Sexo e drogas e rock n’roll. A célebre trindade popularizada pela canção de Ian Dury no verão de 1977 viria a tornar-se um hino do movimento punk e a influenciar o estilo de vida de uma geração. E das que se lhe seguiram. Foi na atmosfera psicadélica do final da década de 1970 que nasceram os The Replacements. Ilustres desconhecidos, são mais famosos pelas suas tropelias dentro e fora dos palcos do que pelo seu talento artístico. Infelizmente. São uma espécie de grande banda que nunca o chegou a ser, como um foguete que não passa da fase de descolagem, caindo antes de voar. Mas tocam com alma, são genuínos e honestos. Fazem o que querem como gostam, sem cedências. Felizmente.

Paul Westerberg e Tommy Stinson, os dois sobreviventes da formação original, são agora acompanhados nas atuações ao vivo por dois músicos substitutos, o baterista Josh Freese e o guitarrista Dave Minehan. “Back by Unpopular Demand” é o título sugestivo da digressão que começou em Seattle no dia nove deste mês e inclui a passagem pelo nosso país.

Tocaram recentemente (16/04) em Los Angeles e no final do espetáculo Westerberg lançou a sua guitarra Gibson pelo ar deixando a plateia eufórica. Aos 55 anos ele já faz parte da galeria de suspeitos do costume: Keith Richards, Johnny Thunders e Johnny Ramone, todos especialistas na arte de destruir guitarras.

Westerberg-flying-gibson

paulwesterberg.com

O espírito rebelde e o comportamento exuberante sobrevivem até hoje, graças à reunião de Westerberg e Stinson para as gravações de um novo EP em 2012. Nesse ano saiu também o documentário “Color Me Obsessed” com a história da banda contada por alguns dos seus nomes mais influentes. Como Thomas Erdelyi, mais conhecido por Tommy Ramone, que produziu o álbum “Tim” editado em 1985 e onde se incluem clássicos como “Left of the Dial” e “Waitress in the Sky” – a irmã de Westerberg foi assistente de bordo numa companhia de aviação.

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Em 2014 a banda foi nomeada para integrar o Rock and Roll Hall of Fame, em Cleveland, mas ainda não foi escolhida desta vez. No final do ano passado os The Replacements lançaram oficialmente uma música nova. “Poke Me In My Cage” é uma faixa com 24 minutos de jazz improvisado. Westerberg sempre quis ser o maior guitarrista de blues do mundo. A canção foi publicada com precisão no dia 17 de dezembro, data do aniversário de Bob Stinson, irmão mais velho de Tommy, falecido em 1995.

Paul Westerberg nunca foi adepto do vídeo musical. Ainda mantém o conceito de que as letras de uma canção devem incluir todos os elementos visuais que o artista imaginou ao compor. Aqui fica um dos raros exemplos de vídeo oficial para o clássico “Ill Be You” que atingiu o número um na lista de Alternative Rock da revista Billboard. Aqui emitido pelo canal VH1 e apresentado pelo próprio:

1979 foi o ano da morte de Sid Vicious dos Sex Pistols. No Japão era posto à venda o primeiro walkman, essa maravilha que permitia levar a música connosco. O mundo ocidental delirava com o pequeno-almoço dos Supertramp (“Breakfast in America”) e em Portugal nasciam as Doce. Em Inglaterra os Pink Floyd continuavam a inovar em “The Wall” e os AC/DC saltavam da Austrália com “Highway to Hell”. No mesmo ano os The Clash lançaram o icónico “London Calling”, obra-prima do punk que influenciou uma vasta minoria.

Foi o caso de três rapazes de Minneapolis. Naquele ano de 1979 os irmãos Stinson, Bob e Tommy (com apenas 12 anos) e Chris Mars formaram os Dogbreath inspirados pelo hálito canino. Começaram por tocar versões instrumentais de músicas dos Yes, de Jon Anderson, e dos Aerosmith, de Steven Tyler. Quando resolveram procurar um vocalista encontraram Paul Westerberg, que na altura trabalhava como empregado de limpezas no escritório oficial do Senador republicano do Minnesota.

