Trata-se de um bar de estudantes, perto de algumas das maiores universidades chinesas, no noroeste de Pequim, e o lema da casa é, precisamente, “comida autêntica, internet livre”.

Mais de 650 milhões de chineses usam a internet, 80% dos quais através de dispositivos móveis (PC, smartphones ou tablets). Milhares de cafés, restaurantes e lojas têm “WiFi” (internet sem fios), mas se o cliente não tiver uma VPN (Virtual Proxy Network) instalada no seu aparelho, só conseguirá ir aos ‘sites’ permitidos pelo governo chinês.

A assinatura de uma VPN, que permite aceder à internet através de um servidor localizado fora da China, custa 6 ou 7 dólares por mês – o preço de um bilhete de cinema. No “Lush”, no entanto, não se paga nada para saltar a chamada “Grande ‘firewall’ da China”: basta fazer a ligação à rede local. “É uma atração extra do ‘Lush'”, diz um estudante europeu.”Não conheço mais nenhum sítio com aquele sistema”.

O controlo da Internet é um dos traços mais negativos da imagem internacional da China, eclipsando por vezes o crescente bem-estar material proporcionado pelo rápido desenvolvimento do país. Naquele aspeto, a grande potência emergente está ao nível da vizinha Coreia do Norte e do Irão, dois dos outros raros países cujos governos baniram o Facebook.

Se Pequim for a cidade escolhida para organizar os Jogos Olímpicos de inverno de 2022, ‘sites’ como Facebook, Twitter, Google ou Youtube estarão acessíveis, prometeu a diretora do departamento de informação do governo municipal, Wang Hui. O acesso ao Facebook foi bloqueado em julho de 2009, após os violentos tumultos étnicos que abalaram então o Xinjiang e que causaram 197 mortos. Segundo as autoridades, a violência foi instigada por “separatistas e extremistas religiosos” através de redes sociais externas.

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No “Lush”, o Facebook está acessível todos os dias e não apenas durante duas semanas, como acontecerá dentro de sete anos se o Comité Olímpico Internacional optar pela capital chinesa. (A decisão será anunciada em julho próximo. Almaty, no Cazaquistão, é a outra candidata) O horário do bar também é generoso: abre às 08h00 e fecha às 04 da manhã do dia seguinte, sete dias por semana. Aberto em 2003, o “Lush” é uma referência entre os milhares de jovens estrangeiros que estudam em Pequim, nomeadamente norte-americanos, o segundo grupo mais numeroso, a seguir aos sul-coreanos.

Pelas estatísticas do ministério chinês da Educação, em 2014, a China tinha 337.054 estudantes estrangeiros (mais 5,77% do que em 2013), oriundos de 203 países e regiões.

O “Lush” fica a quinze minutos a pé da Universidade de Língua e Cultura de Pequim (BLCU), considerada uma “míni-ONU”, com cerca de 9.000 alunos estrangeiros, incluindo uma turma do curso de chinês do Instituto Politécnico de Leiria. “I love Wu”, dizem as t-shirts pretas das empregadas. (“Love” está representada por um coração vermelho e “Wu” corresponde ao primeiro caractere do nome do bairro onde fica o bar, Wu Dao Kou). A mesma frase está impressa nos guardanapos de papel e como o resto da atmosfera, condiz com a banda sonora ambiente: Madonna, Coldplay, etc.

No menu sobressaem também os pratos ocidentais e nas bebidas, expostas atrás do balcão, não faltam o gin, vodka, rum, tequila ou whiskey. Mas às terças-feiras há Karaoke, divertimento coletivo muito popular entre a juventude chinesa e asiática.

Num plano simbólico, a liberdade consentida ao “Lush” parece encarnar duas características habitualmente atribuídas ao Partido Comunista Chinês – “flexibilidade” e “adaptabilidade”. “A ambiguidade, na China, está por toda a parte, o que torna o país por vezes frustrante e, outras vezes, fascinante”, observou esta semana um sinólogo alemão, Bjorn Conrad, a propósito da política ambiental do governo chinês.

António Caeiro, da agência Lusa