Possível, era. Tinha que ser. Não havia outra hipótese. “Quando me foi retirada a opção de jogar, era a única alternativa que tinha”, resumiu Sohail Rehman. E passou a tê-la aos “13 ou 14 anos”, quando a genética — e uma atrofia muscular na coluna vertebral — o obrigaram a trocar as pernas por uma cadeira de rodas. Foi aí que Sohail não desistiu. Lutou, estudou e continuou. Um dia, em abril de 2013, abriu o correio e estava lá uma carta. “Parabéns. Nunca me deixa de surpreender o esforço que as pessoas colocam no jogo”, foi uma das frases que leu. Quem a escrevera? Alex Ferguson.

Sim, esse mesmo, o treinador que, na altura, estava a terminar a aventura de 27 anos a orientar o Manchester United. “Aproveito esta oportunidade para te desejar tudo do melhor para o resto da temporada”, acrescentou o escocês. Sohail Rehman até era adepto do United, mas isso, por si só, não costumava valer cartas de Fergie. Não, a razão era outra. Aos 20 anos, Sohail completara o curso da Federação Inglesa de Futebol (FA) e acabara de se tornar treinador de futebol.

E fez tudo sentado numa cadeira de rodas. “Nada me vai para agora. O meu sonho é um dia treinar nos maiores clubes do mundo”, admitia em dezembro, ao Daily Mail, quando já estava a dar ordens, escolher jogadores e delinear exercícios a uma equipa das divisões distritais em Keighley, perto de Leeds, localidade onde reside. “Qualquer treinador que diga que está nas distritais a treinar só pelo divertimento, está a mentir. Eu sou assim: quero treinar os Manchester United e os Reais Madrid. É o meu objetivo”, reforçava, na altura.

Esta quarta-feira, ficou um pouco mais perto de o cumprir — os red devils anunciaram a contratação de Sohail Rehman como treinador das camadas jovens do clube. E, logo aí, obrigou a história a olhar para o jovem, hoje com 22 anos: tornou-se no primeiro treinador numa cadeira de rodas a orientar jogadores sem deficiências físicas num clube profissional. “É de loucos. Agora vou poder ir ao centro de treinos e ver os jogadores. É uma sensação estranha”, confessou, ao falar ao Sunday Express.

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Sohail vai sobretudo trabalhar nas escolas de formação United, onde o clube chama jovens para prestarem provas e serem testados em Carrington, centro de treinos dos red devils. “É uma grande oportunidade para conviver com outros treinadores e ganhar experiência”, argumentou, que juntou agradecimentos para um antigo técnico do clube vermelho de Manchester.

E não, não foram para Alex Ferguson. “Um grande obrigado para David Moyes”, sublinhou Sohail, ao recordar “a sessão de treino” que fez no clube com o homem que, na época passada, perdeu 15 dos 51 encontros nos quais orientou o United até abril, mês em a direção do clube o despediu. “Disse que ficou impressionado comigo e queria que eu me juntasse ao clube. Foi ele que começou tudo”, garantiu.

Em comunicado, o Manchester United felicitou Sohail Rehman por “mostrar que o trabalho e determinação contam para ultrapassar obstáculos”. O clube, aliás, definiu o jovem como “um exemplo” para “toda a gente” nos red devils. Moyes roubou o agradecimento a Ferguson, mas Sohai não se esqueceu do homem que hoje já empresta o nome a uma das bancadas de Old Trafford, estádio do clube, ao dizer que a carta o ajudou a superar “as dúvidas que tinha”.

Está preso a uma cadeira de rodas, tem 22 anos e nunca jogou futebol a sério. Algum problema? Não para Sohail. “Olho para isso e lembro outros treinadores que nunca jogaram ou que o fizeram num nível amador, como José Mourinho”, defendeu.