Cavaco Silva fez esta sexta-feira o discurso que podia e devia ter feito há uma semana, quando justificou ao país a indigitação de Pedro Passos Coelho como primeiro-ministro.

Na cerimónia de tomada de posse do governo PSD/CDS, o Presidente da República traçou com clareza as opções estratégicas que acha que não devem ser abaladas por um novo governo, independentemente – e é isto que faz toda a diferença – dos partidos que o formem e que o apoiem.

O caderno de encargos não é novo e já tinha sido elencado em várias outras ocasiões pelo Presidente da República sem que tenha feito manchetes. É até relativamente banal defender que Portugal deve manter-se membro pleno da União Europeia e do euro, cumprir os acordos e tratados internacionais que tem vindo a subscrever, integrar a NATO ou ter uma política de proximidade com os países da comunidade de língua portuguesa. A novidade está na natureza de partidos que vão ser essenciais no apoio parlamentar de um governo do PS.

Se dúvidas havia que Cavaco Silva dará posse esse governo, desde que cumpra esses mínimos, elas ficaram desfeitas nesta sexta-feira.

Afastada essa dúvida, o palco é agora inteirinho de António Costa. O líder do PS depende apenas de si próprio e do acordo que venha a conseguir com o Bloco de Esquerda e com o Partido Comunista. Pedro Passos Coelho e António Costa passaram a partilhar o mesmo relógio: o primeiro para saber quanto tempo de vida tem o seu governo, o outro para ver o tempo que lhe resta para formar um.

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Já passaram dez dias desde o momento em que, à saída da audiência em Belém, Costa afirmou que “estão criadas as condições para que o PS possa formar um governo que disponha de apoio maioritário na Assembleia da República, criando condições de estabilidade” e, até hoje, não só não fechou o entendimento com os seus parceiros de governo como os sinais das negociações são contraditórios. O PS sabe com quem quer governar mas não sabe nem como nem para quê. Simplesmente porque ainda não tem programa que faça a síntese entre as propostas que o PS levou a eleições e os cadernos de encargos do BE e do PCP.

Este é o momento em que chegamos aquela parte aborrecida de fazer contas.

É fácil e barato conseguir entendimentos em temas fracturantes como o aborto ou os direitos cívicos dos homosexuais – agenda que faz todo o sentido e em que a direita nega liberdades individuais que tanto apregoa na área económica. Só que estes assuntos não dão milhões. E o diabo está e estará nos milhões.

As notícias que chegam das negociações desta troika não são tranquilizadoras, antes de mais para António Costa.

Jerónimo de Sousa fala de um apoio para a formação e entrada em funções de um governo socialista. Mas não vai além disto e isto são apenas dez dias, entre a tomada de posse e a aprovação de um programa de governo.

Jerónimo de Sousa garante que vai manter a sua oposição ao Tratado Orçamental, o tal que o país assinou e que obriga a ter e manter um défice orçamental abaixo de 3% e um défice estrutural, a prazo, de 0,5%. Entre a coerência com o que sempre defendeu e as exigências orçamentais com que o PS se comprometeu alguma coisa terá que ficar pelo caminho.

Jerónimo de Sousa disse esta sexta-feira que “as negociações [com os socialistas] têm sido inconclusivas”. As tais que, na leitura de António Costa, garantiam há já dez dias um apoio ao governo que quer formar.

Ouvindo os dois lados da mesa de negociações parece que falam de conversações diferentes e fazem avaliações opostas sobre o andamento das conversas.

Certo é que desde esta sexta-feira, quando Cavaco Silva deu um passo para o lado, António Costa e as suas pretensões ficaram reféns do PCP e do BE. A parada está alta, porque assim foi colocada pelo líder socialista, e isto é só um começo.

Há orçamentos duros para fazer e executar e esta é a parte que os governos ainda vão controlando se para isso tiverem vontade. Depois há tudo aquilo que nenhum governo controla directamente: crescimento económico, emprego, exportações, taxas de juro, condições de financiamento do Estado e das empresas, falências de empresas, investimento…

Estas coisas têm hoje uma vida própria que é incompatível com a forma como a extrema-esquerda olha para a economia.

Será que a vontade de chegar ao poder e o objectivo comum de afastar dele a direita são cimento suficiente para fazer a quadratura do círculo de agendas políticas tão diferentes? É o que começaremos a perceber nos próximos dias.

Jornalista, pauloferreira1967@gmail.com