O processo das sanções sobre as contas públicas portuguesas e espanholas do ano de 2015 foi encerrado. A Comissão Europeia vai concentrar-se agora, e bem, na avaliação do ano que está a decorrer. Mas o que se passou é um exemplo da irracionalidade dos burocratas de Bruxelas. Milhares de funcionários – já nem se consegue saber facilmente quantos são – são hoje mais um problema do que uma solução.

Hoje podemos praticamente ter a certeza que a crise grega, irlandesa, portuguesa e espanhola teria sido melhor resolvida se os resgates tivessem sido centralizados apenas no FMI. Os relatos que vamos tendo do que era a equipa que na troika representava a Comissão Europeia revelam um nível baixo de conhecimento. Para não falar no total e absoluto desprezo pela comunicação com os cidadãos.

As contas públicas portuguesas desde a adesão ao euro são um dos exemplos da ineficácia das regras europeias. O Pacto de Estabilidade foi pensado para evitar a ilusão de que a união monetária era uma união política. Mas foi completamente incompetente nessa matéria. Países como Portugal festejaram o fim da prisão cambial com políticas expansionistas que endividaram toda a gente, as famílias, as empresas e o Estado.

O caso das sanções sobre as contas de 2015 são o último caso de regras mal aplicadas e pior interpretadas. Contrariamente ao que disse o ex-primeiro-ministro Pedro Passos Coelho teve em ano eleitoral uma política orçamental que pôs em risco as metas orçamentais. A Comissão Europeia assistiu a tudo sem nada dizer. E em 2016 queria aplicar sanções sobre um resultado que é em grande parte reflexo da sua incompetência.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O que se exige dos funcionários de Bruxelas é que corrijam o erro cometido acompanhado com mais profissionalismo e rigor as contas públicas de 2016. Com base naquilo que decidiu o colégio de comissários (e que agora terá de ser validado pelo Conselho), há um sério risco de Portugal voltar a violar este ano o limite para o défice público de 3% do PIB.

O primeiro ponto importante a sublinhar é que essa meta não é uma invenção. Em vez de inventar regras sobre regras, como os défices estruturais que ninguém entende e podem ser calculados de mil e uma maneira, valia a pena olhar para o que faz o FMI. Um défice não é grande nem pequeno. Depende da dimensão da dívida pública.

O problema português está na dimensão da dívida pública. Para o Estado conseguir pagar o que deve, a herança do passado, tem de ter défices públicos mais baixos e até excedentes. Foi a dimensão da dívida que condicionou o montante empréstimo financeiro da troika, é a dívida pública que limita, em parte, a resolução do problema dos bancos.

A política orçamental deste governo é perigosa porque ameaça a convicção de que Portugal consegue pagar a sua dívida pública. Pouco tem a ver com sanções ou com discussões sobre décimas que se somam a 2%.

O caminho de aumenta a despesa pública na expectativa de assim dinamizar a economia e, por essa via, obter a receita fiscal que reduz o défice público está a revelar-se inviável. Por qualquer motivo, esqueceu-se que vivemos num mundo financeiro, realidade que reduz o menu de políticas ao alcance de países endividados, como é Portugal. Os mercados financeiros estão hoje menos abertos para Portugal do que no passado recente, as famílias consomem menos do que se esperava ou porque estão endividadas ou porque têm medo do futuro e as empresas endividadas ou não aguardam pelos resultados antes de empatarem o seu dinheiro em investimentos que só podem recuperar a prazo.

Paralelamente, o Governo desdobra-se em demonstrações de que tudo está a correr bem. Olhar para os números que relatam a evolução das contas públicas deste ano é regressar a um tempo que pensávamos ter sido ultrapassado. Começa desde logo pela nova moda instalada no Ministério das Finanças de fazer um comunicado sobre as contas públicas antes de se conhecer o relatório completo da Direcção-Geral do Orçamento. É uma boa técnica de comunicação mas não muda a realidade. Depois basta olhar para os pagamentos em atraso para perceber que as reduções do défice público que se estão a anunciar serão anuladas pelas despesas que o Estado já fez e não pagou. São estas práticas que desacreditam os políticos, as regras e quem deve garantir que elas são cumpridas, neste caso a Comissão Europeia.

Faltam ainda cinco meses para o fim do ano e Portugal até poderá acabar com um défice público abaixo dos 3%. O abrandamento da economia diz-nos, neste momento, que a probabilidade é baixa. Mas se a margem for de 300 a 400 milhões de euros, é sempre possível arrastar alguma despesa para o ano seguinte.

Mas tudo isto é iludir o problema. O que a Comissão Europeia devia acompanhar era a evolução da dívida relacionando-a cm o crescimento nominal da economia para assim verificar qual o défice que se pode ter.

Bruxelas está contudo transformada num mundo do papel – actualmente talvez seja melhor dizer de um mundo do email com relatórios, previsões e nalguns casos experiências sem bom senso. O que se está a passar com a banca é mais um exemplo dos problemas que a Comissão Europeia está a criar.

A Itália e Portugal estão com um problema no sector bancário. No caso português, Bruxelas tem uma elevada quota de responsabilidade. A toda-poderosa Direcção-Geral da Concorrência contribuiu bastante para impedir as melhores soluções, nomeadamente nas regras que impôs para apoiar os bancos. Como se não bastasse a interpretação que a Concorrência faz das regras, a União Bancária, que prometia ser a solução para os males da banca europeia, começa a ser também parte do problema.

A máquina burocrática que a Europa criou começa a ser o seu maior inimigo. Como se resolve? Começando a simplificar as regras, a eliminar algumas e a retirar poderes à Comissão para os devolver aos Estados-membros respeitando o velho princípio da subsidiariedade.

O caso do cancelamento das sanções a Portugal obrigam o Governo a começar a assumir a responsabilidade pelo que está a fazer, mas não resolve os problemas que temos. O colete-de-forças da união bancária e das regras europeias da concorrência são muito interessantes como exercício intelectual, mas só têm agravado os problemas na banca. Se queremos salvar a Europa temos de dar dois passos atrás nas regras para dar um à frente na integração.