.

Como houve o cuidado de explicitar no questionário os dois conceitos, não há dúvidas de que, em Portugal, de acordo com os alunos inquiridos, o racismo predominava sobre a xenofobia.

Os dados recolhidos incomodaram-me enquanto português. Não me revi na avaliação. Porém, enquanto investigador, a atitude foi outra. Analisei os dados recorrendo ao teste do qui-quadrado de independência, tirei conclusões e procurei explicações no acervo publicado sobre a temática.

Um procedimento a repetir quando os resultados eleitorais de Loures forem conhecidos. Quaisquer que sejam.