Ela e a família estavam dentro de um templo, escondidas da guerra que, há anos, inundara o país. Ali dentro estavam seguros, pelo menos até ouvirem sons de aviões militares a sobrevoarem a aldeia de Trang Bang, a norte de Saigão (hoje Ho Chi Minh). O barulho assustou-os, fê-los ter medo e puxou a cabeça para o pior que lhes podia acontecer — serem bombardeados e ficarem soterrados entre os escombros do edifício. Por isso, fugiram. Só que, na altura em que abandonavam o templo, as bombas começaram a cair. “Boom, boom, boom”, como descreveu Nick Ut.

As explosões foram várias. Eram bombas de napalm, do gás nocivo que queima tudo ao qual se agarra. O cheiro não enganava. Todas as pessoas da aldeia começaram a correr, a prioridade era sair dali, fugir para longe, escapar ao rasto da Guerra do Vietname que os tinha acabado de encontrar. Havia pais, mães, filhos e crianças, muitas crianças, a fugirem, quase todos gritando por desespero e muito berrando com dor. Kim Phuc era uma delas. Tinha nove anos, corria, chorava e gesticulava, despida das roupas que as queimaduras lhe tinham obrigado a arrancar do corpo.

Entre aldeões e soldados, Kim era a única pessoa nua, com pedaços de pele a caírem-lhe do corpo queimado. Foi ela que chamou a atenção de Nick Ut, que conseguiu pegar na câmara e dispará-la umas quantas vezes antes de a consciência o mandar parar. “Pensei: ‘Meu deus, não acredito que está tão queimada.’ Guardei a minha câmara na estrada e tentei ajudá-la”, disse, hoje, o então fotógrafo de 21 anos, quando a CNN lhe pediu para recordar o momento que guardou em imagem e que, no dia seguinte, fez capa em jornais um pouco por todo o mundo. Esta é a história dessa imagem.

Nick foi ajudar Kim. Pegou no cantil que tinha consigo e deitou água sobre algumas das queimaduras que dilaceravam o corpo. Depois pegou-lhe ao colo, chamou outras crianças e encaminhou-se para a carrinha que o conduzira até ali. “Estou a morrer, estou a morrer”, disse-lhe Kim Phuc, já no interior do veículo, enquanto Nick se agarrava ao volante e se preparava para as transportar até ao hospital mais próximo. Lá chegados, um médico disse-lhe que não poderia tratar as crianças.

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Não havia espaço nem condições, alegavam. Nick Ut não se ficou: mostrou o documento que o identificava como fotógrafo e garantiu-lhe que, caso as crianças não fossem tratadas, as imagens seriam publicadas, no dia seguinte, em todos os jornais do planeta. Tinha razão, mas não seriam essas imagens a serem publicados. O médico cedeu e aquelas foram as primeiras de centenas de horas que Kim Phuc passaria em hospitais, entre tratamentos e cirurgias. Hoje tem cicatrizes a cobrirem-lhe grande parte das costas e do braço esquerdo.

Tudo se passou em 1972, cerca de nove meses antes da assinatura dos Acordos de Paris que puserem termo à Guerra do Vietnam. Só 20 anos volvidos é que Kim conseguiu que o Canadá lhe concedesse asilo. Foi lá que falou à CNN do dia, e da imagem, que lhe mudaram a vida. “Quase todos os dias olho para ela e nunca lá vejo outra criança a sofrer assim. Ainda tenho a dor, as cicatrizes e as memórias, mas o meu coração está curado. Estou feliz por estar no Canadá, é a minha segunda casa”, disse. Hoje Kim Phuc é casada, tem dois filhos e até conseguiu que os seus pais, em 1997, fossem viver para o país.

Kim preside à fundação que criou (Kim Foundation International) e ainda hoje mantém contacto com Nick Ut, o fotógrafo a quem chama “Tio Nick” e que lhe telefona duas vezes por semana. “Ao início perguntava: ‘Porquê? Por que tive de sofrer se era apenas uma menina? Mas aprendi a perdoar”, explicou. É com a imagem que em 1972 chocou o mundo Kim Phuc hoje tenta, outra vez, causar impacto. Mas um que seja diferente: “Hoje digo às pessoas para não verem aquela menina a chorar e como um símbolo de guerra, mas para tentarem olhá-la como um símbolo de paz.”