Pouco tempo depois o quarteto adotou o nome The Impediments e logo na estreia, completamente embriagados, foram impedidos de prosseguir o espetáculo acusados de comportamento desordeiro. Voltaram a aparecer como The Replacements numa clara associação à ideia de banda de substituição quando o cabeça-de-cartaz não aparece. Era uma declaração de princípio anti-estrelato, de um coletivo pouco ou nada preocupado com a aceitação do público. A assinatura perdurou cerca de uma dúzia de anos até ao anunciado fim de carreira em 1991. Resistiu à morte de Bob Stinson em 1995 devido ao uso continuado e intenso de álcool e outras drogas.

Entretanto o baterista Chris Mars dedicou-se à pintura (literalmente), Tommy Stinson substituiu Duff McKagan como baixista dos Guns N’ Roses e Paul Westerberg prosseguiu uma carreira a solo, como cantor e compositor multi-instrumentista. Assinou várias canções incluídas em filmes, documentários e séries de televisão. Em 2006 voltaram a estúdio para um reencontro fugaz onde gravaram dois temas novos para juntar a uma compilação de êxitos da banda. Nesse ano foi também editado “We’ll Inherit the Earth: A Tribute to The Replacements”. O álbum tem 23 versões de temas da banda executadas por vários artistas de diferentes quadrantes, do punk à country, com destaque para a interpretação de “Left of the Dial” por Jimmy Page.

A cidade de Minneapolis parece ser um viveiro de grandes artistas. Conterrâneos de Prince, Hüsker Dü e Soul Asylum, os The Replacements ficaram também conhecidos como “The ‘Mats” por causa de uma piada de gosto discutível. Um crítico chamou-lhes “The Placemats” (marcadores de lugar à mesa) e a banda passou a usar essa alcunha nas atuações ao vivo, revelando o seu melhor espírito.

Os ‘Mats, tal como pretendiam, nunca alcançaram o êxito comercial. Mas foram uma referência para inúmeras bandas do cenário rock dos anos 1990 e do início deste século. A fusão da sonoridade punk agressiva com ritmos pop tornou-se um cocktail atrativo para inúmeras bandas em inicio de carreira. Kurt Cobain foi um dos desses exemplos, pela forma dolorosa de cantar e pela voz que funcionava a álcool e tabaco. Tal como a de Paul Westerberg. O nome escolhido para o segundo disco dos Nirvana, “Nevermind” em 1991 é o título de uma canção dos The Replacements, do álbum “Pleased To Meet Me” de 1987. O longa-duração de Westerberg editado em 1993, intitulado “14 Songs”, inclui a canção “World Class Fad” inspirada na vida de Cobain.

O vocalista e guitarrista Johnny Rzeznik aponta o som da banda de Minneapolis como uma das grandes influências na música dos Goo Goo Dolls, que asseguraram a primeira parte dos espetáculos da digressão final de 1991. Os Green Day e os Wilco também os reconhecem como elemento inspirador dos seus projetos.

Habitualmente imprevisíveis, os The Replacements são capazes de tocar durante horas a fio movidos a bourbon. Acedem aos “discos pedidos” pelo público e gostam de tocar com o som cheio e muito alto. Os efeitos no tímpano podem fazer-se sentir durante dois dias portanto é melhor usar tampões apropriados para os ouvidos. A banda atua pela primeira vez em Portugal, depois de passar por Barcelona, numa estreia que promete deixar saudades e muitos cabelos em pé. No dia 5 de junho, vista aquela velha t-shirt preta com o “A” de anarquia sobre o “O” de ordem do tempo em que era fã dos Ramones e dos Dead Kennedys e apareça no Parque da Cidade, no Porto.

thereplacementsofficial.com / NOS Primavera Sound