Dezassete centímetros. Um palmo, mais coisa, menos coisa. É isso que, no máximo, separa Mathieu Valbuena de uma bandeirola de canto. Em altura, claro — no mínimo, a FIFA dita a bandeira se tem de erguer a 1,50m da relva, e a mãe natureza fez com que o jogador francês parasse de crescer aos 1,67m. Valbuena é pequenote. Sempre foi, ainda mais quando, em 2003, o Bordéus lhe disse que era demais. Valbuena era trop petit e, aos 18 anos, era obrigado a despedir-se do clube.

Dá-se um pulo (de anos, não de altura). Estamos em 2014 e, aos 90 minutos dos oitavos de final de um Mundial, é outra vez hora de Mathieu se despedir. Assim que o quarto árbitro ergue a placa e mostra o seu número, o Estádio Mané Garrincha, em Brasília, reage: ouvem-se aplausos, muitos, cada vez mais, à medida que Valbuena caminha para fora do relvado.

Arrepiante? Para Jean-Luis Garcia, de certeza.“Quando o vejo agora a ser decisivo nos grandes jogos, até arrepia”, disse, em tempos, o treinador da equipa de reservas do Bordéus, que pouco fez para evitar o erro de obrigar o pequenote a sair do clube. Pela enésima vez, Garcia ter-se-á arrepiado ao ver o França-Nigéria. Só pode.

Os nigerianos foram chatos. Teimosos ao ponto de lavarem os franceses ao pé e os encolherem durante os primeiros 20 minutos do encontro. Onasi e Obi Mikel, no meio campo, pareciam um tiki-taka africano, com Odemwingie e Musa a servirem como a lixívia que descolorava a defesa gaulesa. Da França, a emperrar como nunca nesta Copa, um remate de Paul Pogba, aos 22’, deu a Enyeama, guardião nigeriano, uma parada para brilhar.

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Até ao intervalo, Valbuena escondia-se. Parecia escavar tocas por todo o relvado. Só espreitava cá fora quando a bola parava, em cantos ou livres. Nesses, o seu pé direito tem lugar cativo. Foi por aí que a França ameaçou e ameaçou a Nigéria durante a segunda parte. Quase sempre que Mathieu servia de sniper, conseguia disparar a bola e fazê-la acertar, dentro da área adversária, num gaulês. Aos 51’, 76’ e 78’, o filme repetiu-se. Golo, só isso faltava.

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Até que lá foi Valbuena marcar um canto, à esquerda. Minuto: 79. Colocou a bola no sítio, ficou por momentos ao lado da bandeirola, ambos quase da mesma altura, e bateu. Na área, Enyeama errou, em vez de um soco preferiu uma palmada e, quando tocou na bola, desviou-a para a cabeça de Pogba. Merci e 1-0, golo da França e assistência de Valbuena. “Talvez tenhamos privilegiado, de maneira prejudicial, qualidades como a capacidade atlética e o poder físico, ao invés da técnica”, já dizia o homem que viu Mathieu sair do Bordéus.

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Festa e vive la France. Os quartos ficavam mais perto. Mais ainda quando, aos 90’, apareceu outro canto. Lá foi Valbuena para marcar. Atrás de si, Benzema. Os dois combinaram um canto curto e, com tanta passividade nigeriana, uma tabela bastou para lançar Valbuena junto à linha, com a bola. Do alto dos seus 1,67m, o médio gaulês antecipou que Griezmann apareceria ao primeiro poste. Enviou para lá um passe, mas a bola só tocaria nas pernas de Joseph Yobo antes de entrar na baliza.

Era 2-0 e o 5.º autogolo deste Mundial — só menos um do que os seis que se marcaram em 1998. Onde? Na Copa de França, por coincidência. Vai mais uma? Com o azar de Yobo, os gauleses tornaram-se na primeira seleção a beneficiar de dois autogolos no mesmo Mundial. E, já agora, sorte dos les bleu.

Em 2003, após ser dispensado do Bordéus, Mathieu Valbuena não desistiu de jogar à bola. Rumou ao Libourne-Saint-Seurin, da terceira divisão, e lutou durante uma época por dar nas vistas. “Formou uma concha, foi obrigado a lutar e provou que todos estavam enganados”, sublinhou Jean-Luis Garcia, já depois de o Marselha reparar em Valbuena e o contratar. O resto, é história. E ela já se está a esticar nesta Copa.