Foi uma bela assembleia. Quatro homens reuniram-se ao pé da balança depois de uma dieta de quatro anos. Um pesava francamente mais do que os outros. Chamemos-lhe «o gordo». A balança comprovava-o sem dúvidas. Os três restantes subiram à vez e constataram o óbvio: pesavam menos. Destes, uns eram mais magros do que outros.

Depois da pesagem, os homens olharam para a cadeira grande. As pernas atiradas, firmes, a espalda ampla, recosto ideal, e o assento como duas mãos que apalpam. Da cadeira grande via-se o Mundo.

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O gordo avançou porque era o único cujo rabo preenchia o assento. Os três entreolharam-se, ansiosos, e pelo desejo da cadeira desejaram-se. Já disse que dali se via o Mundo? Eles que sempre discordaram quanto a dietas, em menos de nada, encetados os preliminares, deram um abraço enjeitado, compondo uma caranguejola que mal se aguentava de pé. Mas estavam unidos por um fim que justificava o meio: queriam muito subir para a cadeira.

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O gordo indignou-se. A cadeira pertencia a quem melhor a preenchesse e ele sentia que o seu rabo correspondia aos requisitos. Mas o manual da cadeira não indicava tal coisa. Para lá subir só contava o peso e o gordo não o tinha bastante. Sim, juntos, os outros pesavam mais do que ele. A balança confirmava.

Os três negociavam. Embora pesassem mais do que o gordo, tinham sessenta dedos, seis braços, seis pernas, seis mamilos, três barrigas e, claro, três cabeças com dois olhos, duas orelhas, um nariz e uma boca em cada. Ainda que falassem em uníssono, manteriam as três bocas. Ainda que fechassem as pálpebras, manteriam os seis olhos. E o resto não sei como conciliariam, até porque não sou de contas e deixei partes do corpo por descrever.

Não tinham acabado de negociar e já diziam a três bocas: eu só tenho uma boca; e já acenavam a seis braços: eu só tenho dois braços. O gordo percebeu enfim que a engenhoca de três homens subiria à cadeira.

O fiel da balança alertou-se e discursou. Só ele podia convidar alguém a sentar-se. Depois de convocar o gordo, enjeitou os magros, acusando-os de magreza. Isto, embora óbvio, excedeu o seu papel. Verdadeiramente não é a ele que compete impor a dieta de quem vai para a cadeira.

E então os magros feitos gordos abraçaram-se mais por despeito ao fiel da balança. Prometeram tirar o gordo da cadeira à primeira oportunidade, mesmo que oficialmente ainda não fossem unos nem mostrassem as bases de uma unidade futura. Queriam que esperássemos e confiássemos que três cabeças, seis braços e seis pernas formavam um corpo.

Uma nova pesagem seria fundamental mas o fiel da balança já reinava sem reino, não a podendo exigir. Nisto, o jogo continua, com o gordo a assentar bem o rabo, os três magros entrelaçados a dizerem à vez que são mais gordos do que o gordo e a esticarem as tais seis mãos com dezenas de dedos. Deles, o menos magro até empurra com a barriga, fazendo-se de mais importante. Antes de saltarem para a cadeira já ela abanou várias vezes, e depois quem sabe quando, como ou porquê abanará.

Esta bela assembleia só não parece ridícula e só não nos rimos porque debaixo da cadeira, com as pernas desta bem cravadas nas costas, estamos nós.