A notícia da existência de uma dezena de portugueses, descendentes de famílias emigrantes, a combater em grupos jihadistas na Síria e no Iraque está a ser encarada, em França, como “uma coisa tão rara que deixa alguma perplexidade”, disse à Lusa o Padre Carlos Caetano.

O capelão nacional dos portugueses não teve conhecimento de casos junto da comunidade mas admite que “na sociedade francesa há uma sede de autenticidade e de espiritualidade autêntica” que, aliada “a um mundo católico onde se dá cada vez mais valor à forma do que ao conteúdo”, pode degenerar em recrutamentos para a ‘jihad’.

“Houve uma altura em que abandonámos muitos valores e agora estamos a voltar – e por vezes de forma radical – a uma busca de uma norma que possa dar uma certa estrutura à nossa vida. Infelizmente, muitas vezes, quem procura este tipo de estrutura são pessoas que, pelo menos no momento da busca, se encontram num estado fragilizado. Se houver quem proponha algo de muito absoluto e rígido, isso pode ser uma grande sedução”, sugere.

A análise do Padre Nuno Aurélio, reitor do Santuário de Nossa Senhora de Fátima, em Paris, vai no mesmo sentido: “Este aborrecimento e tédio existencial em que mergulhou a nossa cultura de conforto e o ‘dolce fare niente’ ao nível dos ideais tornou poderosamente atrativo este movimento para os que queiram dar um safanão à sua vida de uma forma tão extrema e violenta. E passam do 8 ao 80.”

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Em França, as pessoas oriundas da emigração estão mais expostas “ao risco de uma carreira jihadista”, explica, por sua vez, Claire de Galembert do Institut des Sciences Sociales du Politique, em Paris.

A investigadora acrescenta que estas pessoas são “afetadas em cheio pela crise económica, pelo desemprego e pela habitação que as colocam em rutura ou em guetos”, algo a que se somam os “problemas de identidade” vividos pelos filhos dos imigrantes “que sentem que não pertencem nem ao país de origem nem ao país que os acolheu”.

À partida, na opinião da especialista das religiões, esse não seria o caso dos portugueses por causa das suas “estratégias de integração”. Porém, “a crise económica também atingiu o meio empresarial português”, podendo ter levado à degradação socio-económica “com consequências em termos das pessoas que os jovens frequentam”.

Claire de Galembert acrescenta ainda que não são de espantar as conversões ao Islão de filhos de emigrantes portugueses porque “os portugueses são pessoas que, grosso modo, tiveram um processo de socialização na religião e para eles “a linguagem religiosa já fazia sentido”.

Porém, cuidado com os estereótipos, adverte, Pedro Viana, chefe de redação da revista “Migrations et Société”: “Hoje em dia, qualquer pessoa que diga ‘eu sou muçulmano, sou praticante’, imediatamente vai ter colada na testa uma etiqueta de terrorista. Então, parte-se de confusões como ‘muçulmano igual a radical’, ‘radical igual a terrorista’, logo, ‘muçulmano igual a terrorista’. É uma coisa absurda!”

O especialista das migrações admite que “hoje a falta de perspetivas toca uma grande parte da juventude” e que “a religião passou a ser um dos lugares privilegiados onde uma espécie de superação de si pode realizar-se”.

Pedro Viana considera, ainda, que se estão a viver as consequências de uma série de “interesses económicos e geopolíticos da realidade histórica e contemporânea” e que os jovens “dispostos a dar a sua vida pelo que pensam ser uma causa justa” acreditam mesmo que “o mundo muçulmano está a ser atacado e querem defendê-lo”.