15 de Setembro de 2008. O mundo acorda para a falência do banco norte-americano Lehman Brothers, com as principais bolsas do mundo em queda.  A data fica para a história da banca de investimento para lembrar que o sistema falha, mesmo quando se conta com 158 anos de história e se vence uma Grande Depressão.

Depressa, a crise financeira alastra-se e daí até atacar a economia real foi um passo. Em Portugal, somaram-se as notícias sobre falências de empresas nos anos seguintes e, em Outubro de 2010, José Sócrates afirmava que pretendia manter o “elevado” nível de investimento público no país para fazer face à crise financeira. “Nunca como agora precisámos tanto de investimentos e de gestos de confiança como estes que se assinala hoje”, disse, na apresentação de um novo investimento da Mitsubishi, no Tramagal, o primeiro-ministro da época.

Desde 2008 que o investimento em Portugal tem vindo a cair e nem o reforço da fatia do Estado em 2010 foi suficiente para inverter a tendência. Em cinco anos, o investimento caiu 13,5 mil milhões de euros, ou seja, 36,8%, tendo passado de 36,7 mil milhões de euros em 2008  para 23,2 mil milhões em 2013, segundo os dados das Contas Nacionais Trimestrais (base 2006) publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE). Nos cinco anos anteriores, entre 2003 e 2008, os valores mantiveram-se pouco alterados na casa dos 36 mil milhões de euros.

 

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A crise financeira internacional e a contração da procura interna são os motivos por trás da queda dos níveis de investimento em Portugal, revela Inês Domingos, professora na Faculdade de Ciências Económicas e Empresariais da Universidade Católica, ao Observador.

“A crise financeira e as alterações na supervisão obrigaram os bancos, que tinham rácios de crédito sobre depósitos elevados a restringirem o acesso ao crédito. Como a maioria do financiamento do investimento em Portugal se faz através de crédito bancário, sobretudo no caso das pequenas e médias empresas, o custo do investimento subiu”, explica.

Os últimos anos foram de grande incerteza para o país e para os agentes económicos, acrescenta Ana Teresa Lehmann, professora na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. “Registo as dificuldades que a volatilidade da decisão política traz aos investidores, como mudanças sucessivas na fiscalidade e nas leis, tal não promove, certamente, a confiança necessária para investir”, adianta.

Como se vão comportar os investidores no pós-troika é a pergunta que se segue. Para a professora do Porto, é mais provável que o investimento ocorra em empresas portuguesas que se internacionalizam para mercados de maior crescimento ou em internacionais que investem no país para exportar.

“Não me parece ser de supor que as empresas domésticas viradas, sobretudo, para o mercado português invistam muito nos próximos anos, já que não se antecipam níveis de crescimento económico muito dinâmicos”, diz. A esperança está, agora, nos investidores além-fronteiras.

“Mais de 70% do investimento direto do exterior recebido deve-se a ‘créditos, empréstimos e suprimentos’, ou seja, é investimento sequencial de empresas que já têm presença em Portugal. Na maioria dos outros países, esta percentagem é mais reduzida”, explica Ana Lehmann.

Entre 2009 e 2013, o investimento direto exterior (IDE) bruto em Portugal cresceu de 32 mil milhões de euros para 47,6 mil milhões, mas caiu em 2013, para 30,1 mil milhões de euros, segundo os dados recolhidos pelo Banco de Portugal. Contudo, não são suficientes para extrair conclusões, explica Ana Lehmann.

Para uma economia como a portuguesa, basta registar um investimento grande num ano, e não no seguinte, para se notar uma variação no crescimento do IDE recebido. “Convém ter uma visão mais longa. E, além de analisar o investimento total recebido (o tal IDE bruto), olhar para o IDE líquido recebido (entradas de IDE menos saídas)”, diz a especialista. Em 2012, o IDE bruto foi de 47,7 mil milhões de euros e o líquido de sete mil milhões de euros. No ano seguinte, o bruto fixou-se nos 30,1 mil milhões de euros, e o líquido nos 2,3 mil milhões de euros.

“Há muitas razões para isso. Uma delas surge quando analisamos o IDE bruto recebido por tipo de operação – uma característica distintiva de Portugal neste sentido é que mais de 70% do IDE recebido se deve a ‘créditos, empréstimos e suprimentos’, ou seja, é investimento sequencial de empresas que já têm presença em Portugal. Na maioria dos outros países, esta percentagem é mais reduzida. Este facto permite perceber porque é que há saídas de IDE tão grandes por ano – há que pagar tais créditos”, explica Ana Lehmann.

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Apesar da crise e da “inconsistência de políticas”, os investidores estrangeiros ainda estão interessados em investir no país, explica a professora da Universidade do Porto. “Creio que Portugal tem, hoje, melhores condições para atrair esse tipo de investimento. Deixou de ser atrativo para investimentos assentes em trabalho indiferenciado, e tornou-se mais capaz de atrair projectos empregando recursos humanos mais qualificados”, revela.

Inês Domingos concorda. “Portugal tem um rácio bastante baixo de capital pelo que será sempre difícil o investimento se fazer em larga escala com capital nacional”.

A favor do país, está, segundo Ana Lehmann, a formação de “elevada qualidade média” dos licenciados portugueses, a relação entre custo e qualidade, infra-estruturas, entre outras características. Os setores que a especialista considera promissores são os serviços especializados, saúde, turismo, economia verde, agro-alimentar, entre outros.

“Também poderemos captar investimentos de países emergentes que procuram uma base na União Europeia. Mas a concorrência é feroz e teremos de ser proativos a promover Portugal como destino de investimento, com propostas de valor concretas para o investidor internacional”, revela. Para cidades como Porto e Lisboa, a aposta vai sobretudo para as tecnológicas, de menor montante inicial de investimento. “Tal já está a acontecer”, diz.

Construção em queda desde 2001

Desde 1995 que a construção e obras públicas tem sido o setor com maior investimento em Portugal, de acordo com os dados revelados nas Contas Nacionais Trimestrais (base 2006) do INE. De 2008 a 2013, caiu 9,4 mil milhões de euros, ou seja, 55% por cento, fixando-se em 11,7 mil milhões de euros. Em 2001, por exemplo, chegou a totalizar 27,2 mil milhões de euros e a representar 17,5% do PIB (entre 1999 e 2001). Está em queda desde então.

O PIB, por sua vez, caiu 6,7% em 2013, caso se tenha em conta o ano em que atingiu o seu máximo histórico, 2007, com 164,6 mil milhões de euros, de acordo com os dados do INE. A queda de 11 mil milhões de euros, para 153,6 mil milhões é o resultado da crise financeira, da troika e das medidas de austeridade que afetaram as famílias e empresas portuguesas. Poderia não ter sido tão abrupta se o investimento em construção não tivesse pesado tanto no passado e caído tanto nos últimos anos?

Os números dizem que sim. Se ao PIB de 2013, no valor de 153,6 mil milhões de euros (segundo as Contas Nacionais Trimestrais, base 2006), se retirar o investimento em construção civil e obras públicas, a contração passa a ser de apenas de 0,4%, com os valores a atingirem os 142,4 mil milhões de euros.

Responsável pelas descidas no investimento nos últimos anos e pelas subidas na ordem dos 13,4 mil milhões de euros entre 1995 e 2001, a construção foi a faca de dois gumes da economia portuguesa. Com o abrandamento da atividade em Portugal, as maiores construtoras do país têm virado os seus negócios para fora, sobretudo para o continente africano e para a América Latina.

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